sexta-feira, 26 de julho de 2019

SARAMAGUEANDO


José Saramago sempre entendeu que para que se possa conhecer melhor a obra de um escritor, é necessário publicar a correspondência trocada com os seus pares.

Saramago vai mais longe, e na longa conversa que manteve com João Céu e Silva, diz:

Tenho milhares de cartas e costumo dizer que a obra completa de um escritor só estará realmente completa publicando-se uma selecção das cartas dos leitores porque – fala-se tanto da teoria da recepção – é naquelas cartas que se vê realmente o que é a recepção. Em casa devemos ter umas duas mil cartas de leitores que é preciso classificar e ordenar.

Humberto Werneck que fez uma entrevista a José Saramago, cuja transcrição pode ser lida no ÚltimoCaderno de Lanzarote revela que «Saramago escreve pela manhã e no final da tarde a sua quota diária de literatura, nunca mais de duas páginas ao som de Mozart, Bach ou Beethoven, e responde a algumas das cartas, cerca de 100, em média, que lhe chegam todos os meses de vários cantos do mundo.»

No dia 8 de Agosto de 1998, entrada do Último Caderno de Lanzarote, Saramago volta ao assunto das correspondência que manteve com os seus leitores.

«Um dia deixei consignado nestes Cadernos a única ideia em tudo original que até aí tinha produzido (e suspeito que desde então não consegui espremer da cabeça outra de quilate semelhante), aquela luminosíssima ocorrência de que na publicação da obra completa de um escritor deveria haver um volume ou mais com as cartas dos leitores. Fala-se, discute-se, discorre-se sobre as teorias da receção (empurrando portas abertas?), e parece que ninguém repara no inesgotável campo de trabalho que oferecem as caretas dos leitores.»

José Saramago deixou-nos há 8 anos e penso que já correu o tempo suficiente para se tivesse dado andamento a essa ideia das cartas dos seus leitores.

Também não se compreende muito bem porque ainda não existe a publicação da correspondência com os seus pares-

Olhe-se o meritório trabalho que Mécia de Sena tem feito com a correspondência que Jorge de Sena manteve com uma série de intelectuais do seu tempo.

A única correspondência de Saramago publicada, é a que manteve com José Rodrigues Miguéis durante o tempo em que foi responsável literário da editora Estúdios  Cor.

O volume publicado com a correspondência de Jorge Amado não é muito significativo na medida em que não abrange cartas e apenas reúne trocas avulsas de faxes.

2 comentários:

Seve disse...

Ó Saramago então se 95% desta gente não lê um livro teu ia agora conhecer a tua correspondência...eles não têem tempo nem para pensar!

Sammy, o paquete disse...

O que eu entendo, caro Seve, é que o papel de uma Fundação, como a de José Saramago, seria promover a publicação do que o autor deixou escrito como importante para o conhecimento da sua obra. Tenho como ideia, apenas isso, de que já decorreu o tempo suficiente para que a correspondência de Saramago, com os seus pares e os seus leitores, já estivesse publicada. Saramago era senhor de uma espantosa organização e esse trabalho, de certeza, ele deixou planeado.
O tempo urge. O meu, principalmente!...