sexta-feira, 8 de março de 2024

VIAGENS POR ABRIL


           Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                    João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

 

adeus longos e tristes embarques de soldados para África na Rocha de Conde de Óbidos ecos de lágrimas uma raiva mastigada passar as fronteiras a monte comboios que partem o som de um acordeão na gare de Austerlitz um povo acossado queríamos um país acontecia-nos uma enorme desesperança uma paz podre de cemitérios como se mantém este deserto? um país medonho monstruoso calado amordaçado sitiado vigiado o medo sobretudo o medo um silêncio de não poder respirar vontade de outros olhares vontade de dizer hoje toda a cidade me fala de ti mas “como hei-de amar serenamente com tanto amigo na prisão” (1) os dias a correr “ um verão quando voltava de Londres, tinha passado por Portugal. Tinha posto a si mesmo mil perguntas sobre o declínio dessa nação cujo império se tinha estendido à volta do Globo. Ele tinha pensado que era a pior das infelicidades nascer português. Em Lisboa, pela primeira vez na sua vida, tinha-se encontrado com um povo que se tinha desinteressado” (2) dias e mais dias “estamos catalogados, estamos empalhados dentro de uma redoma de vidro, mergulhados num frasco com álcool, isolados de tudo e com um rótulo debaixo dos pés. O rótulo puseram-no os outros; nós consentimos acomodámo-nos e vamos vivendo com ele” (3) de quando em vez um grito “instaurem uma sociedade humana! Promovam o socialismo sem dogmatismos sectários, sem radicalismos pequeno-burgueses. Aprendam com os erros do passado. E lembrem-se de que nós, os mortos, iremos, nisso, ao vosso lado! Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!”(4) tentar acreditar “diz-lhes que se resiste na cidade desfigurada por feridas de granadas e enquanto a água e os víveres escasseiam aumenta a raiva e a esperança reproduz-se (5) ler a história e ficar a saber “que um povo não morre porque o oprimem, mas morrerá certamente, se antes da luta, abdica” (6) e por fim sim por fim “ digo-vos senhores é findo o vosso tempo o jogo terminou ainda que não o pareça” (7)

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(1) Fernando Assis Pacheco para uma canção de Adriano Correia de Oliveira
(2) Roger Vailland em “A Lei”
(3) Augusto Abelaira em “A Cidade das Flores”
(4) Mário Sacramento, em“Carta-Testamento”
(5) Egito Gonçalves, em “A Viagem Com o Teu Rosto”
(6) Basílio Teles em “Textos Políticos”
(7) Daniel Filipe em "Pátria Lugar de Exílio"

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