segunda-feira, 8 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


                    Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                          João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


O Alexandre O’ Neill, no seu livro «No Reino da Dinamarca», tem um poema chamado «Uma Lisboa Remanchada».

Um dos sítios dessa Lisboa remanchada pelo poeta é a «Avenida da Liberdade»



Devido ao tempo de pandemia que nos assaltou, no ano de 2020, não houve o habitual desfile do dia 25 de Abril.

Mas um homem, Carlos Ferreira de seu nome, de bandeira ao ombro, desfilou sozinho pela Avenida.

Um longo grito de silêncio nos tempos difíceis por que passávamos.

Carlos Ferreira, vítima de um AVC, morreria em Junho de 2021. Tinha 73 anos.

Por bandeiras, mais uma história.

O meu  avô paterno foi uma das referências da minha vida de criança e adolescente.

Sempre que necessário, apresentava-se assim:

«Mário Santos, republicano histórico, benfiquista e anticlerical.»

Todos os anos, pelo 5 de Outubro, subia ao Cemitério do Alto São João, depois à Praça António José de Almeida para uns «Viva à República».

Morreu em 1968, com 93 anos.

Foi um dos muitos que morreu sem saber qual a cor da liberdade.

Estava na Praça António José de Almeida, quando, no 5 de Outubro de 1958, a PIDE prendeu o General Humberto Delgado.

O meu pai dizia-lhe que ele devia deixar-se dessas romagens que não conduziam a nada.

«Dizes tu! Eu e o homem da bandeira nunca falhamos!»

Referia-se a um republicano que, no 5 de Outubro, aparecia com uma grande bandeira portuguesa. Esse chegou a ver a cor da liberdade e, depois de Abril, foi militante do Partido Socialista.

O meu pai morreu em Junho de 1990.

Num 25 de Abril, 1988 (?), o meu pai whiscava, eu gintonicava, Cecília Bartoli, em fundo, cantava Vivaldi, discorríamos sobre os tempos idos, dos que estavam para chegar e ele batia na tecla de que o 25 de Abril acabaria nas mesmas evocações-quase-solitárias do meu avô e dos companheiros republicanos históricos.

Sucedeu nascer um desesperante silêncio, agitei o gelo no copo, olhei a rodela de limão, murmurei para dentro de mim que o meu pai era capaz de ter razão, mas deixei o silêncio escorrer…

Que nada perturbe esse silêncio… ainda estou a ouvi-lo… e numa, difusa, vagamente avermelhada, imagem, admito ver o meu avô e o homem da bandeira…

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