domingo, 17 de março de 2024

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Não sei se Maria Velho da Costa chegou a viver no Bairro Azul com vista para El Corte Inglés. No Irmão do Meio encontro alguns sinais.

«Despacho a despachar para ir para o Bairro Azul».

«A M. lê no Expresso o que vale a pena e fala de pintura como quem fala de compras para a semana. Vai aos leilões de arte como quem vai ao Corte inglês lanchar no último piso».

Por El Corte Inglés, reproduzo uma cena contada por José Saramago no Último Caderno de Lanzarote.

Estamos na entrada da página 233 do dia 14 de Janeiro de 1998.  Pilar tinha dito a Saramago que, se tivesse tempo, passasse pelo El Corte Inglés e comprasse calcetinos que estava precisado:

«Estava pois a escolher as meias (o que os espanhóis chamam calcetinos está mais próximo do que nós chamamos peúgas, e peúga, como qualquer português sabe, não é meia), quando ouço perguntar: «Es usted José Saramago?» Virei a cabeça (há que explicar que nesse momento me encontrava de cócoras a examinar as prateleiras mais baixas) e vejo um homem de meia-idade que me olhava com ar de dúvida, Retomei a posição vertical e respondi: «Sim, sou eu próprio…» «Era o que me parecia», disse ele, «mas como o vi aqui sozinho…» Acrescentou umas palavras simpáticas de felicitação, que agradeci, e afastou-se. Já não duvidoso, mas, pela expressão da cara, ainda perplexo. Evidentemente, a sua estranheza não provinha de me ver a escolher meias no El Corte Inglés: um homem, por mais incompetente que seja nestes assuntos, não precisa de estar sempre acompanhado quando faz compras. O que simplesmente tinha desconcertado o meu interlocutor era que um Prémio Nobel da Literatura estivesse a comprar meias como qualquer mortal, sem, ao menos a assistência de dois secretários e a protecção de quatro guarda-costas. Ainda por cima numa postura tão pouco digna…»

Legenda: fotografia de Rui Duarte Silva

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