Este não é o dia seguinte do dia que foi
ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.
Nestas Viagens por Abril, no que refere
a canções e intérpretes, já falámos de Adriano Correia de Oliveira, José
Afonso, Francisco Fanhais, António Macedo, Manuel Freire.
Falamos hoje de Sérgio Godidnho e ainda ficam por referir outros. Lá chegaremos.
Se me perguntassem, assim de repente, quais os cantores de Abril antes de 25, e
continuaram depois, os que acreditaram, como disse o poeta, que o poema fosse
microfone e falasse uma noite qualquer para que a lua estoirasse, diria:
Adriano, José Afonso, Manuel Freire, Sérgio Godinho, José Mário Branco.
Há outros?
Sim, há algunns alguns de quem gosto mesmo, Samuel, Fausto, por aí fora…
Para falar do Sérgio pego num dos muitos grandes
álbuns do Sérgio Godinho: À Queima Roupa.
O melhor?
Que seja, ou não, mas possui na primeira faixa do lado A uma das melhores entradas de canções portuguesa. Só portuguesas?
«A paz, o pão,
habitação, saúde, educação.»
Começado em Vancouver, onde Sérgio vivia com
sua mulher, Sheila Charlesworth, continuado e finalizado em Lisboa, nos
estúdios da Rádio Triunfo, com José Fortes como engenheiro de som.
Dizem que o ódio é
baboseira
E que a raiva é má
conselheira
Mas nós com o
grande capital
Damo-nos mesmo
muito mal
Damo-nos mesmo muito mal.
O grande capital
Está vivo em
Portugal
E quem não o
combate
É que dele faz parte.
Li o Pela Estrada Fora de Jack
Kerouac antes de saber quem era o Sérgio Godinho.
Antes do álbum, chegou o EP com Romance
de um Dia na Estrada, perdido não se sabe onde. Uma capa com roxos e o
rosto Sérgio em negativo.
Quando ouvi a música, liguei-a, de imediato, a Kerouac. Anos mais tarde Sérgio
Godinho há-de confirmar que a música tem muito do “on road”.
O LP Sobreviventes tem outras canções fortes, que
força é essa que trazes nos braços ou aprende a nadar
companheiro que a liberdade está a passar por aqui, entre a rua e o país vai o
passo de um anão, mas é esta a minha preferida. E Kerouac tem muito a ver
com esse gosto:
«…porque as únicas pessoas autênticas para mim são as loucas, as que estão
loucas por viver, loucas por falar, loucas por ser salvas, desejosas de tudo ao
mesmo tempo, aquelas que nunca bocejam ou dizem um lugar comum, mas ardem,
ardem, ardem como fabulosas peças de fogo-de-artifício a explodir entre
aranhas, entre estrelas…»
Há dias, pouquíssimos dias, perguntaram
ao Sérgio que como estamos à beira de eleições legislativas, como é que ele olhava
para a situação do país.
Não demorou a resposta:
«Vivemos tempos estranhos, interna e externamente, mas se calhar os tempos
sempre estiveram estranhos. Somos um país extremamente imperfeito em muitos
setores. E parece que há coisas que emperram e que já deviam ser mais ágeis.
Desde há anos que é absolutamente indispensável que todos os portugueses tenham
um médico de família, o que, no fim de contas, é uma consequência do Serviço Nacional
de Saúde, mas atualmente temos mais de um milhão e meio de pessoas sem médico
de família. Isso é uma constatação de falência ou, pelo menos, de
insuficiência. E há que trabalhar em todos esses aspetos. A Justiça, por
exemplo, é outro setor que tem muito a ser trabalhado. Portanto, vivemos num
país que tem uma democracia sim, mas uma democracia muito imperfeita. Mas
também não gosto daquela conversa de que isto já nem é democracia. Claro que é!
Simplesmente é muito imperfeita. Tanto mais que atualmente temos ameaças de
extrema-direita tanto cá, como noutros países da Europa. E mais longe, na
América, quando se pensa que o Trump pode ser reeleito é de arrepiar. E para
além das guerras que decorrem...
Vai-se vivendo o
presente, esperando que o futuro seja um bocado melhor. As utopias não são
realizáveis. Temos, sim, de estar um passo à frente.»
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