segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...


Aos poucos os tascos vão-se extinguindo e tascos com matraquilhos, pior ainda.
Esta mesa de matraquilhos, encontrei-a num tasco perto do Magoito.
Benfica-Sporting como manda a tradição.

IDÍLIO EM BICICLETA


O Barnabe foi-se embora por entre efusivos acenos e promessas mútuas de que “nos vemos manhana”. Fui buscar uma cadeira para junto da tenda e ali fiquei horas. A sentir o sol esmorecer; a ver a sombra da sierra la giganta estender-se pelo vale de cactos; acompanhando o mergulho do sol por trás de la giganta; tacteando a penumbra da noite a cobrir todo o vale; a ver chegar a primeira estrela cintilante; a sentir o frescura do mar, não muito distante, chegar de manso; a extasiar-me com a enormidade de estrelas que iam chegando, cada vez mais brilhantes e numerosas. E quando despertei para o meu ínfimo microcosmos, percebi que não tinha vontade de jantar, que me sentia alimentado e apenas comi uma sandes por pressão da consciência.

Texto e Imagem de Idílio Freire

domingo, 30 de janeiro de 2011

POSTAIS SEM SELO


Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: “Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames.” Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.

Começo de O Estrangeiro de Albert Camus

UMA ESPÉCIE DE PERDA


Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-
mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.

Ingeborg Bachmann em O Tempo Aprazado, Assírio &Alvim enconrado aqui. 

Legenda: pintura de Edward Hopper.

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Piolhos eram os cinemas de bairro.

Na parte da cidade onde nasci, atravessei a infância e boa parte da adolescência, encontrei-me rodeado de cinemas: "Cine.Oriente", "Max", "Royal", "Imperial", "Lys," "Rex", todos cinemas de reprise, e o Império o único com filmes de estreia.

O meu piolho era o “Cine-Oriente”, o “Cinóre” como dizia a malta.

Custava cinco cr’oas o bilhete das matinées dos domingos.

Filmes riscados, filmes cortados, o som a falhar – ó marreco, olha o sonoro! – a plateia mais participativa, mais vibrante, mais genuína, que vi em toda a vida, e ela já vai avançada.

O Cabé na 1ª fila, cadeiras de pau, a dizer para o rapaz, que não pressentia a chegada do bandido: “tu não vê nada!”

Esta fotografia do “Cine-Oriente” já é de tempos mais chegados, quando o Cinóre já estava quase em vias de demolição.

 O “meu” "Cine-Oriente” não tinha este aspecto.

As portas eram de correr e situava-se numa rua escura, porque em frente havia uma vila, e na parte detrás da vila, havia aquilo a que uma enorme dose de boa vontade, poderia chamar um luna park., não mais que um vasto terreno que fazia fronteira com o Regimento de Transmissões de Sapadores, que ainda por lá se encontra.

E os domingos da infância, para além do cinema, no tal luna park, tinham o carrossel do Marreco, quermesses, matraquilhos, barraquinhas de tiros, pirolitos ganhos quando, com uma bola de trapos se mandavam ao chão as latas que se encavalitavam numa tábua, o Artur das farturas e a sua avantajada esposa de volta do algodão doce,  mulheres a venderem tremoços, paladares, colares de pinhões, alfarroba.


No nº 7 da Avenida General Roçadas, no sítio que foi do “Cine-Oriente”, está agora a estação dos Correios, que antes era na Graça, quase em frente à “Mimosa da Graça”, ainda de portas abertas, mas sem a qualidade de antanho.

Aqui começou a maravilha da aventura que é este gosto pelo cinema, o primeiro momento de magia da minha vida, quando os filmes eram “com” e não “de”, a girândola de sonhos, lanternas mágicas que me têm acompanhado pelos dias.

Saudáveis memórias, súbitas melancolias, imagens que vão, vêm, indios e cow-boys”, charlot, bucha e estica, abott e costello, buster keaton, eu de calções, sentado nas cadeiras de pau do cinóre, o Cabé a dizer para o rapaz: “tu não vê nada!”

sábado, 29 de janeiro de 2011

PAÍS DE ABRIL


Foi o poeta que iluminou as nossas trevas, que deu palavras à música e voz de Adriano Correia de Oliveira. Por isso tem um lugar na nossa estória.

Chegou do exílio, em Argel, bateu à porta do PS que lhas escancarou. Com ele vinha outro exilado, Fernando Piteira Santos, a quem um dia perguntaram porque se não tinha filiado no Partido Socialista e aquele que perguntou, ouviu a resposta: “Porque sou socialista”.

A cineasta Teresa Vilaverde disse ter dificuldade em compreender o desejo de alguém querer ser Presidente da República.

 Manuel Alegre deveria ter tido a lucidez, suficiente para não se submeter ao enxovalho de andar à compita com Cavaco. Tão pouco merecia que Mário Soares, o pai da Democracia, como ele gosta de se intitular, lhe lançasse às canelas, como mesquinha vingança, a candidatura de Fernando Nobre.

O país de poetas, que gostamos de dizer que somos, para Presidente da República, entre um poeta e um economista, escolheu o homem dos números. 

Já Brecht dizia que quem tem ideias se torna um homem perigoso e as gentes, velhos hábitos, têm sempre medo das ideias

Alegre deverá estar mais que arrependido por não ter sabido resistir à vaidade de querer ser presidente. Mas é sempre tarde quando se chora. 

Por mim, nesta tarde cinzenta e fria, volto, como tantas vezes o faço, à “Praça da Canção”, mesmo sabendo que o poeta desse livro, já nada tem a ver com o homem que, após a chegada do exílio, em Argel, se tornou num funcionário partidário:

“São tristes as cidades sob a chuva
E as canções que se atiram contra as grades
- a minha pátria vestida de viúva
entre as grades e a chuva das cidades.

É triste o cão que ladra no canil
Quando é março ou abril e lhe prendem as pernas
É triste a primavera no País de Abril
- minha pátria perfil de mágoas e tabernas.

É triste: uns vestem-se de abril outros de trapos.
Tu ó estrangeiro é só por fora que nos olhas
- a minha pátria bordada de farrapos
capa de trapos remendada a verdes folhas.

Abril tão triste no País de Abril. Por fora
é tudo verde. (Abril com máscaras de festa).
Por dentro – minha pátria a rir como quem chora.
(A festa da tristeza é tudo quanto lhe resta).

Abril tão triste no País de Abril. Aqui
A noite aqui a dor meninos velhos
- minha pátria a chorar como quem ri
em surdina em silêncio. E de joelhos.”

A BOLA

         

Em 29 de Janeiro de 1945, Cândido de Oliveira fundou o jornal A Bola.

Já lhe chamaram, Bíblia, também o Avante da Travessa da Queimada.

O jornalismo de sarjeta que por aí se faz, também atacou o jornal. 

Desaparecidos os jornalistas, notáveis cronistas, diga-se, que lhe deram glamour, hoje não passa de um produto amorfo, sem qualquer ponta de brilho, que aposta no sensacionalismo para vender papel.

 A Bola tem a minha idade e poderei dizer que foi no jornal do Cândido, como o meu avô lhe chamava, que soletrei as primeiras letras e, sem exagero, gosto de dizer que aprendi a ler com A Bola.

Quando o jornal fez 43 anos, convidou algumas personalidades para se pronunciarem sobre a efeméride. O cineasta João César Monteiro foi uma dessas personalidades:

 «Se não estou em erro, sou ledor de “A Bola” há mais de trinta anos. Do tempo em que era quase afrontoso ser visto com “ela” debaixo do braço e nem sempre se ousava confessar o pecadilho que era gostar de a ler. Para restituir a boa consciência a esse perverso apetite, criou-se um álibi curioso. “A Bola” passou a ser, antes do mais, um modelo de virtudes prosódicas, uma escola de bem escrever jornalístico. Com alguma razão, diga-se, se fecharmos piedosamente os olhos a certas piroseiras metafóricas que, de onde em onde, ensombram com a má literatura o bom jornalismo.
Para ser franco e sem cair no pretensiosismo de ter mais em que pensar, nunca pensei muito n’”A Bola”. Passo os olhos por ela, deixo-a deliberadamente na mesa do café, encontro-lhe utilidades culinárias para embrulhar tachos com arroz ou para absorver o óleo dos carapaus fritos. Numa ou noutra aflição, já me tem valido, com todos os inconvenientes de estampagem de aí decorrente. Nada de grave: conheço letrados bem piores.»


A Bola
 que hoje corre por aí, com o mesmo nome, não tem nada a ver com o jornal do Cândido.


Foi, até certa altura, um jornal bem feito, interessante mas não ao ponto de, com uma grande dose de exagero e injustiça, Carlos Pinhão ter afirmado, em pleno salazarismo/marcelismo, que «o jornalismo desportivo era o melhor jornalismo português». Carlos Pinhão esquecia-se (?) que A Bola não ia à “Comissão de Censura”. Os outros, seus camaradas de profissão tinham de escrever nas entrelinhas para tentarem fazer um jornalismo minimamente honesto.

À velha A Bola devo o facto de Ruy Belo ser um poeta do meu panteão.

O meu conhecimento com Ruy Belo não começou nem pelos livros, nem pelos poemas, mas por uns artigos sobre futebol que, nos idos de 1972, publicou em A Bola. 

Gostei tanto desses artigos que me interessei logo na procura de coisas acerca de Ruy Belo. 

Acabei a comprar-lhe os livros. O primeiro foi Homem de Palavra(s), uma capa azul, um belo livro. 

Lembrar Herberto Helder: «mais do que dizer que gostei dos livros de Ruy Belo, gostaria de escrever que os acho fundamentais».

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

POSTAIS SEM SELO

Odeio a realidade. Mas é o único sítio que conheço onde se pode comer um bom bife.

Woody Allen

IDÍLIO EM BICICLETA


O exemplo do café é algo que trago atravessado na cabeça e na alma…como é possível que o preço do café, todo ele produzido em países paupérrimos, por agricultores que vivem em condições desumanas há séculos, esteja a ser transaccionado por um “preço de mercado”. Que mercado é esse, que define que eu possa tomar um café em Lisboa por 0,50€, e o produtor desse café morra literalmente de fome na Guatemala, em El Salvador, na Colômbia, Brasil, Timor, Quénia, etc.. O “preço de mercado” tem de garantir que o produtor e consumidor vivem condignamente…a voz do produtor não se houve acima do cafeeiro; o seu olhar nunca foi além da montanha onde nasceu e onde morre todos os dias; os seus pés descalços, apenas conhecem o carreiro para subir e descer cerros a pique, vergados sob a fome, a miséria e a pobreza absoluta, trazendo às costas os preciosos grãos de café, que nos chegam à mesa em chávenas fumegantes a “preço de mercado”. E mesmo o camião que passa e leva o café, a troco de uma mão vazia de quetzais, é escuro, sujo, decadente, ruidoso, ameaçando desmembrar-se em qualquer curva da estrada…O mercado, esse está literalmente a séculos de distância, não tem rosto, não tem família, não come nem bebe, não tem sentimentos, nem emoções. Ninguém o vê, ninguém o conhece, mas sabe-se que está sempre presente e que, como um Deus, tudo explica, tudo sabe e tudo resolve – sabiamente, já se vê…

Texto e Imagem de Idílio Freire

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O MEU AMIGO ZÉ GOMES

O 5º volume dos Dias Comuns do José Gomes Ferreira foi impresso em Novembro de 2010, mas só ontem o encontrei na Barata.

Que terá acontecido para tanta demora?

Fosse um livro escrito por um “pivot” de televisão, ou por um qualquer gajo da bola, e  saltaria, no mesmo dia, da tipografia para as livrarias.

José Gomes Ferreira continua o desfiar dos seus dias comuns. 
Este volume abarca os dias que vão  de 1 de Junho a 28 de Setembro de 1968.

 O último volume destes diários do Zé Gomes foi publicado em 2004, e cheguei a admitir, que aquela rapaziada da “Leya” não mais continuassem a sua publicação. 

Como dizia a minha avó: mais vale tarde que nunca!, mas eu gostaria muito que o próximo volume não demorasse tanto tempo a ser publicado.

Do folhear ao caso, retiro este pedacinho, escrito no dia em que se soube que Salazar caíra da cadeira:

E vou encerrar o meu dia agitado com esta frase que sublinhei durante a leitura de “Entre Mulheres Solitárias” de Pavese:

Murizio diz sempre que se obtêm as coisas, mas quando já não são precisas para nada.

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Anúncio publicado no "Diário de Lisboa" de 13 de Fevereiro de 1973.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

OLHAR AS CAPAS


É Assim Que Se Faz A História

Eduardo Guerra Carneiro
Capa: Dorindo de Carvalho
Colecção Cadernos Peninsulares
Assírio &Alvim, Lisboa, Abril 1963

J.C.M.C.

(Fragmentos comentados de uma
carta. Também: dedicatória)

O princípio de tudo num P.S.: Há tantos silêncios nesta carta. Tantas
coisas que não se podem deixar escritas.

Depois: os segredos compartilhados (Pierrot mon ami, mon semblable, mon frère), o teu regresso. De súbito, a nova explosão, as praias quietas e mornas, um livro (Jules e Jim) ou um filme. Tu dizias que não esperavas a minha carta cheia de som fúria. Falavas de um tempo de escuridão total. Eu diria: as trevas.
Ainda existiam as pradarias da Camarga, as viagens ao Tibete, jovens com casacos arménios, profetas, a maison, antigo bordel durante a ocupação alemã, onde até o Oliveira dormia deitado por terra (sobre as carpetes, enfim...). Quase agarravas as nossas austrálias, e o tempo perdido, quando te juntavas a tipos com free man
escrito nas costas e ouvias o locutor da Europe 1 perguntar: Porque vêm aqui? Respondias com eles: yes! yes! Falavas, claro, de Obaldia, Boris Vian e, sempre, de Godard.
Et maintenant le cinéma c'est Jean-Luc Godard, dizia Aragon. Tu
comentavas: foi a coisa mais acertada que disse até hoje. Mas o tempo era a escuridão total: as trevas.
Estávamos em 1966. Em Bruxelas, a insípida, velhos bebiam cerveja e o Brel ardia em flamengo. Ias ouvir Ornette Coleman para a porta do Jazzland e contavas coisas do parque de Montsouris. Tinhas já bilhete para o concerto do Thelonious Monk mas continuavas a falar-me de Anna Karina, de um sol bonito que ia chegar, da
Alsácia, de Mulhouse, dos bons vinhos do Reno e da Suíça, onde chegaste horas depois de Anita Eckberg dirigir a todos os genebrinos a saudação de despedida. O regresso a Paris. O tempo da escuridão total: as trevas.

O princípio de tudo num P.S.: Há tantos silêncios... Depois, agora: os telefones funcionam, as estradas abrem-se com força à nossa frente, as palavras ardem nos lábios, os descamisados percorrem o sul com as costas queimadas pelo sol intenso, Porto Covo abriga ainda uma canção, dois ou três maços de cigarros vazios, um spray para a garganta que lá ficou esquecido, uma aventura dos anos cinquenta que repetimos nos nossos trinta anos. Falavas de um tempo de escuridão total: as trevas. Um P.S.: Tantas coisas que não se podem deixar escritas...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

POSTAIS SEM SELO


Ninguém diz: a pátria do comerciante Araújo, do capitalista Seixas, do banqueiro Burnay. Diz-se a pátria de Herculano, de Camilo, de Antero, de João de Deus.

Guerra Junqueiro

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS

QUEM É AMIGO?

Os patrões queriam despedimentos baratos, indemnizações de 21 ou 15 dias por cada ano de trabalho em vez dos 30 actuais e, mesmo assim, com um limite de 12 anos, isto é, 12 salários.
Por outras palavras: o patronato foi aos saldos do Estado Social abertos em Portugal desde 2005 a ver se comprava dois despedimentos pelo preço de um.
Coube a uma ministra ex-sindicalista de um governo socialista a duvidosa honra de entregar numa bandeja o direito ao trabalho dos portugueses à voracidade patronal com o generoso pretexto de, assim, "aliviar" os encargos das empresas com os trabalhadores despedidos (passando esses encargos para os contribuintes através do subsídio de desemprego, quem é amigo?).
O patronato queria 21 dias de indemnização por cada ano de trabalho em vez de 30? O Governo deu-lhe 20. Queria um limite máximo de 12 salários, que lhe permitisse despedir os trabalhadores mais antigos e substitui-los por precários (se não despedi-los e contratá-los depois "a recibo verde" de modo a livrar-se dos descontos para a Segurança Social)? O Governo deu-lhe os 12 salários.
Explicou a ministra que em Espanha também é assim. Com admirável honestidade intelectual, "esqueceu-se" de dizer qual é o salário mínimo em Espanha e que, em Espanha, os 12 salários de indemnização são 'brutos", isto é, com todos os suplementos e em Portugal incluem só o salário-base. Mas não podia lembrar-se de tudo, não é?

Manuel António Pina, “Jornal de Notícias”, 25 de Janeiro de 2010

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

PRESIDENCIAIS 2011


Isto dá vontade de morrer, disse um dia Alexandre Herculano e refugiou-se em Vale de Lobos.

Aquele-enfim-que-já-toda-a-gente-sabia-que-ia-ganhar-pelo-que-ficamos-sempre-a-pensar-para-quê-gastar-dinheiro-com-eleições, foi eleito por 2.230.240 de portugueses (52,94%).

Manuel Alegre: 832.021 votos

Fernando Nobre: 593.886 votos (14,1%)

Francisco Lopes: 300.845 votos (7,14%)

José Coelho 189.351 votos (4,5%)

Defensor Moura: 66.092 votos (1,5%)

Decidiram não se chatear com estas coisas 5.139.483 portugueses (53,37%).

Foram às urnas depositar o voto, mas deixaram-no em branco 191.167 portugueses (4,26%).
Por motivos diversos foram escrutinados 86.545 votos nulos (1,93%).

O cineasta João Botelho disse que o voto, sendo um dever, será um céptico, um melancólico, um doloroso dever”, a também cineasta Teresa Vilaverde, disse ter “dificuldade em compreender o desejo de ser Presidente da República e talvez por isso tenha tendência para desconfiar de quem tem essa vontade”, o encenador Jorge Silva Melo desabafou “uma enorme apatia, uma pergunta amarga (para que serve um Presidente da República?) e outra ainda (é um super-primeiro-ministro?) ou outra dúvida (é só um despede-governos?), um total desinteresse, um esvaziamento da política, um ror de palavras sem nexo ("interventivo", "sério", "patriótico", "honesto", "cidadania"...), para mim uma enorme tristeza. E a sensação bem azeda de que tudo é igual ao igual e volta o mesmo”.

Não me apetece falar da eleição presidencial, aliás, de coisa nenhuma.  Apanhei, por aí ,algumas palavras sobre o que ontem se passou, e vou deixá-las aqui.

Hugo Von Hofmannsthal deixou escrito no seu “Livro dos Amigos” que “muita coisa não se ousa porque parece difícil, mas muita coisa só parece difícil porque não se ousa.!"

É, no mínimo angustiante, sentir os desencontros da(s) esquerda(s). Estavam os bárbaros às portas de Bizâncio e lá dentro discutia-se o sexo doa anjos.

O “Guronsan” pela manhã não foi suficiente para limpar a ressaca.

“Mário Soares foi o vencedor das eleições. A astúcia e a imaginação do velho estadista permitiram que Fernando Nobre, metáfora de uma humanidade sem ressentimento, lhe servisse às maravilhas para ajustar contas. É a maior jogada política dos últimos tempos. Um pouco maquiavélica. Mas nasce da radical satisfação que Mário Soares tem de si mesmo, e de não gostar de levar desaforo para casa. Removeu Alegre para os fojos e fez com que Cavaco deixasse de ser tema sem se transformar em problema. O algarvio regressa a Belém empurrado pelos acasos da fortuna, pelos equívocos da época, pelo cansaço generalizado dos portugueses e pelos desentendimentos das esquerdas (tomando esta definição com todas as precauções recomendáveis).”

Baptista-Bastos, “Diário de Notícias”

“Numa altura em que os partidos muitas vezes são parte do problema e não da solução há hoje cada vez mais espaço para candidaturas de cidadania, emergentes da sociedade civil.”

Pedro Correia em “Delito de Opinião”

"Todo o Partido Socialista esteve ao lado de Manuel Alegre."

José Sócrates, enquanto secretário-geral do Partido Socialista

"Os portugueses falaram e exprimiram com clareza o que queriam. É legítimo dizer dizer que os portugueses optaram por não mudar. Optaram pela continuidade e estabilidade política. Esta tem sido a regra em presidenciais".

José Sócrates enquanto primeiro-ministro

“A reeleição de Cavaco Silva é uma vitória em toda a linha da pandilha do BPN, das offshore, da fuga ao fisco, da informação privilegiada, das acções da SLN. É disso que os portugueses gostam. O país provinciano, pacóvio e ignorante dos economistas espertalhaços, dos empresários amigos, das urbanizações para coelhos e dos terrenos fantasiosos, ganhou novo fôlego e voltará a prosperar. O resultado liberta Oliveira e Costa para poder dizer no julgamento que agora começa o que muito bem entende, para defender o canastro sem correr o risco de ser visto como um revanchista. Vamos a ver se Cavaco Silva e associados dentro de quatro anos estarão tão satisfeitos como hoje.”

João Carvalho no Delito de Opinião”

“Fora isso, tudo correu com "normalidade" absoluta: menos de metade dos portugueses quis e conseguiu votar e elegeu um presidente da República pela confortável maioria absoluta de... um quarto do total de eleitores.”

Manuel António Pina no “Jornal de Notícias”
                                                          
“Este homem não é o presidente dos portugueses.
Este homem foi eleito com 54% de abstenção.
Este homem não tem estatura para o cargo que desempenha: note-se que foi o único político desta noite que não saudou, cumprimentou nem felicitou nenhum dos adversários, competidores e respectivos espaços políticos. Antes os insultou, denegriu ostensivamente!
Não se trata aqui de cumprimentos de circunstância – não os aprecio igualmente.
Trata-se de dizer, como ele disse, que não esquecia (mas o quê??), de dizer que intenta marcar quem contra ele está e usou determinados argumentos (era o que faltava, não era, exigir escolher o tipo de argumentos dos adversários?…).
Trata-se de dizer que sabe apontar com o dedo.
Certeiro. Com pontaria. E total precisão. Que seja feliz. Que eu não sou, nem fico”.

 Carlos Vidal  no “5 Dias”

Legenda: Fotografia de Andre Kastienetz

A HORA DAS NOVELAS

Banda Sonora de “As Filhas da Mãe”, 2001

Ela é Bamba – Ana Carolina
Acima do Sol – Skank
Odara – Lulo
A Primavera – Maria Bethania
Sem Parar – Gabriel O Pensador
Dream – John Pizzarelli
Janela Indiscreta – Lulu Santos
Química Perfeita – Banda Eva
São Paulo-SP – Fernanda Abreu
Os Olhos do Meu Amor – Sylvia Massari
Orora Analfabeta – Exaltasamba
You D0n’t Know Me – Diane Schur e B.B. King
Mero Detalhe – Lenine
Fuck The Fashion – Vinny
I Came Here To Sing – Caroline Dawson
Vai Pegar – Zé Ricardo
Alô Alô Brasil - Eduardo Dussek

IDÍLIO EM BICICLETA



Não deixa de ser irónico que “todos” os países da América Central tenham vivido, recentemente, períodos revolucionários, visando, directa ou indirectamente, o inimigo Tio Sam, e hoje lhes “caiam nos braços”, adoptando inclusivamente a própria moeda… 

Texto e Imagem de Idílio Freire

OLHARES


Couve entre pedras, numa rua de Vouzela.

domingo, 23 de janeiro de 2011

DISCURSO TARDIO


À memória de José Dias Coelho


“Éramos jovens: falávamos do âmbar
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o vero; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.
Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
de ventre, espaço denso, redondo maduro,
dizias; espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave –
repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.
Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela a não tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.
Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.
Catarina, ou José – o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?”

Eugénio de Andrade em “Ostinato Rigore, Escrita da Terra, e Outros Epitáfios”, Editora Limiar, Porto, Abril de 1977

Legenda: “Rapaz com Gato” (1958), desenho tinta-da-china de José Dias Coelho

POSTAIS SEM SELO


A maioria dos políticos, a acreditar nos elementos de que dispomos, não se interessam pela verdade mas pelo poder e pela manutenção do poder. O que temos à nossa volta é uma vasta tapeçaria de mentiras de que nos alimentamos.

Harold Pinter

sábado, 22 de janeiro de 2011

OLHAR AS CAPAS


Directa

Nuno Bragança
Capa de Manuel Luiz Bragança
Colecção Círculo de Prosa
Moraes Editores, Lisboa, Setembro de 1977

Silêncio, outra vez. “Henrique”, insistiu o homem. “Companheiro Henrique, porque é que você deixou o Partido”? O homem calou-se e deixou que o silêncio os envolvesse. Quando já quase não esperava resposta o outro retomou a fala.
“Sabe”, disse o Henrique. “Há pessoas convencidas, de que dizer mal do Partido é ter cartão revolucionário. Mas acontece que esse cartão só é passado pelo dar do corpo ao manifesto na grande caminhada para o comunismo. E dos poucos portugueses vivos que merecem esse cartão, a grande maioria milita ou militou no Partido. E ao longo de quase quarenta anos de salazarismo o Partido Comunista Português foi o movimento que mais trabalhou pela Revolução, e isso no esforço de homens, mulheres e até crianças, gente que passou coisas que não pode imaginar quem não as passou. Por tudo isso, uma parte do povo português vê no Partido uma força que lutou por ele, e nosso tem razão e faz um acto de justiça. E esse sentimento justo, não há outras forças de esquerda que possam destruí-lo.

POSTAIS SEM SELO


Entre um governo que faz o mal e o povo que o consente, há uma certa cumplicidade. 

Victor Hugo

Legenda: Imagem tirada daqui.

O ANNUS HORRIBILIS DE SALAZAR


O segundo ano da década de 60, é o “annus horribilis” da ditadura de Salazar.


Efectivamente, nesse ano, começa o caminho, longo e difícil de 13 anos que há-de culminar na madrugada do 25 de Abril de 1974.

No dia 22 de Janeiro de 1961, o paquete “Santa Maria”, a navegar no alto mar, é assaltado, a 4 de Fevereiro, em Angola, ocorrem incidentes que serão o rastilho do deflagrar da guerra colonial, o apelo de Salazar: “para Angola, rapidamente e em força”, em Março, verifica-se golpe militar do General Botelho Moniz, em Julho a República do Benim intima Portugal a abandonar o Forte de São João Baptista de Ajudá e Salazar ordena ao responsável para o incendiar, em 19 de Novembro, Palma Inácio desvia um avião da TAP, que fazia a carreira Casablanca-Lisboa, lançando panfletos sobre a capital portuguesa, a 18 de Dezembro, a União Indiana invade Goa, Damão e Diu, por fim, no último dia do ano, ocorre o assalto ao Quartel de Beja.
         

Faz hoje 50 anos que umas escassas dezenas de idealistas portugueses e espanhóis, comandados por Henrique Galvão e Jorge Soutomaior, apoderaram-se do paquete "Santa Maria”. O plano designado por “Operação Dulcineia”, personagem do “D. Quixote” de Cervantes, consistia no desvio do navio, para posterior ocupação da colónia espanhola de Fernando Pó, de onde se partiria para Angola, iniciando um levantamento insurreccional contra as ditaduras ibéricas.



Henrique Galvão considerou o assalto uma vitória da heroicidade lusitana, enquanto o galego Jorge Soutomaior o considerou um fracasso e um esforço frustrado do colectivo galaico-potuguês.


Para mais uma das suas viagens regulares às Américas, O "Santa Maria" largara de Lisboa a 9 de Janeirode 1961. No dia 20 fez escala em La Guaira e é neste porto venezuelano que embarca o grupo de revoltosos. A caminho de Port Everglades, na Florida, com 612 passageiros e 350 tripulantes, precisamente à 1 hora e 45 minutos da madrugada de 22 de Janeiro de1961, o grupo domina os oficiais do navio. O terceiro piloto João José Nascimento Costa ofereceu resistência aos assaltantes e foi morto a tiro. A 23 de Janeiro, o navio aproximou-se da ilha de Santa Lúcia e desembarcou, numa das lanchas a motor, 2 feridos graves mais 5 tripulantes, comprometendo assim a possibilidade de atingir a costa africana sem ser detectado. No dia 25, o paquete, que passara a chamar-se “Santa Liberdade”, é localizado por um avião norte-americano.


A 2 de Fevereiro, o "Santa Liberdade" fundeou no porto brasileiro do Recife, os passageiros e tripulantes foram desembarcados, enquanto os revolucionários entregaram-se às autoridades brasileiras, vindo, posteriormente, a obter asilo político.

Nesse dia o paquete voltou a chamar-se “Santa Maria” e, embandeirado em arco, a 16 de Fevereiro de 1961, entrava na barra do Tejo.

Só no dia 24 de Janeiro os jornais publicam a nota oficiosa do governo, dando conta do assalto ao“Santa Maria”. E os seus editoriais expressam a indignação face ao acontecimento.
Também nesse dia, a Assembleia Nacional, antes da ordem do dia, ouve as vozes de repulsa dos deputados, srs. drs. Proença Duarte e Homem de Melo (conde de Águeda).

Da intervenção do sr.dr. Proença Duarte:

“Neste momento em que a alma nacional se encontra altamente emocionada e magoada, tenho eu por certo que interpretar o sentimento de todos os portugueses de boa vontade, seja qual for o seu credo político ou religioso afirmando aqui a sua repulsa e condenação deste acto de inqualificável indignidade.”



Da intervenção do sr. Conde de Águeda:


“E como há circunstâncias em que o coração carece do auxílio da inteligência para transbordar de indignação e de patriotismo, desse patriotismo que é apanágio de todos nós. É, pois, o coração, e só ele, que, num grito indignado protesto, verbera o acto de pirataria praticado no Mar das Caraíbas, contra um navio português e se envergonha por saber que o chefe dos ladrões do mar pôde um dia estar sentado nestas cadeiras, fazendo parte da representação nacional”.

O editorial do “Diário de Notícias” tinha por título “Crime Praticado contra Portugal” e nele podia ler-se:

“Registamos, como o faz o governo, que tais ocorrências não se passaram sem a resistência de oficiais e tripulantes, que deste modo honraram, até ao sacrifício da própria vida, as tradições da Marinha portuguesa.
A consciência dos portugueses condenará sem hesitações este crime praticado contra Portugal.”

O título do editorial de “O Século” era “Unamo-nos os de Boa Têmpera” e terminava assim:



“Unamo-nos os milhões que somos contra esse escasso cento de renegados; unamo-nos os de boa têmpera, indomáveis na vontade, prontos ao sacrifício. Portugal chama-os. Responderão: “Presente”


O editorial do “Diário da Manhã,  Quando o Ódio se Alucina”, destacava:

“Se no aspecto pessoal, o acto cometido representa a condenação final dum crápula exibicionista, sem consciência moral, que se perdeu definitivamente nos caminhos do crime, no aspecto politico é a prova irrefutável do que são e do que não são capazes os criminosos que publicam panfletos onde é nítida a intenção comunista, desagregadora da unidade dos homens e das terras da Nação portuguesa – e acabam por cair, de forma a não deixarem dúvidas, no assalto à mão armada, no roubo, no assassínio, na prática pura e simples da pirataria.”

Título do editorial de “O Primeiro de Janeiro” “Absolutamente abominável, de “A Voz” “ Preferiram cair a render-se” das “Novidades” “Queremos Ser um Povo que não se demite”, do “Diário Ilustrado “Indignação e Revolta”, do “Jornal de Comércio” “Respeite-se Portugal”, do “Diário de Lisboa” “Acto Insólito”, do “Diário Popular” “Um Crime Inédito contra a Pátria e a Civilização”, do “Jornal de Notícias” “Todos os Portugueses Sentem a Maior Repulsa”, de “O Comércio do Porto” “Não há Explicação nem Justificação”.



Em Setembro do ano passado, estreou “Assalto ao Santa Maria”, um filme de Francisco Manso, com argumento de João Nunes, e Vicente Alves do Ó.


Segundo Francisco Manso, o filme retrata a epopeia e a aventura quixotesca' do assalto ao paquete “Santa Maria” envolvido por uma história de amor entre uma passageira, filha de um apoiante de Salazar, e um dos revolucionários.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PRESIDENCIAIS 2011


À boleia de Ferreira Fernandes no “Diário de Notícias”, fiquei a saber que o editorial do último domingo do jornal de direita “Libero”, defendia Silvio Berlusconi nestes termos:

 Se para combater a esquerda há que pagar o preço de um chefe do governo que toca no rabo de senhoras, não se hesite. Mais vale um velho porco que tantos jovens hipócritas.

Pus-me a magicar no que pensa a direita em relação a Cavaco Silva:

Se para combater um candidato presidencial de esquerda há que pagar o preço de um presidente com negócios obscuros que, minimamente, não consegue  explicar, não se pode hesitar: aguentemos as negociatas de Cavaco Silva.

Amanhã há pausa para reflexão.

Reflectir não é, propriamente, actividade que os portugueses gostem de frequentar.

O país pobre, atrasado, largamente analfabeto, boçal, mais o país parolo que confunde progresso e modernidade, com carros topo de gama e telemóveis de última geração, soberanamente, escolherá quem será o Presidente da República por mais cinco anos.

Em plena ditadura, Miguel Torga dizia que ao povo tudo lhe fazem mas, ajoelha-se sempre quando passa a procissão.

O que ficaremos a saber pelo cair da noite de domingo, não augura nada de bom.

Não me apetecia nada levar com aquela gente por mais cinco anos.

Lamento, gosto muito disto, mas apetecia-me emigrar.

CAVAQUICES

Disse Cavaco que a sua eleição tem que ficar resolvida já no domingo para, com uma campanha para uma segunda volta, evitar custos elevados para o país, algo que  enervará os, já de si muito nervosos, mercados…

Não há pachorra!

Legenda: imagem tirada daqui.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A HORA DAS NOVELAS

Banda Sonora de “O Clone”, 2001

A Miragem – Marcus Viana
Meu Grande Amor – Lara Fabian
Love in Afternoon – Legião Urbana
No Balanço do Buzão - Miltinho Edilberto
Escândalo – Caetano Veloso
Alma – Zelia Duncan
Tarde Triste – Nana Caymmi
Modernidade – Lulo
Eu Só Sei Amar Assim – Zizzi Possi
Alto Lá – Zeca Pagodinho
No Escuro – Marina Lima
O Silêncio das Estrelas – Lenine
Sob o Sol – Malú Aires
Maktub – Marcus Viana

IDÍLIO EM BICICLETA


O primeiro jogo estava mesmo a começar e de repente a minha atenção foi cativada pelo equipamento vermelho escuro de um jovem jogador, mesmo à minha frente. Raios me partam se aquilo não são as “quinas”. Claro que é o equipamento da selecção portuguesa! Mas não é só ele, toda a equipa veste o equipamento das quinas. Um tem mesmo o nome “Nani” nas costas! Que coincidência!! Levanto-me, contorno o recinto e vou ter com o “banco de suplentes”, para saber que estória era aquela de estarem a jogar com o equipamento da equipa portuguesa…pensei que tivesse sido uma oferta da embaixada, cônsul ou coisa do género, mas afinal foram os miúdos que o compraram e pagaram, para participar no torneio! Confesso que senti uma inusual vaidade por ver aqueles putos com o equipamento das quinas vestido, ali, em Nacaome, uma aldeia remota das Honduras…

Texto e imagem de Idílio Freire

PRESIDENCIAIS 2011


PALAVRAS ANTIGAS

“Tiveram de vender seus barcos. Perderam o mar. Perderam o seu trabalho. Andam por aí de olhos longe e de mãos atrás das costas. Como se tivessem dado à costa. Mas votaram Cavaco.
Pronto. Está certo. O voto é livre. A televisão até diz que ele é bom, que governa bem…
Para que estou eu a ralar-me?
Eles é que sabem, assim de mãos atrás das costas, deambulando de olhos perdidos pelas ruas estreitas e antigas da vila, quem governa bem ou mal.
Queixam-se os comerciantes sofridos das falências, das dívidas, dos impostos. Mas votaram em Cavaco. Óptimo. Par que hei-de eu ralar-me? Eles lá sabem, ora essa. O voto é livre. A televisão até diz que ele governa bem.
Os lavradores foram expulsos das suas terras. A pouco e pouco as mãos vão perdendo o jeito de semear. E quando trabalham, os produtos não se vendem, na competição com os estrangeiros. Mas votaram em cavaco. Portanto isso quer dizer que, segundo eles, Cavaco governa bem. E se eles pensam assim, vou ser eu a ralar-me?
As donas de casa esticam um fio que se parte muito antes do meio do mês. Nos hospitais é a degradação máxima. Perdem horas e horas nos transportes. Mas votaram em Cavaco. À vontade citoyens! O voto é livre.
Uma tristeza, Chato, chato, é que os que deram a vida para que a vida não fosse assim. E os que vão continuara a dá-la para que as coisas deixem de ser assim.”

Mário Castrim, Abril de 1994

“Resumindo e concluindo, se a direita der outra vez a maioria absoluta a Cavaco Silva, será a primeira vítima dele, suportará o doutor Cavaco para além do milénio e renunciará à política, a menos que se inscreva nessa nova União Nacional. Quem quiser o país assim, vote nele. Depois não se queixe.”

Paulo Portas, “O Independente”, 19 de Setembro de 1991

“Lembram-se de 20 de Fevereiro do ano passado? Foi o dia das eleições legislativas. Estava algum frio. Havia imenso nervosismo no ar. O PSD oficial (o de Santana Lopes) choramingava com as dores do menino guerreiro. O resto do país social-democrata festejava José Sócrates, o mais social-democrata dos socialistas.
Sócrates era o visível vencedor da noite. O outro, o invisível, aquele que comemorou a vitória no recato do lar e não teve direito a discurso directo, chamava-se Aníbal Cavaco Silva.”

Ana Sá Lopes, “Público”, 28 de Janeiro de 2006.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

PRESIDENCIAIS 2011


Cavaco Silva puxa a mulher por um braço: «Esta é a minha senhora. Esta senhora trabalhou praticamente a vida toda.» Maria de Fátima contrapõe, com voz sumida: «Também eu...» O candidato nem a ouve. Tem uma arenga para despachar, não pode perder a oportunidade: «Sabe qual é a reforma dela? Não chega a 800 euros por mês. Foi professora em Moçambique, em Portugal, mas ainda ninguém descobriu, em Portugal, a reforma da minha mulher. Portanto depende de mim, tenho de trabalhar para ela. Mas como ela está sempre ao meu lado e não atrás, merece a minha ajuda.»
Maria de Fátima vê assim «indeferido» o seu pedido de ajuda. Pudera! Quem a manda ir 'atrás' - e não 'ao lado' do candidato?...
É visível que as muitas dúvidas que têm sido levantadas acerca dos negócios de Cavaco Silva o deixaram de asa ferida e este choro sobre a reforma da mulher é o contra-ataque aos que lhe movem a «campanha suja». Mas contra-ataque vesgo e bisonho que não o deixa mais limpo, pelo contrário.
É pequena a reforma da senhora professora? Há três explicações para isso: ou os professores ganham muito mal - o que não consta; ou a senhora não trabalhou, afinal, «a vida inteira» e está a receber uma fracção proporcional ao tempo de serviço efectivo; ou o cálculo das pensões é um roubo ao trabalhador - coisa que nunca se ouviu Cavaco Silva denunciar em dez anos de primeiro-ministro e cinco de Presidente - mas não percamos a esperança, que ainda falta uma semana de campanha onde vale tudo, até promulgar os cortes salariais de Função Pública e sair à rua a clamar que é uma injustiça, que muitos ricos ficaram de fora!

Óscar Mascarenhas, “Jornal de Notícias”, 17 de Janeiro de 2011

CAVAQUICES

Em Lamego, o candidato presidencial apoiado pelo PSD, CDS-PP e MEP foi questionado sobre o processo de aquisição da sua casa de férias no Algarve. Sobre este assunto, limitou-se  a observar: "Já chega de desonestidade".

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Anúncio brasileiro.

CONVERSAS COM SARAMAGO


Este Conversas Com Saramago, reúne seis entrevistas que Saramago deu a José Carlos de Vasconcelos e que, ao seu tempo, foram publicadas no “JL” e na “Visão”. Algumas com perguntas e respostas que, por motivos de espaço, não se encontram na edição em papel do jornal e revista.

Na nota explicativa, José Carlos de Vasconcelos escreve:

“As seis entrevistas, assim reunidas e lidas em conjunto, podem, se bem avalio, contribuir para se compreender melhor o caminho e a evolução do ficcionista, do homem e do cidadão: desde os projectos literários, o processo de criação e de escrita, até à relação com Portugal, o percurso de vida e a visão do mundo. Para isto contribui o facto de, não por acaso, ao longo delas se terem mantido certas linhas de força e questões recorrentes.”

Edição “JL - Jornal de Letras Artes e Ideias”
Lisboa, Dezembro 2010  

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

PRESIDENCIAIS 2011


A última coisa que me imaginava a fazer era a exegese de frases de políticos em campanha. Pensava eu que, mesmo vivendo com uma reforma de 800 euros como a senhora do prof. Cavaco Silva, de tal água nunca beberia. Mas dei com uma frase do professor num almoço com jovens e todo o edifício dos meus princípios e escolhas de vida se desmoronou.
"Pensem bem o que significa alhear, deixar àqueles que são mais medíocres, àqueles que têm menos conhecimentos e capacidades, àqueles que são menos sérios, o poder de decisão", alertou o professor os jovens no Português que lhe foi possível. É certo que Cavaco Silva não é propriamente o Pe. António Vieira. Não precisava, contudo, de ter espoliado o pobre "alhear" do complemento directo e/ou do pronome. E, pensando bem, talvez aquele "pensem bem" estivesse a pedir uma preposição, nunca se sabe...
Mas se a gramática de Cavaco Silva dava um "Prós & Contras", a sua semântica e a sua humildade davam dois. Se bem percebi, o que o candidato presidente diz é que todos os outros candidatos são "mais medíocres" que ele, e que têm "menos conhecimentos e capacidades" e são "menos sérios". Tudo numa só frase e sem se engasgar. Faltou-lhe dizer que é mais bonito que Defensor Moura, mais alto que José Manuel Coelho, mais bem penteado que Francisco Lopes e que tem gravatas mais caras que Manuel Alegre e Fernando Nobre. Mas não desesperemos, resta uma semana de campanha”

Manuel António Pina, “Jornal de Notícias”, 18 de Janeiro de 2010

CAVAQUICES

"Não me sentiria bem com a minha consciência, num tempo em que são pedidos tantos sacrifícios aos portugueses, gastar centenas de milhares de euros por todo o Pais com consequências ambientais negativas", sublinhou Cavaco Silva.

O candidato frisou, aliás, que os seus conselheiros o advertiram para o facto de vir a ser prejudicado por não usar meio tradicional de campanha. Mas "por respeito aos portugueses" não "colocarei um único cartaz", assegurou Cavaco
.
Manuel Alegre e Francisco Lopes são dois dos candidatos a Belém com outdoors espalhados por todo o País.”

“Diário de Notícias” de hoje.

“Ex-ministro da Saúde de José Sócrates e actual membro da Comissão Política do PS, Correia de Campos, assume em entrevista ao jornal "i" desta terça-feira o apoio a Cavaco Silva nas presidenciais.

Manuel Alegre não representa uma alternativa [a Cavaco Silva]. Podia ter representado no passado, mas no actual contexto, não", diz ao jornal "i" Correia de Campos, que adianta ainda que apenas Cavaco "garante a estabilidade"  que "o país precisa".

“Diário de Notícias” de hoje.

“A próxima sessão do julgamento do ex-presidente do BPN, Oliveira Costa, que começou a 15 de Dezembro e deveria ser retomado amanhã, foi adiada para a próxima segunda-feira, 24 de Janeiro, já depois das eleições presidenciais, informou fonte do tribunal.”

“Público” de hoje

DA MINHA GALERIA


Todos os poetas fazem falta.
Mas este faz mesmo muita falta.
José Carlos Ary dos Santos morreu há 27 anos.

A HORA DAS NOVELAS


Laços de Família”, 2000

Como Vai Você – Daniela Mercury
Próprias Mentiras – Deborah Blando
Solamente Una Vez – Nana Caymmi
As Coisas Que Não Esqueço – Pedro Migueis
O Pai da Alegria – Martinho da Vila
Corcovado – Astrud Gilberto, João Gilberto, Tom Jobim, Stan Getz
Balada do Amor Inabalável – Skank
That Don’t Impress Be Much – Shania Twain
Samba de Verão – Caetano Veloso
Perdendo Dentes – Pato Fu
Sentimental Demais – Simone
Baby – Mutantes
Abraçavel Você – Jane Duboc
Mensagem de Amor – Lucas
Marloni – Havana Jam
Peão Apaixonado – Rionegro e Solimões

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

17 DE JANEIRO DE 2007



Neste dia, há quatro anos, uma quarta-feira, nasceu a Maria.

Nos céus, a Lua estava em quarto crescente e encaminhava-se para a fase nova que ocorreu no dia 19 pelas 04,01. O sol nasceu às 07:43 e o ocaso registou-se às 17:37. No porto de Lisboa, a preia-mar verificou-se às 01:42 e 14:09 e a baixa-mar às 07:44 e 19:57.

O “Borda d’Água” colocava a caracteres negros que 17 de Janeiro era um “Dia Auspicioso” e informava que durante o mês de Janeiro se devem plantar girassóis nos jardins, que se podem colher as violetas, os amores perfeitos, as camélias, os jacintos, as túlipas e dizia também: “Procura a virtude desde Janeiro e viverás com ela o ano inteiro.”

O “Público” deste dia trazia na 1ª página que os radares em Lisboa detectavam três mil condutores por dia em excesso de velocidade, que em Carcavelos deverá ser construído o novo “El Corte Inglês”, e que os portugueses poderiam ter que suportar novos custos na electricidade.

Nas notícias do país destaque para a condenação a seis anos de cadeia do sargento Gomes, pai adoptivo que sequestrou uma criança que se encontrava em paradeiro desconhecido. O psicólogo Luís Villas-Boas” comentava que a decisão era um “absurdo jurídico, esta menina é uma vítima anunciada. Arrancá-la a quem lhe deu biberão e mudou as fraldas é quase um rapto emocional.”
Cavaco Silva prosseguia a sua viagem oficial à Índia, No noticiário internacional o destaque ia para um duplo atentado em Bagdad que matou 70 alunos e professores de uma universidade,

Nas páginas de Desporto sabia-se que os 40º centigrados, registados em Melbourne, levaram ao cancelamento de vários jogos do “Open da Austrália” em ténis. Antes da interrupção dos jogos, a russa Maria Sharapova quase derreteu ao sol.

O Canal 1 da RTP, às 23,20 H, na sua “Lotação Esgotada” passava “Desejos finais” um “thriller” de Phil Joanou com Richard Gere, uma simplesmente incandescente Kim Basinger e a não menos insinuante Uma Thurman.

Nas páginas interiores ficava a saber-se que o Partido Socialista iria gastar 598 mil euros na campanha eleitoral do referendo sobre o Aborto e que os adeptos do “Não” os gastos chegam aos 635 mil euros.

Título da pág. 18: “Ninguém explica por que é que o 112 parou em três distritos.” E ficava a saber-se que Ana Gomes acusava Luís Amado de travar investigações aos voos da CIA. Passados quatro anos, sabe-se o porquê.

O título de 1ª página do “Diário de Notícias” revelava que os novos impressos da Declaração de IRS não obrigam à declaração de compra de bens imóveis acima dos 250 mil euros.

Nas páginas interiores o “Diário de Notícias”, citando o “El País” informava que Fidel de Castro sofreu uma grave infecção intestinal e que já fora submetido a três operações e o que o seu estado é considerado “muito grave”. O médico espanhol que observou Fidel de Castro, dizia que a informação era infundada. O clínico tinha razão: passados quatro anos Fidel de Castro mantém-se vivo.

De 18 a 21 de Janeiro iria decorrer a 16ª Feira do Fumeiro e do Presunto do Barroso.

A Companhia de Teatro de Coimbra Camaleão-Associação Cultural”, levava à cena, no Teatro da Comuna, em Lisboa, duas peças do poeta norte-americano Russell Edson:“As Crianças” e “Os que Rastejam”.

A RTP revelava a lista dos dez Grandes Portugueses que iriam ser defendidos por diversas personalidades num programa com o mesmo nome.

Carlos Pereira Santos, em “A Bola”, indignava-se por dessa lista não constar Eusébio – “Alguém extasiou mais a nação do que Eusébio?”

Em Paris,neste mesmo dia, mas 63 anos antes, nascia Françoise Hardy.

Os jornais diários custavam 90 cêntimos.