«A maior parte das pessoas que vive e trabalha em Portugal não está contente com a situação económica, social e política do país. Mas não estar contente não significa querer uma situação ainda pior da que existe hoje. Muito menos continuar o processo de empobrecimento da grande maioria da população que persiste há décadas, independentemente de estar o PS ou PSD no comando.
Grande parte da campanha de Luís Montenegro consiste em garantir que não vai fazer o que sempre a direita tem feito no governo. Ao mesmo tempo que inscreve cortes fiscais para as maiores empresas e os contribuintes mais ricos, garante que não vai cortar nas pensões, salários e muito menos manter a situação de catástrofe que existe a nível da habitação, por total falta de ação dos governos para ir além do mercado. Estaríamos perante um grande milagre. Baixam-se os impostos aos muito ricos e os pobres sobem ao reino dos céus do rendimento.
É uma operação difícil. Até porque vários expoentes da direita insistem em revelar ideias revanchistas no campo da imigração, interrupção voluntária da gravidez, falta de combate às alterações climáticas e mesmo advogar o não aumento de salários.
Vários apoiantes da direita, nos estúdios de televisão e em comícios, têm feito uma tentativa de branqueamento da gestão do governo de Passos Coelho durante a Troika. Essa operação ideológica começa por falsificar as razões que levaram à crise de 2011, passa por ignorar que se comprometeram com o PS no plano de ajustamento da Troika e, sobretudo, pretende esconder que foram convictamente muito para além da Troika.
A chamada crise da dívida soberana precipitou-se depois da crise financeira mundial, devido ao rebentar da bolha especulativa financeira originada nas hipotecas subprime, que obrigou os estados a pagarem grande parte do buraco financeiro deixado pelos bancos privados.
No início da crise, um dos grandes cronistas do Financial Times comparava as políticas da Troika à decisão de um condenado à morte, a quem é dada a possibilidade de viver caso ensine inglês ao cavalo do rei. O homem aceita o desafio pensando: “Este ano, o rei pode morrer, eu posso fugir e até o cavalo pode aprender inglês”.
Não consta que a Troika e Passos Coelho tenham resolvido a crise, e nem que o cavalo tenha aprendido a falar inglês.
No dia 6 de julho de 2011, Passos Coelho garantia à Reuters que o governo queria ir para além das medidas da Troika, afirmando que não desejava ser um peso para os seus parceiros europeus, e garantindo a intenção de “surpreender e ir além do acordo”. Coisa que fez nos cortes de salários e pensões e nas privatizações de empresas estratégicas, altamente lucrativas, entregues a grupos privados estrangeiros a preço de saldos.
A crença ideológica de que havia uma “austeridade expansionista” e que quanto mais cortes de salários e pensões se fizesse melhor ficava a economia era sobretudo uma máquina de guerra para roubar salários e dar uma parte maior do rendimento ao capital.
A maior parte dos países que foi “ajudado” pelo FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia não tinha dívidas públicas superiores à média europeia. E a chamada crise da dívida soberana não foi resolvida por estas medidas de austeridade, mas apenas pela declaração de Mario Dragui, governador do Banco Central Europeu, que devido ao falhanço dos programas de ajustamento, garantiu que faria tudo o que fosse necessário para salvar o euro, inclusive comprar dívida pública dos estados endividados. “Dentro do seu mandato, o BCE está pronto para, custe o que custar, preservar o euro”, disse Dragui, em Londres, na Global Investment Conference, a 26 de julho de 2012. Depois de uma pausa muito curta, acrescentou: “E acreditem, será suficiente.”
O falhanço do programa passista-troikista é evidente: foram retirados mais de 27 mil milhões de euros da economia, pela via do corte dos salários, das pensões e do aumento de impostos. Esta brutal sangria só reduziu o défice público em 9 mil milhões de euros, como faz notar Rui Peres Jorge no seu livro Os 10 Erros da Troika em Portugal.
Como escreve o economista João Rodrigues, no Público, a solução da crise estava nas mãos dos Banco Central Europeu e podia ter sido acionada há muito, não fosse a cegueira ideológica e a vontade de baixar estruturalmente os ordenados de quem trabalha.
“Na altura, a política de inação do Banco Central Europeu (BCE) permitiu que a taxa de juro das obrigações do tesouro nacional a dez anos chegasse aos 16%, com a dívida pública a ultrapassar os 120% do PIB. Tal não permitia continuar a fazer face ao serviço da dívida. Havia a alternativa da reestruturação por iniciativa do devedor. As elites do poder optaram por aceitar uma reestruturação liderada pelo credor, com austeridade destrutiva associada.”
“Quase dez anos depois, em plena crise pandémica, a dívida ultrapassou de novo os 120% do PIB, mas a taxa de juro das obrigações do tesouro nacional a dez anos ficou-se por uns residuais 0,25% e assim permaneceu enquanto o BCE quis, pois é este que pode controlar indefinidamente a taxa de juro de toda a dívida denominada na moeda por si emitida. É tão simples que a mente quase que bloqueia. Retrospetivamente, a austeridade imposta a partir de 2010-2011, com centenas de milhares de postos de trabalho destruídos e com centenas de milhares de portugueses compelidos a emigrar, a par do aumento da pobreza, foi um evitável desperdício, feito em nome da consolidação de um modelo neoliberal”, escreve João Rodrigues.
Na altura, o governo de Passos Coelho só não
conseguiu ir mais longe, porque parte das medidas, como o corte de 10% das
pensões superiores a 600 euros brutos, foram condenadas pelo Tribunal
Constitucional, e o pagamento da TSU dos trabalhadores foi barrado por centenas
de milhares de manifestantes em 15 de setembro de 2012, que precederam os mais
de um milhão de pessoas que saíram às ruas a 2 de março de 2013, a dizer “Que
se Lixe a Troika!”.»
Nuno Ramos de Almeida no Diário de Notícias de hoje
Sem comentários:
Enviar um comentário