sexta-feira, 1 de março de 2024

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 

Este livro, capa castanha, encadernado de origem, com as Poesias de Bocage, é um dos que o meu avô paterno trouxe para a Biblioteca da Casa quando foi viver para a casa dos  meus pais.

O livro não tem indicação da tipografia que, em Lisboa, o editou no ano de 1910 e tem poesias que na edição das obras do poeta não foram publicadas em Lisboa numa edição no ano de  1853.

Tem uma «Advertencia Preliminar» que termina assim:

«Sirvam estas razões de salvo-conduto com que grangeemos obter vénia perante os ânimos sensatos e despreocupados: quanto  áqueles, para quem (na phase de um nosso amabilissimo contemporâneo) é mais escândalo escrever um beijo do que tomar cento; -  esses teem em si mesmos contra o veneno do livro um preservativo tão fácil quanto infalível: - Não  o comprem, nem o leiam, e ficaremos em boa paz.»

 Falar de Bocage sem lembrar Alexandre O’ Neill?

 Auto-Retrato  de Alexandre O’ Neill à maneira de Bocage: tirado de Poemas Com Endereço :

 ONeill (Alexandre), moreno

português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de través
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada...)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele ONeill!)
e tem a veleidade de o saber fazer
(pois amor não há feito) das maneiras mil
que são a semovente estátua do prazer.
Mas sobre a ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse...

Um outro poema do O’ Neill sobre Bocage:

 

A UM POETA QUE DEIXOU DE COMPARECER  NAS ANTOLOGIAS

 

Tinha de suceder deixares de suceder

a ti próprio.

 

Já Bocage não és? - claro! -

e quem sabe se alguma vez o foste?

Digo-te mais : nunca o serás,

nem apocrifamente.

 

Não almejavas tanto?

 

Bravo, rapaz, parece que caíste

em ti!

 

Como queres que uma antologia se acrescente

sem, tarde ou cedo, se diminuir?

 

Sabes por que se diz « gemem os prelos»?

Não penses que é por ti.

 

Sê razoável!

 

Teus versos hão-de espiritualizar muita família.

 

Entre netos, uma velha senhora esquecerá a meio

um soneto dos teus.

 

Se a sorte não te for de todo adversa,

Um lusófilo, algures,

citará entre barras versos da tua lavra

numa elegante nota de rodapé.

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