No 1º de Outubro de 1885, deu entrada nos cárceres de custodia da
inquisição de Coimbra o maior vulto do Portugal de então, o jesuíta António
Vieira-
Recluso durante 44 dias, tanto gemeu e pensou que não teve outro
remédio senão pedir que o transferissem para o seu colégio ou o internassem em
qualquer convento de religiosos. O cárcere do Santo Ofício de Coimbra era
húmido e frio, muito exposto ao vento norte, e para mais Vieira tinha sido
preso ainda convalescente, já lá dentro tivera três ameaças de recaída, com
febre e hemoptises e quando assim era no Outono, que faria em chegando os
rigores do Inverno?!
Além disso precisava de quem lhe escrevesse a alegação da sua
inocência, o que ele não podia fazer com a perspectiva constante duma ética,
como então se dizia, que o ia minando, e precisava duma copiosa livraria,
principalmente de teólogos e juristas, para o auxiliarem nessa elaboração.
Nada disso porém lhe foi concedido e o Padre António Vieira conhecido
do leitor ilustrado pelos seus sermões tão ortodoxos e pelas sua carta tão
morais, estava ali encerrado, como o último dos blasfemos que negasse a
divindade de Jesus ou conspurcasse a hóstia consagrada!...
Um dos nossos mais antigos repórteres
fotográficos, o Leonardo Negrão, tem por hábito publicar, a preto e branco no
Facebook, imagens dos camaradas de redação, atuais e antigos, em momentos de
trabalho ou convívio, numa espécie de álbum digital a que chama “Para memória
futura”.
Sabemos que as memórias são diferentes
de pessoa para pessoa; o que uma acha relevante, outra pode nem ter notado.
Sabemos também que um país tem tantas memórias como cada um dos seus cidadãos,
e que há memórias coletivas de determinados grupos de pessoas que partilharam
experiências comuns. Todas estas, incluindo as das fotografias do Leonardo,
constituem a história e reforçam as raízes de uma nação.
Cada vez que há tentativas de
desvalorizar, contrariar ou mesmo apagar algumas dessas memórias, quem as
guarda reage, naturalmente, com alguma exaltação. Sejam as daqueles que, por
exemplo, viveram na ditadura sem sobressaltos, sejam as dos que nunca viveram
de outra forma nessa época senão em sobressalto. Ambas merecem respeito e
compreensão, mesmo sabendo que todos fizeram escolhas.
Por tudo isto, quando se olha para os
2626 nomes de ex-presos políticos talhados numa pedra à entrada do Forte de
Peniche, antiga cadeia do Estado Novo, transformado em Museu da Resistência e
Liberdade, inaugurado neste sábado, e se pensa no que sofreu cada um deles e
delas (há duas mulheres, cuja história é contada, nesta edição, pela nossa
jornalista Alexandra Tavares-Teles) qualquer silêncio que se pretenda impor sobre
as memórias destas pessoas, das suas famílias, é, tão-só, indigno.
Não digo isto porque entre esses 2626
nomes está o do meu pai, nem porque só quase adulta me descobri, em memórias
escritas num diário, como a menina de 3 anos que acordava todos à noite com os
seus gritos de pesadelos e obrigava todos os que com ela compartilhavam uma
casa para filhos de presos políticos a procurar, antes de adormecer, “animais
maus” debaixo da sua cama.
Nesse diário, escrito por uma mulher que
se tornou depois pedagoga e estudiosa destes traumas dos filhos da ditadura, a
interpretação é de que os tais bichos simbolizavam os PIDES que eu tinha visto
a irem buscar o meu pai a casa.
Não sei. Sei que os pesadelos não me
deixaram muitos anos, mas aprendi a enfrentá-los e a vencê-los. Acredito que
outros filhos e pais de presos políticos também o tenham conseguido. A maioria
dos nomes registados na tal pedra à
entrada da antiga cadeia - que alguém, que não respeita a memória, queria
transformar em hotel - são de portugueses comuns, mas também há cerca de uma
centena de estrangeiros, espanhóis principalmente, mas também angolanos,
moçambicanos, goeses e até alemães. Todos ali estiveram encarcerados pelo seu
pensamento, porque escolheram enfrentar os monstros.
É essa resistência que, individual ou
coletiva, jamais deverá ser esquecida - mesmo se há quem, como é caso dos
representantes da Iniciativa Liberal na manifestação do 25 de Abril na Avenida
da Liberdade, não tenha encontrado nada mais apropriado como palavra de ordem,
num dia em que se celebra o fim de um regime que perseguiu, torturou e matou
comunistas (ou os que eram tidos como tal), e num local onde muitos dos
sobreviventes dessa perseguição se reúnem a celebrar, que “comunismo nunca
mais”.
Num país no qual uma lei aprovada em
1997 para permitir aos presos políticos da ditadura, e aos que viveram na
clandestinidade, pudessem contabilizar esse tempo para efeitos de pensão nunca
foi regulamentada, o mínimo de reparação devida a quem gastou anos, por vezes
décadas da sua vida, nos calabouços do Estado Novo é respeito pela sua coragem
e sacrifício.
Além da sua disruptiva e oportuna
declaração sobre o dever de reparação histórica pelos desmandos do Império
português, Marcelo Rebelo de Sousa parece ter sentido a necessidade de
sublinhar que esse respeito é um fator essencial da preservação da memória
coletiva do país.
O Presidente da República podia só ter
estado na inauguração oficial do Museu da Resistência, proferido palavras de
circunstância. Mas escolheu esperar a inauguração protagonizada pelas centenas
de resistentes, ex-presos políticos e respetivas famílias, que decorreu mais
tarde.
Quem o viu, de cravo vermelho ao peito,
à porta do Forte de Peniche - a mesma porta por onde, 50 anos antes, saíram em
liberdade os últimos detidos -, seguindo depois, anónimo (não quis câmaras), na
massa anónima que entoava a Grândola Vila Morena, sentiu que também ele,
humildemente, queria render homenagem a quem ali tanto sofreu. E cantou com
eles a música histórica de Zeca Afonso. Para e pela a memória futura.
Legenda:
fotografia da Ordem dos Arquitectos Secção Regional Sul.
O memorial,
com 21 metros de largura, 4 metros de altura e com cerca de 40 toneladas,
localiza-se na entrada interior da fortaleza e contém a inscrição de 66 mil
carateres que escrevem os nomes de 2510 presos políticos.
No topo
do memorial, está gravada uma frase do historiador e escritor António Borges
Coelho, também ele preso político em Peniche:
"Nomeai um a um todos os nomes Lutaram e resistiram A liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta fortaleza"
O memorial
com o nome de todos os que por ali passaram, foi um projeto desenvolvido pelo
Atelier AR4 Arquitetura e executado pela Frademetalúrgica.
Tenho uma revolução,
francesa, perfumada,
que entre 68 e 75 me levou
pela mão, em festa,
a conhecer os mistérios
do mundo.
Anda, desde então,
encavalitada pelas estantes,
entre despojos da memória
e insones sonhos por cumprir,
poemas desesperados,
amores antigos e já esquecidos,
vagos distúrbios de consciência
e muitas outras coisas
espalhadas
que não vale a pena enumerar.
E guia-me
pelo labirinto do devir,
a livrar-me da ameaça do tédio
nosso de cada dia.
Adolfo Luxúria
Canibal
Nota do Editor: este poema foi copiado do jornal Público.
Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto
comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50
dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.
Adolfo Luxúria Canibal, jurista, fundou os grupos Mão Morta e Mécanosphère, de
que é vocalista e letrista, tendo mais de 30 discos editados. Criou
espectáculos de spoken word e de dança, performances
neuro-áudio-visuais, filmes de videoarte e foi actor em cinema e teatro.
Publicou uma dezena de livros.
Os
portugueses viviam o seu primeiro domingo em Liberdade.
Na 1ª página do “Diário
de Lisboa” reproduzia-se um “poster” de João Abel Manta.
«Esta é a reprodução de um “poster” que apresentamos nas páginas
centrais da nossa edição de hoje. O “poster” alusivo ao actual momento político
português, é da autoria de João Abel Manta, artista que, por motivos demais
conhecidos, há tempo não publicava qualquer trabalho no nosso jornal.»
Na redacção do Diário de
Notícias, as janelas ainda não tinham sido escancaradas. Na 1ª página
podia ler-se:
“Serenidade e expectativa nos territórios do Ultramar”
Na 7ª página um telegrama da
“France Press”, proveniente de Montreal, revelava que Agostinho Neto, em nome
do MPLA, não aceitava a proposta do General Spínola com vista à formação de uma
Federação. O MPLA classificava a proposta como fascista, nazi e
salazarista e reafirmava que a luta sempre foi por uma libertação
completa e, apenas, neste princípio se dispunha a encetar negociações com
Portugal.
Na página 3, “A Capital”
avançava que tudo levava a crer que o 1º de Maio iria ser decretado, pelas
Forças Armadas, Feriado Nacional. O pedido fora formulado por Francisco Pereira
de Moura, na reunião que, na véspera, a CDE mantivera com o General Spínola.
Na pág. 14 era publicada esta
fotografia.
A legenda dizia que “um
elemento anónimo do 1º Comité de Acção Popular, baptiza a ponte sobre o Tejo.”
O corpo da notícia esclarecia
que o “Comité de Acção Popular” nascera espontaneamente, e propunha-se realizar
uma série de acções com vista à eliminação de símbolos do regime derrubado a 25
de Abril.
A alteração do nome de Ponte
Salazar para Ponte 25 de Abril era o primeiro desses actos.
A propósito deste acontecimento,
um oficial, não identificado, da Junta de Salvação Nacional, declarou:
“estamos aqui, não para desrespeitar os mortos mas pare defender os vivos.”
Na Junta de Salvação Nacional,
também as janelas estavam por escancarar!
Esta é a capa do nº1 do ano I
de A Época.
Barradas de Oliveira é demitido
de director do jornal Época, que ontem não saiu para as bancas.
Depois de populares terem,
anteontem, tentado destruir as instalações do jornal, que era um sustentáculo
da ditadura, o Conselho de Redacção nomeou José Manuel Pintasilgo, chefe de
redacção de ex-Época, como director do jornal, que passa, a partir de hoje, a
publicar-se com o nome de A Época.
Começam a esboçar-se os
primeiros sinais de camaleonismo.
Atente-se no final da sua
declaração de princípios:
Uma notícia quase perdida no
volume noticioso dos dias:
«Os desertores do Exército
apelam para uma amnistia que lhes permita regressar a Portugal.»
Destaque na 1ª página de O Século para a prisão de Silva Pais, o tenebrosos ex-director da PIDE-DGS.
«Não nos
lembramos de dias, recordamos momentos. A riqueza da vida está nas memórias que
esquecemos.»
Agora é o tempo
de, ainda, amiúde ouvir: «25 de Abril, sempre!»
A Biblioteca da
Casa está cheia de alguns livros que falam do antes e do depois de Abril.
O meu pai com
algum ritmo de tempo, lembrava em finais de conversa:
«Tens de ler
tudo, mas mesmo tudo. Até autores de que não gostas, que são contrários aos
gostos, às ideias que defendes. Não te podes convencer que, estando no meio,
consegues aperceber-te dos dois lados, não. E repetia: ficares no meio é como
dizer «fuzilem à vontade, senhores!»
Tudo isto para
dizer que sentir o 25 de Abril é ler a sua história, conhecer grande parte dos
quotidianos, dos dias do antes e do depois.
Nestes últimos
dias têm aparecido no Olhar as Capas, livros sobre o 25 de Abril, alguns
não tão favoráveis à data, mas fazem parte dos costumes que orientam as vidas.
Já os deveria
ter trazido aqui. Os que apareceram não completam, nem pouco mais ou menos, pelo
que o processo de ir publicando esses livros, irá prosseguir.
Para se poder
dizer «25 de Abril, sempre!» é preciso ler sobre a tal data que nos deu a possibilidade,
apesar de tudo, de sermos gente.
Rui Simões, José Manuel Costa,
João Lopes, Luís de Pina
José de Matos-Cruz
Capa: João Botelho
Edição da Cinemateca Portuguesa,
Lisboa, Abril de 1984
Teria sido preciso que um homem de génio tocasse as imagens da
Revolução de Abril para que, de mero documento de um processo político, se
transcendessem em saga, para que os factos se aproximassem da lenda. Mas,
pensando bem, para que há-de um homem de génio tocar um tempo e uma história
sem heróis?
A imprensa
diária continuava a publicar notícias, fotografias, reportagens sobre o
Movimento dos Capitães, a libertação dos presos políticos, o desmantelamento da
PIDE/DGS, bem como reacções internacionais aos acontecimentos verificados no
país.
Título da 1ª página do “Diário
de Lisboa”:
“170 Pides nas celas de Caxias.”
Em baixo, à direita, uma
fotografia com a seguinte legenda:
“Máscaras de medo, de terror caracterizavam os Pides ao darem entrada
nos camiões que os conduziram da Rua António Maria Cardoso para a prisão de
Caxias – medo e terror que durante largos anos se comprazeram em espalhar no
povo indefeso e nos estoicamente lutavam para restituir a Portugal a justa
liberdade”.
Neste sábado, o “Expresso” fazia,
após os acontecimentos do dia 25, a sua primeira edição.
Em editorial declarava que “não precisamos fazer meia volta como tantos
outros (…) continuaremos, portanto, naturalmente, pelo mesmo caminho. Aceitando
sem reticências o desafio necessário que a nova situação política nos lança.
Participando na batalha contra os outros necessários desafios. Lutando por que
o país e cada um dos seus cidadãos saibam adaptar-se e beneficiem da mudança
que já estamos a viver.”
Também em editorial, o “Diário
de Notícias” dedica-se, à moralidade, ao perfeito cinismo, ou o
começar de pôr água na fervura do caldo, género portem-se bem meninos, que isto
não é o da Joana:
“O que os Portugueses não devem entretanto perder de vista é que para
se ter liberdade é preciso merecê-la. Cada um de nós tem de provar por si que é
digno dela, adquirindo hábitos de tolerância e respeito pelo próximo que andam
muito esquecidos. Só por esse modo poderemos triunfalmente refutar o argumento
dos que negam ao povo português a maturidade necessária para ser livre”
Na sua página 5 dava conta
da romaria que ia acontecendo pela rua onde reside Spínola:
“Milhares de pessoas de todas as camadas sociais têm-se dirigido
à residência do general Spínola, na Rua Rafael de Andrade, dando àquela artéria
um movimento sem precedentes. A intenção é sempre, de saudar o presidente da
Junta de Salvação Nacional e de lhe manifestar a sua adesão.”
Na sua 1ª página “O Século” noticiava
que Mário de Soares partiria de Paris de comboio, estando prevista, para
domingo a sua chegada a Santa Apolónia.
Após demoradas negociações, são
libertados os presos políticos que se encontravam nas prisões da PIDE. Os
presos tinham decidido que ou saiam todos ou não saia nenhum.
Palavras de Hermínio Palma
Inácio, ao sair da prisão de Caxias, captadas para uma reportagem publicada na
página 5:
“Isto é maravilhoso!..
Sabemos ainda pouco sobre os objectivos da Junta… Oxalá não seja só uma
liberdade de doze meses.”
Noticiava, ainda “ O
Século” que grupos de populares invadiram as instalações da Comissão
de Exame Prévio, ex-Censura, destruindo mobiliário e vasta documentação e
colocava um apelo do capitão Salgueiro Maia, pedindo aos populares que
não destruíssem arquivos de valor histórico inestimável.
Pelas ruas da cidade os
populares começavam a caça aos pides, publica-se uma fotografia que ficou para
a História. Da notícia retiro este pormenor: “entretanto eram presos
vários agentes da DGS entre os quais um morador no Bairro Espírito Santo em
Odivelas, que foi denunciado por uma senhora. Trazia uma pistola de guerra nas
“roupas íntimas inferiores.”
Em “Ultimas Notícias” referia-se
que o embaixador de Portugal no Brasil, José Hermano Saraiva” dirigiu-se pela
rádio e televisão à comunidade portuguesa:
“O processo que o país atravessa é pacífico, sem violências, e
representa um caminho em busca da solução dos seus problemas, disse.
A página desportiva, falando do
regresso da equipa do Sporting, tinha este curioso título:
A eliminação da Taça das Taças esquecida na Cortina de Ferro por razões
óbvias.
O jogo realizara-se em
Magdeburgo, na então chamada Alemanha Oriental.
Como os restantes jornais, O
Século noticiava o assalto que populares fizeram ao edifício do
jornal Época, que não se publicou neste dia, e que obrigou à
intervenção de elementos das Forças Armadas.
Face a este incidente, e outros
que iam acontecendo, a Junta de Salvação Nacional emitia um comunicado:
Noticia “A Capital” que foram demitidos os governadores de Angola, Moçambique e Guiné, nomeados novos comandos para as regiões militares, GNR e PSP, as tomadas de posição de diversos sindicatos, que no Técnico reabria a Associação de Estudantes bem como a reunião da Junta de Salvação Nacional com a CDE, a Sedes, a Convergência Monárquica e directores dos diversos órgãos de informação.
A CDE fazia-se representar por
Francisco Pereira Moura, José Manuel Tengarrinha, Herberto Goulart, Pedro
Coelho e Gilberto Ramos, a Sedes por Sá Borges, Magalhães Mota, Teodoro da
Silva, A Convergência Monárquica por Rodrigo Montezuma, Pedro Paiva Pessoa e
João Vaz Serra e Moura.
Exilado no Brasil o Prof. Rui
Luís Gomes anunciou o imediato regresso a Portugal.
Na primeira página o “Diário
Popular” informava que os bancos reabriam ao público na segunda-feira,
enquanto na pág. 17 realçava um comunicado da assembleia da Conferência
Episcopal da Metrópole. Os senhores bispos, tão silenciosos em tempo de
ditadura, entenderam formular votos para o bem-estar da Sociedade portuguesa.
O Diário Popular dava
conta que, em Beja, foi preso pela polícia um homem que ostentava um cartaz a
pedir a extinção da PIDE.
A edição do “República” salientava
que ainda continuavam à solta, e armados, mais de dois mil agentes da PIDE/DGS.
Na sua agenda
de espectáculos, podia ler-se a seguinte nota:
“Como os nossos leitores se têm apercebido, a programação da RTP foi
profundamente alterada, não sendo ainda possível a organização de horários.
Aconselhamos portanto a manterem os aparelhos ligados para a captação de
qualquer informação importante ao País.”
No meio da alegria generalizada,
a notícia da morte do poeta Pedro Oom, fulminado por um ataque cardíaco. O
poeta que tinha 47 anos, um pouco menos que o regime deposto, e não resistiu à
emoção de ver cair a ditadura.
Não lembro como, quando e onde, terei
comprado este exemplar dos Cadernos de Circunstâcia. Com toda a certeza foi
antes de 25 de Abril e dentro daquele espírito de que tudo o que fosse contra a
ditadura comprava e porque o meu pai sempre foi da opinião que devíamos ler tudo.
É um caderno composto a stencil.
Nas suas 70 páginas pode ler-se
uma frase lapidar de KarlaMarx: «A emancipação dos trabalhadores será a
obra dos próprios trabalhadores» e a conclusão que «só nestes termos
será possível à classe operária e aos seus aliados apoderarem-se do aparelho de
estado instituindo a ditadura do proletariado.»
José Pacheco Pereira, no seu
livro «As Armas de Papel» diz que estes cadernos eram produzidos em
França, (1967 e 1970) da responsabilidade de Aquiles Oliveira, sediados em
Arcueil.
«Era distribuída [entre 1967 e 1970] em França e nos círculos de
emigração, e enviada para Portugal através de oficiais da Marinha portuguesa
que passavam nos portos franceses (dois dos seus membros, Jorge Valadas e João
Freire, tinham pertencido à Marinha) e dos contactos dos membros do grupo com o
interior do país. Entre esses contactos contava-se José Leal Loureiro que
levava a revista para o Porto, e um conjunto de ligações de José Maria Carvalho
Ferreira que transportava a revista para o interior do país no seu ano final. Em
Lisboa, distribuíam a revista António Viegas, Artur Pais, Mário Kruger, Carlos
Miranda, Ilídio Ribeiro e João Martins Pereira. A revista penetrava também no
interior através dos contactos dos estudantes e intelectuais radicais que se
deslocaram a Paris nos anos 1968-1970.
Os Cadernos de
Circunstância foram a revista mais influente no plano
político-intelectual publicada na emigração, introduzindo nos seus textos uma
atenção analítica que não era comum, assim como uma aproximação interdisciplinar
e uma fundamentação estatística que traduzia as preocupações intelectuais dos
seus autores.
A motivação inicial da revista em 1967 resultava da insatisfação com
os moldes da oposição ao regime salazarista, quer por parte do PCP quer dos
grupos maoistas que tinham sucedido à FAP. Manuel Villaverde Cabral tinha tido
a dupla experiência de ambos e entendia que era necessária muito mais
«informação objectiva e firmeza ideológica.»
Pacheco Pereira escreve ainda
que após a chegada ao poder de Marcelo Caetano, publicaram um panfleto sobra a
queda de Salazar da cadeira em Setembro de 1968, que Álvaro Cunhal atacou os
Cadernos no seu livro contra o esquerdismo, que a revista influenciou O
Tempo e o Modo e que o grupo autodissolveu-se, sem crise nem zanga, depois
da publicação do número 7, em 1970.
A situação geral portuguesa desde a vinda para o poder de Marcelo
Caetano desenha-se agora diante de nós com complexidade crescente decerto, mas
também com uma maior clareza; as linhas de força tendenciais afirmam-se com
nitidez cada vez maior.
A
fotografia mostra a decisão de Mário Viegas na suaAuto-PhotoBiografia (não autorizada), quando determina que
o seu 25 de Abril foi de curta duração.
No dia 25 de Abril de 1974, quando
o Movimento dos Capitães saiu para as rua, já os matutinos estavam em fecho de
edição. Alguns ainda conseguiram colocar uma pequena notícia, a informação
possível, na 1ª página, mais tarde fariam 2ª e 3ª edições. Os vespertinos tiveram
mais desenvolvimento, mas só no dia seguinte, as notícias, as reportagens, os
comentários conseguem um outro tipo de desenvolvimento.
Em alguns jornais poderia ler-se
a frase histórica: «não terem sido visados por qualquer comissão de censura.
Os acontecimentos ocorridos na
véspera são referidos: a rendição de Marcelo Caetano, a apresentação, madrugada
alta, através da RTP, da Junta Nacional de Salvação, a rendição da PIDE/DGS, a
libertação, em Caxias, dos presos políticos, a partida de Marcelo Caetano e
Américo Tomás para a Ilha da Madeira.
Aos poucos, a rotina do
quotidiano entra na normalidade.
Caminha-se para os empregos,
para as escolas, para as fábricas, os mesmos passos, os mesmos rostos, mas têm
uma outra vivacidade, um outro fulgor.
O Diário de Lisboa é o
único que puxa para a primeira página a grande notícia do dia: a libertação dos presos políticos.
No miolo da reportagem uma
pergunta óbvia, uma resposta com o seu quê daquilo que mais tarde irá
acontecer:
- O que vão fazer aos pides,
pergunta o repórter ao comandante dos páras.
- Temos que ter compaixão e humanidade para com eles, respondeu-nos o capitão.
Na página 15 do República
uma pequena, mas lamentável, notícia dá conta de que, apesar da intervenção dos
militares, não foi possível salvar muitos arquivos e documentos da Censura que
o povo lançou à rua e foram destruídos.
Aqueles documentos eram parte da
nossa história.
Estava lá nesse momento, assisti
ao crime, mas como se poderia tê-lo evitado?
Quarenta e oito anos de ódio e
repressão sobre um povo, cegam, pesam muito.
Na sua 3ª página “O
Século” noticiava que, presidida pelo engº Amaral Neto, e com a
presença de 38 deputados, reunira o plenário da Assembleia Nacional.
A sessão demorou quinze minutos
e, não mais, como Nacional, voltaria a reunir.
Também em O Século, a
primeira fotografia publicada na imprensa da prisão de três pides, passos
iniciais do que vai ficar a ser conhecido como a «caça ao pide.»
Num Diário de Noticias,
de que não possuímos a data, uma História de Joaquim Santos da Póvoa de Santo
Adrião:
«Exm.º Senhor Director-Geral,
Informo V. Exª que ontem, dia 25 de Abril de 1974, vários funcionários faltaram
ao serviço, invocando ter ocorrido uma revolução no País.
Esclareço que esta revolução não foi autorizada superiormente, não vendo
qualquer justificação para as faltas, tanto mais que o serviço se atrasou
consideravelmente.
Como na legislação vigente não estão previstas faltas pelo ocorrência de
revoluções, submeto o assunto ao alto critério de V. Exª, na certeza de que o
mesmo merecerá a atenção devida.
Lisboa, 26 de Abril de 1974
A Bem da Nação
O Chefe da 3ª Secção
Ambrósio Silva»
- O New York Times e a
Pravda são os primeiros jornais do mundo a anunciar e a felicitar o povo
português pela sua libertação.
- Do Brasil, o então embaixador, Dr. José Hermano Saraiva diz que «em
Portugal se vivem momentos graves e para que todos os portugueses se mantenham
calmos.
- Não se realiza, em Lisboa, a procissão de Nossa Senhora da Saúde.
Com gente, procurando gente, pontes e
vales, tem sido assim esta vida.
E houve aquele dia, 25 de Abril de 1974.
Dizem que por um Abril houve uma
revolução, outros dizem que houve um golpe de estado, outros ainda que houve
uma abrilada, sucederam coisas gritadas nas ruas, outras soavam nas sombras
clandestinas.
Na escola disseram aos miúdos que tinham
que ir para casa, estava a acontecer qualquer coisa em Lisboa.
Que comemoramos hoje? Que resta daquele
dia?
O chefe de redacção telefonou ao repórter,
gritou-lhe: Salta da cama. A Revolução está na rua e é precisos
escrevê-la!
Isso é passado, é tão passado que eu já
não comemoro o 25 de Abril. Sentir-me-ia um irresponsável celebrando qualquer
coisa de que hoje não posso ver nenhum sinal, daquilo que o 25 de Abril trouxe.
Podemos saudar o desespero que nos invadiu
perante algo que falhou?
Estragaram a tua festa pá!, cantaram no
outro lado do Atlântico.
Houve quem dissesse que as revoluções são
sonhadas por idealistas e realizadas por fanáticos, e quem delas se aproveita
são os oportunistas de todas as espécies.
O 25 de Abril é um dia e são dias. É
daquelas datas que se constelam que estão antes de hoje, que hoje ecoam ainda,
e que tremeluzirão no depois de hoje.
Quase sem darmos por isso, milhares de
pessoas invadiram as ruas, ofereceram pão e cravos aos soldados, deram as mãos,
sorriram, dos olhos saltavam sonhos e esperanças.
Alguém perguntou como era possível tanta e
tanta gente quando meses antes, semanas antes, dias antes, eram tão poucos
aqueles que apareciam para escrever palavras de ordem nas paredes da cidade,
colar cartazes, distribuir uns panfletos impressos a stencil…
Será a memória curta? Apaga-se com
facilidade?
O apagamento de memória é chocante.
Deste dia até ao 1º de Maio, é
provável que muitos devem ter dormido, mas não se lembram bem. Uma semana de
loucura já ninguém me tira, posso não ser feliz mas poucos chegaram tão perto
disso a que chamam felicidade.
É preciso ter vivido os anos
terríveis, o tempo do desprezo, um tempo de ratazanas, para que aquele dia
tivesse sido o que foi, um navio de sonho, uma nave de loucos, protagonistas
duma enorme esperança, depois figurantes de um grande desencanto.
Terá sido assim há tanto tempo?
A ditadura acabou por ser derrubada por
militares que antes desprezávamos.
Dezassete horas e 45 minutos bastaram para
abater um regime que oprimiu um povo durante 47 anos, 10 meses, 34 dias e
algumas horas.
Teremos feito tudo para que as novas
gerações fossem mais felizes?
Vale a pena assinalar a data quando
nos esquecemos de ensinar a importância que aquele dia nos trouxe? Olham-se as
pessoas de hoje, os jovens de hoje, formam um grupo largo e variado mas,
olhando bem, estamos todos muito mal no retrato de conjunto…
Algures, numa dobra da história, alguma
coisa falhou. O cantor, de viola às costas, acabou por dizer que houve alguém
que se enganou.
A culpa é de todos, a culpa não é de
ninguém.
Naqueles dias, quase poderíamos dizer que
a paisagem mudara para sempre.
As paisagens até podem mudar, o resto… o
resto… o resto… é uma chatice… um busílis de questão…
O escritor perguntava e respondia: para
que serve a utopia? Serve para que eu não deixe de caminhar.
Um dia voltaremos a encontrar-nos todos no
imponderável azul celeste.
E recomeçamos a busca dum país liberto,
duma vida limpa e dum tempo justo.
Mas será que ainda verei alguém desenhar
os nomes daqueles que, na sombra, nos lixaram a festa?
Montagem concebida com textos de:
Jorge Silva Melo, Virgílio Martinho,
Baptista-Bastos, José Saramago, Rui Cardoso Martins, Chico Buarque, Manuel
António Pina, Manuel Gusmão, Rodrigues da Silva, João Gobern, José Mário
Branco, Eduardo Galeano, Mário Dionísio, Cristina Carvalho, Sophia de Mello
Breyner Andresen.
Legenda: ilustração de António Pimentel para o livro As Portas Que
Abril Abriu de José Carlos Ary dos Santos.
Ei-la a cidade envolta em dor e bruma Ei-la na escuridão serena resistindo Hierática Estranha Sem medida Maior do que a tortura ou o assassínio Ei-la virando-se na cama Ei-la em trajes menores Ei-la furtiva seminua sensual e no entanto pura Noiva e mãe de três filhos Namorada e prostituta Virgem desamparada e mundana infiel Corpo solar desejo amor logro bordel soluço de suicida
Ei-la capaz de tudo Ei-la ela mesma em praças ruas becos boîtes e monumentos
Ei-la ocupada inerte desventrada com música de tiros e chicote
Ei-la Santa-Maria-Ateia maculada ignóbil e miraculosamente erecta branca quase feliz quase feliz
Ei-la resplendente de amor teoria e prática nocturna mistério acontecido doce habitável ah sobretudo habitável vestido acolhedor café à noite a voz distante e amada ao telefone
Ei-la a que fica e sobrevive e reflecte neons nos lagos do jardim mesmo quando partimos e as lágrimas inúteis roçam de espanto a solidão crescendo
Ei-la a cidade prometida esperamos por ela tanto tempo que tememos olhar o seu perfil exacto flor da raiz que somos meu amor
Tomemos
então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa. Com a mesma veemência e
a mesma força com que reivindicarmos os nossos direitos, reivindiquemos também
o dever dos nossos deveres.
Será um desfilar de histórias, de
opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e
figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia,
mês, ano em que aconteceram.
24
de Abril de 1974
Quando o país bocejante se deitou, só alguns dos seus habitantes, muito poucos,
sabiam que esta não seria uma noite igual a tantas outras, seria mesmo uma
noite invulgar.
Quando os espectadores que assistiram à “Traviata”, começaram a sair do
Coliseu, já João Paulo Dinis, na emissão do Rádio Peninsular dos Emissores
Associados, tinha enviado o primeiro sinal para os militares: “Faltam cinco minutos para as 23,00 horas.
Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 – E Depois do Adeus”.
O “Diário de Notícias” há-de escrever que um Coliseu,
repleto de público, assistiu a uma récita da “Traviata” com Alfred Kraus e que
consagrou Joan Sutherland e que a récita terminou em delírio colectivo, com
ovações intermináveis e inúmeros cravos atirados das frisas.
O MESMO DIÁRIO DE NOTÍCIAS, publica na 1ª página um editorial com o título:
“Balas de Papel”. Terminava assim: “Só nós, Portugueses, somos senhores do
nosso destino. E estamos tão estoicamente empenhados na defesa dos lusos
territórios ultramarinos, como preparados para enfrentar as batalhas de
opinião, desencadeadas – sabe-se lá – por que interesses feridos ou
conveniências não acauteladas…
Parece-nos, entretanto, oportuno prevenir os franco-atiradores dispersos pelos
países amigos, de que não receamos as balas de papel – como não tememos as
outras. Elas não conseguirão desalojar-nos das atitudes assumidas e das
posições tomadas.”
LOGO PELA MANHÃ, Otelo Saraiva de Carvalho desloca-se à estação dos CTT da
Estefânia, fronteira à Academia Militar, de onde envia para os Açores o
telegrama codificado que combinara com Melo Antunes, com a data e a hora do
golpe:
“Tia Aurora parte Estados Unidos 250300. Primo
António.”
EM CONVERSA TELEFÓNICA com um dos seus ministros, que lhe dá conta dá conta de
movimentações militares, Marcelo Caetano terá dito:
“Isso é mais um boato desgastante”
Marcelo Caetano no seu “Depoimento”, publicado no exílio no Brasil, escreve que
“a
Revolução veio efectivamente de surpresa.”
O chefe de Estado, almirante Américo Tomás
deslocou-se à Feira Internacional de Lisboa para uma visita ao Salão de
Antiguidades. Será este o último acto oficial como mestre-corta-fitas da
ditadura.
FORAM ESTAS AS últimas determinações, dos
serviços de censura do reino, para os jornais que se publicavam no Porto.
PARA O DIA 25, os serviços de meteorologia previam: “Céu pouco nublado, por
vezes muito nublado; vento fraco de norte; possibilidade de trovoada e
aguaceiros”
NOS PRIMEIROS VINTE MINUTOS DO NOVO DIA, no programa “Limite”, transmitido
pelos emissores da Rádio Renascença, o locutor Leite de Vasconcelos dirá a
primeira quadra de “Grândola, Vila Morena” e começam a ouvir-se aqueles passos
cadenciados na estrada que anunciam que “o povo é quem mais ordena, dentro de
ti ó cidade.”
O navio de sonhos largara do cais de silêncio rumo à estrela polar.
Chegara o Dia das Surpresas.
Como nos anos 60, ouvindo Beethoven,
poetisara José Saramago.
Vasco Gonçalves, a defesa lúcida dos trabalhadores, o democrata que não
pactuava com manobras palacianas, que não aceitava pressões externas
humilhantes, que sabia bem como a divisão dos militares progressistas
enfraquecia perigosamente a Revolução, é objecto de uma das mais demagógicas campanhas
de difamação de que há memória neste País (período fascista incluído), campanha
que, por vezes, atingiu a vileza, pela mentira, pelo despudor, pela ausência de
ética, pela irresponsabilidade.
O Luís Miguel Mira apresenta hoje, pelas 15,00
horas na Nova Atena, Universidade Senior,
na Rua Almeida Garrett, 20, em Linda-a-Velha, «O Inimigo Público» de
Woody Allen:
O INIMIGO PÚBLICO
(1969)
(Take the
Money and Run)
Realização:
Woody Allen
Argumento:
Woody Allen e Mickey Rose
Montagem:
Ralph Rosenblum, James T. Heckert, Paul Jordan e Ron Kalish
Fotografia:
Lester Shorr
Música:
Marvin Hamlisch e Felix Giglio
Direção
Artística: Fred Harpman
Interpretação:
Woody Allen (Virgil Starkwell), Janet Margolin (Louise), Ethel Sokolow (a mãe
de Virgil), Henry Leff (o pai de Virgil), Don Frazier (o psiquiatra), Jacquelyn
Hyde (mademoisele Blair), James Anderson (o guarda prisional), Marcel Hillaire
(Fritz), Lonny Chapman (Jake), Louisse Lasser (Kay Lewis), Jackson Beck
(a voz do narrador), etc
Produção:
Sidney Glazier, Charles H. Joffe e Jack Grossberg, para a Palomar Pictures
International
Duração: 85
mn
No que
respeita ao “Riso”, já por aqui passaram pela mão do Prof. Jorge Barata Preto,
no âmbito deste recente ciclo “O Riso e as Lágrimas”, alguns dos principais
vultos da Comédia Americana: Charles Chaplin, Buster Keaton, os Irmãos Marx,
Jerry Lewis, Mel Brooks.
Dos grandes
“Clássicos”, julgo que só faltaram Harold Lloyd, Harry Langdon, Stan Laurel e
Oliver Hardy (o Bucha e o Estica…), W. C. Fields e talvez Woody Allen, embora
não esteja certo de que ele não tenha por aqui passado noutro ciclo…
Para além
destes, houve uma série de comediantes americanos de grande sucesso no seu
tempo, mas para os quais a memória dos cinéfilos não foi tão generosa como em
relação aos outros que mencionei: falo-vos de nomes como Eddie Cantor, Bob
Hope, Bud Abbot e Lou Costello (o Gordo e o Magro), Danny Kaye e, muito mais
recentemente, Jim Carrey, “o novo Jerry Lewis”.
Embora tenha
com ele uma relação de Amor/Ódio, escolhi para concluir a minha intervenção
neste ciclo um filme de Woody Allen, porque ele merece estar ao lado dos
maiores.
Mas porquê esse
Amor/Ódio, perguntar-me-ão vocês, talvez intrigados, tal a unanimidade que o
autor de “Annie Hall” habitualmente suscita…?
Amor, porque
gosto muito de muitos dos filmes de Woody Allen.
Ódio (a
palavra é excessiva, confesso…), porque a ascensão de Allen correspondeu ao
declínio de Jerry Lewis, que era o meu ídolo de infância, de adolescência e até
de juventude, através dos filmes dele que frequentemente via na televisão e das
saudosas retrospetivas mais tarde organizadas nos anos 70 por Lauro António, no
Apolo 70 e no Caleidoscópio.
É que, na
verdade, entre 1969 (data do primeiro filme de Allen) e 1983 (data do último
filme de Lewis), o autor de “O Homem das Mulheres” apenas teve oportunidade de
realizar cinco filmes (um dos quais, “Le Jour oú le Clown Pleura”, realizado em
França e na Suécia em 1972, ainda hoje se mantém inédito…), enquanto o autor de
“Manhattan” realizou dez. E, a partir de então e até hoje, Allen realizaria
pelo menos um todos os anos, só falhando em 2018, 2021 e 2022.
E é claro que
culpei Woody Allen pela caída em desgraça de Jerry Lewis…
Antes de
entrar em força no Cinema já Allen era um nome sobejamente conhecido no meio
cultural americano, e sobretudo na cena nova-iorquina.
Começou a
trabalhar nos anos 50, ainda adolescente, escrevendo diálogos para a televisão.
O sucesso que
teve levou-o a ser chamado a colaborar com comediantes de cada vez maior
nomeada, para os quais escrevia sketches para shows, peças de
teatro e revistas da Boadway que viriam a obter grande sucesso.
Farto de
ficar na sombra e de ver os outros beneficiarem, em fama e proveito, do seu
próprio trabalho, Allen, embora já na altura muito bem pago para a sua idade,
decidiu ultrapassar a sua timidez natural e subir sozinho ao palco em 1961,
vindo a tornar-se um dos principais vultos da chamada stand-up comedy
americana, com digressões por teatros e night clubs de todo o país e
presença assídua na televisão. E o seu sucesso não se iria limitar aos
“monólogos” que fazia em palco, porque também já começara a escrever para
diversas publicações de prestígio, como era o caso da “New Yorker”, e as
gravações em disco de alguns dos seus espetáculos também obtiveram êxito,
levando-o, até, a ganhar um Grammy por uma delas em 1964.
Allen viria a
estrear-se no cinema em 1963, escrevendo o argumento e desempenhando um papel
secundário em “O Que Há de Novo Gatinha” (“What’s New Pussycat”), de Clive
Donner, que alguns de vós provavelmente se recordarão de ter visto no antigo
cinema São Jorge, já que por cá obteve um grande sucesso, com a inesquecível
música do Tom Jones.
Seguir-se-ia,
em 1967, “Casino Royale”, muito maltratado por diversos realizadores, entre
eles John Huston, do qual foi coargumentista, para além de ter, igualmente, um
pequeno papel como ator.
Cansado da
maneira, que considerava desajustada, como os seus argumentos eram postos em
cena (em 1969 estreara-se, também, “Don’t Drink the Water”, realizado por
Howard Morris e baseado numa peça sua), Allen começou a acalentar a ideia de
ser ele próprio a realizar os filmes que escrevia.
Mas ainda
antes disso, lançou-se numa obra bizarra: pegar num anónimo filme japonês,
misto de policial e de “kung-fu”, retirar-lhe a banda sonora original e
substituí-la por uma inteiramente concebida por si, tanto na escolha da música
como na escrita dos diálogos. O resultado deu pelo nome de “What’s Up Tiger
Lily” e foi lançado nos Estados Unidos em 1966. O DVD que tenho na minha
coleção chama-se “O Que se Passa, Tigresa?”, mas não tenho qualquer memória da
estreia deste filme em Portugal.
É só por isso
que “O Inimigo Público”, o nosso filme de hoje, surge em segundo lugar na
filmografia de Woody Allen enquanto realizador, apesar de ter sido, na verdade,
o primeiro filme escrito, realizado e interpretado por si. E esse sim,
lembro-me muito bem onde se estreou em Lisboa: no saudoso Cinema Berna, que
ficava nas Avenidas Novas, mesmo ao lado da Igreja de Nossa Senhora de Fátima.
Oito anos e
quatro comédias mais ou menos burlescas depois (para além de participação, como
ator principal, em dois outros filmes não por si realizados), Allen obteria, em
1977, o maior dos seus êxitos na América, com os quatro Óscares recebidos por
“Annie Hall”.
A partir
daqui o cinema de Woody Allen não mais seria o mesmo, mas a sua carreira não é
o principal objeto deste texto.
Fiquemo-nos,
pois, por “O Inimigo Público”, realizado em 1969.
Em tom sério
de documentário, com a voz “off” de um narrador, excertos de entrevistas ao
próprio Virgil e a outras pessoas que lhe são próximas ou que com ele se
relacionaram pontualmente (o pai e a mãe, devidamente disfarçados para não
passarem a vergonham de se verem associados ao filho, a mulher, o psiquiatra
que o acompanhou, o juiz que o condenou, colegas de prisão, vizinhos e amigos
de infância, etc), o filme conta-nos a história de Virgil Starkwell,
considerado um dos mais perigosos criminosos daquela época, desde os primeiros
tempos de delinquência juvenil no bairro desfavorecido de Baltimore onde
nascera, até à sua derradeira e mais penosa condenação.
Pelo meio são
evocadas outras peripécias da sua vida: os primeiros assaltos, as primeiras
vivências na prisão, as primeiras tentativas de fuga, a libertação que
conseguiu por se ter oferecido como cobaia para experiências com uma nova
vacina nunca antes testada num Ser Humano, a forma como conheceu a sua mulher,
ternamente contada pelo próprio Virgil, que nos confessa tê-la visto deitada na
relva de um jardim e lhe pretender roubar a mala, mas que lhe bastaram 15
minutos de conversa com ela para se aperceber que era essa a mulher dos seus
sonhos com quem se desejaria casar, e que 30 minutos depois já tinha desistido,
em definitivo, da ideia de lhe roubar a carteira...
Casado e com
novas responsabilidades familiares no horizonte, Virgil, como todo o bom
criminoso que se preza, sonha em dar o último e definitivo golpe que lhe
assegurará, para sempre, a subsistência da família, mas a coisa corre-lhe mal.
É condenado a trabalhos forçados numa prisão de alta segurança, mas,
persistente como é, dela também se consegue libertar, na companhia de outros
reclusos.
De novo ao
lado da mulher e do filho, Virgil tenta seguir caminhos mais honestos, mas não
se consegue adaptar a essa vida. Uma nova tentativa de assalto volta a
correr-lhe mal e vamos encontrá-lo, no final, condenado a 800 anos de prisão
por 52 assaltos, embora, otimista como sempre, ele esteja esperançado de que,
se tiver um comportamento exemplar, essa pena lhe possa ser reduzida a metade.
Mas nem por isso deixa de se preocupar em construir, artificialmente, uma
pistola…
Quanto à
profissão que escolheu, diz que não se arrepende de nada… “Somos onosso
próprio patrão, tem -se liberdade de horário, viaja-se imenso, conhece-semuita
gente interessante”… Que mais se pode desejar…? Uma única tristeza lhe
ficou, certamente: apesar de tão badalado e de ter sido nomeado “Gangster do
Ano”, nunca ter integrado o “Top 10” dos maiores criminosos…
Nas suas
“Memórias”, publicadas em 2020, Woody Allen não se alonga demasiado acerca
deste filme e só parece dar importância a duas coisas: o gozo que lhe deu ter
conseguido filmar no interior da célebre prisão de San Quentin e a preciosa
ajuda que recebeu de Ralph Rosenblum, chamado à última hora para o apoiar na
montagem do filme.
Em relação à
primeira escreve mesmo o seguinte: “o primeiro dia de filmagensseria
na Penitenciária de San Quentin. Todo o meu entusiasmo se prendia com o facto
de ir a uma prisão e ali estarem reclusos e eu veria uma gigantesca casa
icónica, sobre a qual apenas tinha lido ou visto versões em velhos filmes a
preto e branco. Queria lá saber que me estava a estrear como realizador. Era
pela prisão que eu estava fascinado” (1)
Quanto à
segunda, tenho de me deter mais algum vagar, porque é essencial para a
compreensão do próprio filme.
Na sua total
ignorância do que era a realização de um filme, Allen não se preocupou
demasiado com a montagem final nem com a forma como a escolha da música poderia
condicionar, em muito, o próprio ritmo do seu filme.
Preocupou-se,
unicamente e com o apoio dos técnicos que tinha ao seus dispor, em rodar corretamente
cenas cómicas umas atrás das outras, e nisto até se revelou um bom aluno porque
não só acabou as filmagens antes da data prevista, como também conseguiu ficar
aquém do orçamento previsto.
O grande
problema foi que, após realizada a preview screening (2), toda a
produção deitou as mãos à cabeça. O filme era um autêntico desastre. A pouca
música escolhida era desadequada, a montagem não fazia muito sentido, era
evidente a falta de ritmo de toda a obra e estava à vista de todos, incluindo a
de Allen, um verdadeiro descalabro.
Fez-se então
apelo a Ralph Rosenblum, um montador experiente que fez tábua rasa dessa
primeira versão de montagem, visionou todas as bobinas que haviam sido filmadas
e chegou à versão final que hoje conhecemos, à qual juntou música
diversificada, incluindo algumas peças de jazz de New Orleans para fazer
acelerar o ritmo de algumas cenas. Foi considerado o verdadeiro salvador do
filme, que viria a ter algum êxito nos Estados Unidos.
Apesar de
tudo isto, “O Inimigo Público” não deixa de ser um filme algo desequilibrado,
como desenvolverei no final.
Quando
estamos perante a primeira obra de um realizador, sobretudo quando se trata,
como no caso de Woody Allen, de um “Autor” consagrado e detentor de uma vasta
Obra, existe sempre a tendência de nele procurarmos encontrar os primeiros
sinais do “Universo do Autor”, ou seja, o seu estilo, os seus temas prediletos,
as suas obsessões, a sua visão do Mundo, os seus “tiques”…
Ora no caso
de “O Inimigo Público” não será difícil descortinar um esboço daquilo que viria
a ser o trabalho futuro do seu realizador.
Vejamos,
seguidamente, alguns exemplos.
Allen sempre incorporou em muitos dos seus
filmes aspetos autobiográficos. Na primeira versão do guião deste filme,
Virgil chamava-se … Woody Allen!; depois, a forma como retrata os pais de
Virgil é muito semelhante àquela como, ao longo da sua vida artística, nos
foi falando dos seus próprios pais, com uma ligeira diferença: ao
contrário do que sucede no filme, era o seu pai, e não a sua mãe, o mais
tolerante em relação a ele (acerca da sua mãe, Allen chegou a escrever o
seguinte: “ateoria edipiana de Freud de que todos os homens
querem, inconscientemente, matar os pais para casarem com as mães
choca com umaparede de tijolo no que diz respeito à minha mãe…”
(3)); por outro lado, o bairro desfavorecido de Baltimore onde Virgil
passa a sua infância também parece ter alguns traços de semelhança com o
de Midwood, em Brooklyn, onde o próprio Allen deu os primeiros passos e
que tão bem nos mostrou em “Os Dias da Rádio”; tal como Allen, Virgil
também parece gostar de música, mas não ter lá muito jeito para o seu
instrumento favorito; e que me dirão vocês se vos disser que Allen
escolheu para data de nascimento de Virgil (1 de Dezembro de 1935) … o dia
seguinte ao do seu próprio nascimento…; mas a mais deliciosa das private
jokes de Allen parece-me ser a de ter dado à sua mulher Louisse
Lasser, com quem então já estava em acelerado processo de divórcio, aquela
hilariante tirada final, qualquer coisa como isto (cito de memória): “Acho
que ele era um génio. Quando descobri que ele era um criminoso, não
pude acreditar, porque nunca vi ninguém que dissimulasse algo tão bem.
Excelente trabalho de ator. E eu que pensava que ele era um idiota…!”;
2.Tal como
Vigil Starkwell, muitos dos personagens principais dos filmes de Allen são
homens (quase sempre, mas também há mulheres…) torturados e inseguros, com
alguma timidez e complexo de inferioridade resultante, por vezes, de uma
infância castradora, todos estes problemas confluindo numa enorme insegurança
no relacionamento com as mulheres. E, em relação, a Allen, isto também terá
qualquer coisa de autobiográfico…;
3.Pelos
motivos que referi no ponto anterior, muitos dos personagens dos seus filmes
recorrem, ou já recorreram no passado à psicanálise, e isso é sempre mencionado
em tom jocoso. Ora referências à psicanálise são coisas que abundam no filme de
hoje, em especial na hilariante cena em que o seu psicanalista é satirizado,
explicando-nos o papel do violoncelo na mente tortuosa de Virgil… E é também
evidente que, subjacente a todo o filme, está a teoria determinista, então
muito em voga naqueles tempos na Psicologia e na Sociologia, de que é a
família, a educação e o meio envolvente quem mais determina a formação de uma
personalidade. E foi o próprio Allen quem, na altura, afirmou que Virgil
poderia muito bem ter sido ele próprio, se em momentos-chave da sua
adolescência tivesse enveredado por outros caminhos, como alguns dos seus
companheiros do passado o fizeram;
4.Um certo
fatalismo, quase que ilustrando a Lei de Murphy (se algo pode correr mal, é
certo que irá correr (mesmo) mal…) parece acompanhar a vida e a “carreira” do
pobre Virgil, como também a de muitos dos personagens do cinema de Allen;
5.É sabido
que Woody Allen estudou cinema na sua juventude e frequentou avidamente as
salas de cinema, primeiro levado pela mão de uma sua prima 5 anos mais velha e,
mais tarde, por conta própria. Esta cinefilia é algo que se torna evidente em
muitos dos seus filmes. Os seus personagens são, muitas vezes, pessoas ligadas
ao cinema e/ou à televisão, o seu cinema homenageia e cita frequentemente
realizadores como Bergman, Fellini e Antonioni, muitas são as cenas dos seus
filmes que decorrem no interior ou à porta de cinemas ditos “de Arte e Ensaio”,
em cujos letreiros luminosos se anunciam clássicos do cinema americano e
europeu, etc. No filme de hoje, que Allen pretendia realizar a preto e branco e
a Produtora recusou, para além da memória dos velhos documentários que no
passado abriam as sessões de cinema e aos quais me refiro no ponto seguinte, a
inspiração veio-lhe dos velhos filmes de “gangsters” com fundo social, bem como
dos “filmes de prisão” dos anos 30 e 40, em particular “Anjos de Cara Suja” e
“I’m a Fugitive From a Chain Gang”, do qual chega a copiar uma cena inteira. E
as “delicodoces” cenas nos parques e à beira-mar, que aqui surgem claramente
como sátira, eram coisas que abundavam no cinema americano dos anos 60…; como
homenagem à cena final de “Bonnie and Clyde”, Allen chegou a filmar um final
diferente para este filme, no qual Virgil era apanhado numa emboscada e
fuzilado, como no filme de Arthur Penn, cena esta que foi abandonada na
remontagem de que atrás vos falei; mas, para os cinéfilos mais inveterados, a
cereja no topo do bolo das “homenagens” é Allen ter filmado uma cena no
interior do célebre Restaurante Ernie’s, em São Francisco, onde Hitchcock
também havia rodado duas cenas capitais em “Vertigo / A Mulher que Viveu Duas
Vezes”, hoje um verdadeiro “filme de culto”
6.Indiscutivelmente,
um dos motivos de atração deste filme é o tom de documentário no qual ele é
estruturado, e uma boa parte do seu humor reside no profundo contraste entre a
seriedade da locução e a comicidade das imagens que, em contraponto, nos são
mostradas. Allen tinha na memória, como vos disse atrás, os velhos
documentários do passado e levou esta homenagem a um tal ponto de
perfeccionismo que quem foi convidar para locutor foi Jackson Beck, a própria
voz dos documentários da Paramount dos anos 40. E essa mesma estrutura em
documentário, aqui e além acompanhada por imagens da época, acabou por ser um
esboço para “Zelig”, um dos grandes filmes de Allen realizado 14 anos depois, e
esse sim, inteiramente baseado em documentários de época;
Mais exemplos
haveria para salientar, mas creio que já vos macei demasiado…
E se comecei
falando-vos de Jerry Lewis, com ele irei terminar. É que este filme era para
ter sido realizado por Lewis, e não por Woody Allen. Suspeitando (e, pelos vistos,
com alguma razão…) da capacidade e da experiência deste como realizador, a
Produtora começou por dar o seu acordo ao filme, mas na condição de este ser
realizado por Lewis, e Allen concordou, embora com alguma relutância.
Seguiram-se
contactos entre Allen e Lewis, mas este acabou por declinar a oferta por não se
sentir muito convencido do projeto, em especial devido à estrutura do guião
demasiado baseada em sucessivos sketches, que Allen se recusava a
alterar significativamente. Esta recusa de Lewis deve ter sido recebida com
grande alívio por parte Allen, em cujo ego não cairia, certamente, muito bem o
facto de, num projeto tão pessoal, se ver dirigido pelo seu maior rival, com
quem poderia, fatalmente, entrar em conflito, como sucedeu com Peter Sellers no
“Casino Royale”.
Curiosamente,
nem Lewis nem Allen se referem a este facto nas respetivas autobiografias, mas
quem o relata com algum detalhe é John Baxter, na sua obra de referência sobre
o autor de “Manhattan” (4).
Disse-vos
atrás que, em minha opinião, este é um filme algo desequilibrado, com evidentes
problemas de ritmo na sua parte final, em contraste com a forma frenética como
o filme se inicia. Por exemplo, a cena dos prisioneiros acorrentados uns aos
outros, se no início tem a sua graça, a partir de determinada altura torna-se
algo penosa, tantas foram as vezes que foi repetida. E o mesmo se diga das
sucessivas cenas do bilhete com os supostos erros ortográficos no assalto ao
banco, que de tanto serem repetidas acabam por perder alguma eficácia.
Nada disso
altera, porém, o interesse que tem o visionamento deste filme histórico, o qual
contém, certamente, muitas cenas que poderíamos selecionar para uma antologia
do humor de Woody Allen: as impagáveis cenas em que intervêm os pais de Virgil,
disfarçados de Groucho Marx; as diversas cenas de assaltos e de fugas
fracassadas, com os gags das pistolas; a cena ao espelho com a toalha é
cintura; a teoria do psiquiatra em relação ao violoncelo; as hilariantes
tiradas de humor judaico…
Woody Allen
é, indiscutivelmente, um dos grandes realizadores do nosso tempo. Ao contrário
de outros grandes realizadores clássicos, de quem não chegámos a ser
contemporâneos, enquanto cinéfilos, com Allen tivemos a oportunidade de
acompanhar a construção de todo o edifício da sua Obra, tijolo após tijolo, e
julgo ser imperdível ver este momento inicial em que, timidamente, começou a
dar os primeiros passos.
Espero que
estejam de acordo comigo e se divirtam.
Sendo esta a
minha última intervenção, mais uma vez os meus agradecimentos a quem me
convidou e a quem teve a paciência de me ler e de me ouvir.
2. Desde
os primórdios da Indústria Cinematográfica era habitual os Estúdios e/ou os
produtores dos filmes realizarem, antes da sua estreia oficial, sessões prévias
de apresentação para uma audiência selecionada, a fim de testarem a reação do
público. Em função desta e dos inquéritos individuais lançados à assistência,
os filmes podiam ser modificados, por forma a colmatar as principais
insuficiências detetadas. No caso deste primeiro filme de Allen, foram
escolhidos como publico um grupo de soldados americanos em licença no país,
tendo o filme sido projetado com uma muito reduzida e suave banda sonora. A
reação da plateia foi péssima…