Este não é o dia seguinte do dia que foi
ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de
histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias,
figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação
do dia, mês, ano em que aconteceram.
adeus longos e tristes
embarques de soldados para África na Rocha de Conde de Óbidos ecos de lágrimas
uma raiva mastigada passar as fronteiras a monte comboios que partem o som de
um acordeão na gare de Austerlitz um povo acossado queríamos um país
acontecia-nos uma enorme desesperança uma paz podre de cemitérios como se
mantém este deserto? um país medonho monstruoso calado amordaçado sitiado
vigiado o medo sobretudo o medo um silêncio de não poder respirar vontade de
outros olhares vontade de dizer hoje toda a cidade me fala de ti mas “como
hei-de amar serenamente com tanto amigo na prisão” (1) os dias a correr “ um
verão quando voltava de Londres, tinha passado por Portugal. Tinha posto a si
mesmo mil perguntas sobre o declínio dessa nação cujo império se tinha
estendido à volta do Globo. Ele tinha pensado que era a pior das infelicidades
nascer português. Em Lisboa, pela primeira vez na sua vida, tinha-se encontrado
com um povo que se tinha desinteressado” (2) dias e mais dias “estamos
catalogados, estamos empalhados dentro de uma redoma de vidro, mergulhados num
frasco com álcool, isolados de tudo e com um rótulo debaixo dos pés. O rótulo
puseram-no os outros; nós consentimos acomodámo-nos e vamos vivendo com ele”
(3) de quando em vez um grito “instaurem uma sociedade humana! Promovam o
socialismo sem dogmatismos sectários, sem radicalismos pequeno-burgueses.
Aprendam com os erros do passado. E lembrem-se de que nós, os mortos, iremos,
nisso, ao vosso lado! Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar
cá!”(4) tentar acreditar “diz-lhes que se resiste na cidade desfigurada por
feridas de granadas e enquanto a água e os víveres escasseiam aumenta a raiva e
a esperança reproduz-se (5) ler a história e ficar a saber “que um povo não
morre porque o oprimem, mas morrerá certamente, se antes da luta, abdica” (6) e
por fim sim por fim “ digo-vos senhores é findo o vosso tempo o jogo terminou
ainda que não o pareça” (7)
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(1) Fernando Assis Pacheco para uma canção de Adriano Correia de Oliveira
(2) Roger Vailland em “A Lei”
(3) Augusto Abelaira em “A Cidade das Flores”
(4) Mário Sacramento, em“Carta-Testamento”
(5) Egito Gonçalves, em “A Viagem Com o Teu Rosto”
(6) Basílio Teles em “Textos Políticos”
(7) Daniel Filipe em "Pátria Lugar de Exílio"
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