Não sei se Maria Velho da Costa chegou a viver no Bairro Azul com vista para El Corte Inglés. No Irmão do Meio encontro alguns sinais.
«Despacho a despachar
para ir para o Bairro Azul».
«A M. lê no Expresso o
que vale a pena e fala de pintura como quem fala de compras para a semana. Vai
aos leilões de arte como quem vai ao Corte inglês lanchar no último piso».
Por El Corte Inglés, reproduzo uma cena contada por José
Saramago no Último Caderno de Lanzarote.
Estamos na entrada da página 233 do dia 14 de Janeiro de 1998. Pilar tinha dito a Saramago que, se tivesse
tempo, passasse pelo El Corte Inglés e comprasse calcetinos que
estava precisado:
«Estava pois a
escolher as meias (o que os espanhóis chamam calcetinos está mais próximo do que nós chamamos peúgas, e peúga,
como qualquer português sabe, não é meia), quando ouço perguntar: «Es usted
José Saramago?» Virei a cabeça (há que explicar que nesse momento me encontrava
de cócoras a examinar as prateleiras mais baixas) e vejo um homem de meia-idade
que me olhava com ar de dúvida, Retomei a posição vertical e respondi: «Sim,
sou eu próprio…» «Era o que me parecia», disse ele, «mas como o vi aqui sozinho…»
Acrescentou umas palavras simpáticas de felicitação, que agradeci, e
afastou-se. Já não duvidoso, mas, pela expressão da cara, ainda perplexo.
Evidentemente, a sua estranheza não provinha de me ver a escolher meias no El
Corte Inglés: um homem, por mais incompetente que seja nestes assuntos, não
precisa de estar sempre acompanhado quando faz compras. O que simplesmente tinha
desconcertado o meu interlocutor era que um Prémio Nobel da Literatura
estivesse a comprar meias como qualquer mortal, sem, ao menos a assistência de
dois secretários e a protecção de quatro guarda-costas. Ainda por cima numa
postura tão pouco digna…»
Legenda: fotografia de Rui Duarte Silva
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