Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de histórias, de opiniões,
de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que
irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que
aconteceram.
A toda a largura, e no topo da sua 1ª página, o ultra-fascista jornal Época
de 17 de Março de 1974, colocava em letras garrafais:
PÁGINA TRISTRE
UM GRUPO DE INSUBORDINADOS FEZ DESLOCAR UMA PEQUENA COLUNA MILITAR EM DIRECÇÃO
A LISBOA APROVEITAND O UM AMBIENTE DE
BOATOS FABRICADOS INSIDIOSAMENTE NO PAÍS E NO ESTRNGEIRO OS REBELDES
RETROCEDERAM E FORAM PRESOS
Na mesma 1ª página fazia publicar este libelo em defesa da pátria:
Os jornais deste dia davam conta da rebelião abortada, e em caixa,
reproduziam a nota da Direcção-Geral de Informação.
«Reina a ordem em todo o País»
Assim terminava a lacónica nota, em que o governo de Marcelo Caetano
revelava que já tinha conhecimento de que se preparava um movimento de
características e finalidades mal definidas mas fácil foi verificar que as
tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não
tinham tido êxito.
O governo dizia ao País que conseguira colocar um ponto final nas movimentações
militares.
E parecia acreditar nessa ilusão.
Quem não acreditava era o incorrigível Mário-Henrique Leiria que, numa carta que há-de ser datada (22 de Março de 1974) desde Carcavelos para a sua«Querida Beluska» estar perante uma palhaçada, porque na farda não se pode acreditar nem no boné. Preocupante para o Mário era o drisco de ser deepjada da casa onde vivia com a mão e a tia, o cão Vodka e onde meter 7.000 livros, toneldasa de mobília idiota.
Recebi ontem o teu pacote medicinal. Agradeço como se
seve. Chegou mesmo na hora, tu estás sempre atenta às coisas. É espantoso! Um
beijão, se quiseres aceitar. Pode ser?
Por aqui, houve o que sabes e até muito mais. No fundo,
mais uma palhaçada, que na farda não se pode acreditar nem no boné. Contarei,
se valer a pena, quando cá vieres. Aqui não. Os meus papéis estão vigiados, tal
como o telefone, mas isso não tem importância nenhuma, até porque eles sabem
que eu sei que eles sabem…
Cá por casa há problema, mas não fiques preocupada, por
favor. É assim:
Tivemos a notícia, no domingo, que o prédio foi vendido e
vai ser demolido para dar lugar a mais uma pequena colmeia de obcecados… Muito
bem. O diabo é que eu tenho duas velhas, 17 divisões, um cão, 7000 livros,
toneladas de mobília idiota, sei lá…! E além disso, pago só 550$00!!! Oh pasmo!
Mas é verdade. Nem de outra maneira podia ser, pois a média geral aqui de casa
não chega a 3000$00 por mês.
Aí está. A gaita é que vou para a rua e, neste magnífico
país ultra-inflacionário, um cochicho onde não cabe nada com o máximo de quatro
assoalhadas (como se chama aqui) vai logo para entre 4000$00 e 5000$00 e já não
é mau…
Um bode dos grandes…
Vou ter de aguentar. Não sei como, mas vou. E o diabo é
que isto está a deitar as velhas abaixo… e eu sempre a fingir que tudo há-de ir
pelo melhor.
Sabes, querida, o cansaço tem o seu limite. Tem mesmo.
Mário-Henrique
Leiria em Depoimentos
Escritos
Esta reprodução do Diário Popular de
17 de Março mostrava que a população das Caldas da Raínha, naquele domingo, fez a
sua vida normal indo comprar, ao Mercado, na praça central da cidade como
habitualmente, frutas, legumes e flores.
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