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domingo, 17 de março de 2024

VIAGENS POR ABRIL

          Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                   João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

 

A toda a largura, e no topo da sua 1ª página, o ultra-fascista jornal Época de 17 de Março de 1974, colocava em letras garrafais:

PÁGINA TRISTRE
UM GRUPO DE INSUBORDINADOS FEZ DESLOCAR UMA PEQUENA COLUNA MILITAR EM DIRECÇÃO A LISBOA APROVEITAND O  UM AMBIENTE DE BOATOS FABRICADOS INSIDIOSAMENTE NO PAÍS E NO ESTRNGEIRO OS REBELDES RETROCEDERAM E FORAM PRESOS

Na mesma 1ª  página fazia publicar este libelo em defesa da pátria:


Os jornais deste dia davam conta da rebelião abortada, e em caixa, reproduziam a nota da Direcção-Geral de Informação.

«Reina a ordem em todo o País»

Assim terminava a lacónica nota, em que o governo de Marcelo Caetano revelava que já tinha conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas mas fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.
O governo dizia ao País que conseguira colocar um ponto final nas movimentações militares.

E parecia acreditar nessa ilusão.

Quem não acreditava era o incorrigível Mário-Henrique Leiria que, numa carta que há-de ser datada (22 de Março de 1974) desde Carcavelos para a sua«Querida Beluska» estar perante uma palhaçada, porque na farda não se pode acreditar nem no boné. Preocupante para o Mário era o drisco de ser deepjada da casa onde vivia com a mão e a tia, o cão Vodka e onde meter 7.000 livros, toneldasa de mobília idiota.

Recebi ontem o teu pacote medicinal. Agradeço como se seve. Chegou mesmo na hora, tu estás sempre atenta às coisas. É espantoso! Um beijão, se quiseres aceitar. Pode ser?

Por aqui, houve o que sabes e até muito mais. No fundo, mais uma palhaçada, que na farda não se pode acreditar nem no boné. Contarei, se valer a pena, quando cá vieres. Aqui não. Os meus papéis estão vigiados, tal como o telefone, mas isso não tem importância nenhuma, até porque eles sabem que eu sei que eles sabem…

Cá por casa há problema, mas não fiques preocupada, por favor. É assim:

Tivemos a notícia, no domingo, que o prédio foi vendido e vai ser demolido para dar lugar a mais uma pequena colmeia de obcecados… Muito bem. O diabo é que eu tenho duas velhas, 17 divisões, um cão, 7000 livros, toneladas de mobília idiota, sei lá…! E além disso, pago só 550$00!!! Oh pasmo! Mas é verdade. Nem de outra maneira podia ser, pois a média geral aqui de casa não chega a 3000$00 por mês.

Aí está. A gaita é que vou para a rua e, neste magnífico país ultra-inflacionário, um cochicho onde não cabe nada com o máximo de quatro assoalhadas (como se chama aqui) vai logo para entre 4000$00 e 5000$00 e já não é mau…

Um bode dos grandes…

Vou ter de aguentar. Não sei como, mas vou. E o diabo é que isto está a deitar as velhas abaixo… e eu sempre a fingir que tudo há-de ir pelo melhor.

Sabes, querida, o cansaço tem o seu limite. Tem mesmo.

Mário-Henrique Leiria em Depoimentos Escritos


Esta reprodução do Diário Popular de 17 de Março mostrava que a população das Caldas da Raínha, naquele domingo, fez a sua vida normal indo comprar, ao Mercado, na praça central da cidade como habitualmente, frutas, legumes  e flores.