Este não é o dia seguinte
do dia que foi ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.
O que acima se vê, é um pormenor da 1ª página do semanário Cinéfilo nº
27, da semana 6-12 de Abril de 1974.
Ainda não se tinham apagado todos os sons,
todos os sentimentos do espectáculo de Patxi Andión no Coliseu, e a 29 de Março
realizava-se o I Encontro da Canção Portuguesa, organizado pela Casa da
Imprensa, que entendera substituir a habitual “Grande Noite do Fado”,e à
reportagem-crítica desse espectáculo, a rapaziada do Cinéfilo, colocava em
título: EM BUSCA DA FESTA!
Que festa?
José Saramago já, anos antes, 1966, anunciava
que, num qualquer dia chegaria o DIA DAS
SURPRESAS.
Entre outros participaram na festa: Carlos Paredes, José Carlos Ary dos Santos, José BarataMoura, Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, Manuel Freire, Fernando Tordo, Fausto, Vitorino.
O crítico e radialista Mário Contumélias
estava encarregado de contar aos leitores cinéfilos, o que nessa noite iria
acontecer na velha sala das portas de Santo Antão e para ele mesmo dissera que
aquilo talvez redundasse numa «pepineira intragável», mas fecha a abertura do
texto deste modo:
«E agora que
aquilo já passou, há uns dias largos, ainda guardo em mim uma grande emoção,
Fosse lá porque fosse, naquela noite no Coliseu, senti-me. E isso não nos acontece todos os dias. Isso é importante!»
Dois pormenores da reportagem:
«E entrou José Carlos Ary dos Santos. Entrou
no palco entre assobios e aplausos. Pense eu o que pensar do Ary como poeta ou
como declamador, a verdade é que ele tem muita força. Eu venho cá dizer poesia.
Se não gostarem manifestem-se no fim.
E a malta manifestou-se. Aplaudindo o Soneto
Presente. Com dois poemas, Zé Carlos, face à insistência do público, diz um
terceiro, o Retrato de Alves Redol.»
«Quando, depois do Adriano acabar de
cantar, José Afonso se aproximou do microfone, as palmas rebentaram.
Venho aqui cantar uma canção GRÂNDOLA, disse Zeca.
Cerraram-se as luzes, e toda a sala, todos os 5 mil,
de pé entoaram em coro os versos da canção. Braços dados, corpos balanceando,
pés batendo no chão.
Quando o Zeca acabou, o público ficou lá, erguido ainda, nos camarotes, na galeria, na plateia, na geral, em todo o lado onde cabia mais um.»
Naquela noite, sob
forte vigilância policial e pidesca, mais de cinco mil pessoas, entoaram
espontaneamente, Grândola, Vila Morena, ironicamente
uma das duas canções que a censura permitiu que, nessa noite, José Afonso
cantasse. A outra seria Milho Verde,
mas «Grândola», canção de José Afonso, (incluída em Cantigas do Maio ,
de 1971, e interpretada pela primeira vez ao vivo em Santiago de Compostela, na
Galiza ) posteriormente, escolhida pelos militares do MFA como segunda senha de
arranque da Revolução dos Cravos.
Aquela noite fazia já antever o que, uma vintena de dias depois, veio a acontecer: o consumar do grito do poeta à rapariga, para que ela não esquecesse que um dia iriam soltar a Primavera no País de Abril, o microfone que falaria numa noite às 4 e tal… a madrugada donde um país emergiu da noite e do silêncio.
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