sábado, 30 de março de 2024

O OUTRO LADO DAS CAPAS


António Borges Coelho é um dos maiores historiadores portugueses.

O livrinho que hoje se publica em Olharas Capas tem 63 páginas, mas é um tratado histórico do que realmente somos. Antes e depois de Abril. O pequeno texto que acompanha o olhar sobre a capa, é sintomático.

Uma outra citação na pág. 31:

«Se os detentores de monopólios e latifúndios não excedem as duzentas famílias, ainda por cima assustadas com o 25 de Abril – dir-se-á -, onde está a dificuldade de as ilaquear no processo? Os monopólios não se reduzem às duzentas famílias. Preso na sua engrenagem agita-se todo um vasto mundo: administradores, funcionários superiores, alto e clero, gente estupidificada pela engrenagem da sociedade de consumo. Que os monopólios, esses sim, não têm rosto e muito menos humano. Têm siglas: SARL. Têm os cornos do bezerro de oiro que a ignorância, a superstição e a corrupção venera.»

Por fim, fiquemo-nos com as palavras finais do livrinho:

«A independência nacional não depende da bondade ou maldade dos homens. Só se conquista verdadeiramente depois dos trabalhadores tomarem o poder. Que, para eles, a nação não se opõe à existência das outras nações, não as encara como presa, como no conceito burguês, antes pressupõe a fraternidade das nações e dos homens, antes pressupõe um conceito novo, uma prática nova que Marx designou justamente como internacionalismo proletário.»

Ex-Militante do Partido Comunista, desfiliou-se em 1991, disse que sem os tempos de prisão e a preocupação pelas minorias, nunca teria sido historiador.

Aos 90 anos, no sossego da sua casa na Parede, está a escrever o 7º volume da sua História de Portugal.

Estava preso em Peniche aquando da fuga de Álvaro Cunhal a 3 de Janeiro de 1960. Não fugiu com os seus camaradas: «Não queria voltar à vida de funcionário do PC e tinha o meu projecto de escrever História, escrever para lá da História.»

Forte de Peniche.

O grasnar sempre presente das gaivotas, entre outos sons ligados ao mar, permitia aos presos imaginar a paisagem que os rodeava. Como se pode compreender através do poema «Sou Barco» de António Borges Coelho, musicado por Luís Cília e cantado por Adriano Correia de Oliveira: «ouço o fragor da vaga sempre a bater ao fundo, escrevo, leio, penso, passeio neste mundo de seis passos e o mar a bater ao fundo».

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