sexta-feira, 31 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


O jazz apenas é. Quem gosta, gosta, e quem não gosta, não gosta.

José Duarte

NOTÍCIAS DO CIRCO

A despenalização da morte medicamente assistida foi hoje novamente aprovada na Assembleia da República.

O diploma segue, pela quarta vez, para as mãos do Presidente da República que tratará de o enviar para o Tribunal Constitucional que, por sua vez, se inclinará sobre vírgulas e mais vírgulas do texto.

Assim os que querem ser donos da sua morte, vão perdendo sucessivas esperanças de que a eutanásia seja lei.

SAUDADES DA RÁDIO

A rádio está associada à minha vida.

Quando havia programas de autor e a ditadura das «play-list» não tinha entrado portas adentro.

Nos primeiros meses de 1980, João David Nunes ainda podia dizer:

«Acho que alguma da Rádio que já se vai fazendo, neste momento, em Portugal, não nos deixa muito envergonhados em relação à Rádio que se faz lá fora.»

Há dias, morreu Jaime Fernandes, um dos homens dessa rádio de autor.

Numa entrevista ao Jornal de Notícias, Janeiro de 2011, José Duarte falava de um dos seus programas de assinalável êxito na rádio: «A Menina Dança?»

Fui convidado por Jaime Fernandes. Trabalhávamos na Rádio Comercial. Tinha eu escrito um texto para "O Jornal" sobre Irving Berlin, grande compositor norte-americano". Jaime Fernandes gostou e ficou admirado de meu saber sobre aquela música. Convidou-me para fazer um programa sobre "standards". Inventei então "a menina dança?" que é um programa semanal dedicado a grandes nomes vocais da música norte-americana e a grandes compositores do "American Song Book".»

O texto que se segue julgo pertencer a uma qualquer crítica ou sinopse do programa:

«Tudo acontece num salão de uma sociedade recreativa. É um baile ao som de canções. Como as canções devem ser: cheias de «swing», a puxar o pé para a dança. Ouvem-se os «crooners» ou  - Bing Crosby, Dean Martin, Tony Bennett – uns mais apaixonados, outros menos, ouvem-se outras vozes que fizeram as músicas da América. Ouve-se Sinatra e as suas histórias. Aos domingos à noite, quando a Menina encontra o seu par, são as grandes orquestras que se vocam, num qualquer baile de despedida; e são as histórias à margem do tempo que se relatam. O programa realizado por José Duarte podia ser o cenário para os «Dias da Rádio» de Woody Allen. Mas não é. No que diz respeito a rádio, vai mais longe.

«A Menina Dança» oferece um dos mais eficazes exercícios do uso da linguagem radiofónica: diálogos a uma voz definem cenários; afastam e atraem. Informam. E fzem com que a menina, de facto, exista. Ela é a personagem que ganha forma, a cada instante. Do desconhecimento da música passa ao espanto; e deste, ao saborear da descoberta. Mas isso não lhe basta: a Menina «trova s voltas», comanda o jogo e, às vezes, transforma num inferno a vida do seu par: a Menina torce um pé, a Menina pinta o cabelo de louro. A Menina é a Gata Borralheira que parte à meia-noite, abandonando o seu par.»

A menina, mais as suas danças, deixaram-nos a 30 de Dezembro de 2012.

Não vivíamos para ouvir rádio. Somente para melhorar essa vida.

 

quinta-feira, 30 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


 Aprender jazz é como aprender a falar.

Aprende-se vai-se aprendendo.

Balbucia-se, imita-se, copia-se.

O vocabulário vai chegando, a gramática também.

 José Duarte em Cinco Minutos de Jazz

 Legenda: pintura de Robert McGinnis

SÃO SINATRA


 José Duarte gostava de Frank Sinatra.

Com a menina, nas noites de baile da Antena 1, só dançava canções do Sinatra, aquele swing, dito único.

Entendia-o como a sua «alienação favorita», chamava-lhe São Sinatra.

Chegou a escrever:

«São raros se é que existem os ouvintes que sabem ouvir e que não gostam de ouvir Sinatra quer homens até mulheres como se justificarão os escassos contras? Que ele era da Mafia – por ser italo-americano não comento eu nasci no Bairro Alto.»

Lembrando o Zé Duarte, escolha caseira, ficam três canções do Sinatra.






Mas fica também «The One I Love Belongs To Somebody Else» que José Duarte, numa carta que possivelmente Sinatra nunca leu, considerou ser esta canção «uma definitiva, perfeita obra-prima.»


JOSÉ DUARTE (1938-2023)


Morreu José Duarte.

Chega-se quase à idade em que partiremos, e enquanto não chega esse dia, vamos perdendo os que tanto admiramos e a quem tanto devemos.

Li os seus livros, ouvia os programas, tanto os de televisão como os de rádio, o fabuloso «A Menina Dança?»

Conheci José Duarte em alguns findares de tarde no «British-Bar».

Tem etiqueta própria aqui no Cais.

Não consigo dizer muito mais sobre o Zé Duarte.

Passem por lá. 

A TUA MÃO

A tua mão conhecia outros gestos, como

contactos com matérias mais pesadas. Outras

formas mais duras e elásticas: corpos

atómicos, em relevo nas margens da luz,

estremecendo crepitantes.

Manuel Gusmão em Resumo: a poesia em 2013

quarta-feira, 29 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


Se a música é o alimento do amor não parem de tocar. Dêem-me música em excesso; tanta que, depois de saciar, mate de náusea o apetite.

Shakespeare

O NOME

Esta manhã

hoje

é um nome

 

Nem mesmo amanheceu

nem o sol

a evoca

 

Uma palavra

palavra só

a ergue

 

Com um nome

amanhece

clareia

 

Não do sol

mas de quem

a nomeia

Fiama Hasse Pais Brandão 

terça-feira, 28 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


 Nunca penso no futuro. Chega demasiado depressa.

Albert Einstein

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Uma carrinha que transporta pianos, apenas pianos, para todo o país e há mais de 50 anos.


PARAÍSO

Deixa ficar comigo a madrugada,

para que a luz do Sol me não constranja.

Numa taça de sombra estilhaçada,

deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,

onde eu ouça o estertor de uma gaivota…

Crepite, em derredor, o mar de Agosto…

E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho

que acendas, para tudo ser perfeito,

à cabeceira a luz do teu joelho,

entre os lençóis o lume do teu peito…

Podes partir. De nada mais preciso

para a minha ilusão do Paraíso.

David Mourão Ferreira

segunda-feira, 27 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


 O meu único alimento é a falta de fé.

Herberto Helder em Os Passos Em Volta

NOTÍCIAS DO CIRCO

O governo anunciou a lista de produtos que serão abrangidos pela medida do IVA zero. O cabaz foi elaborado entre as listas de alimentos saudáveis e os produtos mais procurados pelos portugueses, explicou António Costa.

A saber:

Cereais e derivados; tubérculos:

·         Pão;

·         Batata;

·         Massa;

·         Arroz.

Hortícolas

·         Cebola;

·         Tomate;

·         Couve-flor;

·         Alface;

·         Brócolos;

·         Cenoura;

·         Courgette;

·         Alho francês;

·         Abóbora;

·         Grelos;

·         Couve portuguesa;

·         Espinafres;

·         Nabo.

Frutas

·         Maçã;

·         Banana;

·         Laranja;

·         Pera

·         Melão.

Leguminosas

·         Feijão vermelho;

·         Feijão frade;

·         Grão-de-bico;

·         Ervilhas.

Laticínios

·         Leite de vaca;

·         Iogurtes;

·         Queijo.

Carne, pescado e ovos

·         Carne de porco;

·         Frango;

·         Carne de peru;

·         Carne de vaca;

·         Bacalhau;

·         Sardinha;

·         Pescada;

·         Carapau;

·         Atum em conserva;

·         Dourada;

·         Ovos de galinha.

Gordura e óleos

·         Azeite;

·         Óleos vegetais;

·         Manteiga.

O Conselho de Ministros aprovou hoje a proposta de lei de redução do IVA sobre os bens alimentares, anunciou António Costa, que amanhã entrará na Assembleia da República, que a agendará com a rapidez possível para que discussão dos deputados determine a sua aprovação e termine na promulgação pelo Presidente da República.

Quinze dias após a publicação da lei, o retalho alimentar procederá à redução do preço em conformidade com a redução do IVA.

No conjunto destas medidas, entre apoio à produção e perda de receita fiscal fruto do IVA zero, este programa tem um custo total de cerca de 600 milhões de euros, assinalando António Costa ser um esforço obviamente muito grande para um programa que tem um horizonte de seis meses.

Claro que não há milagres, mas esta medida governamental é muito poucochinho.

CAT PEOPLE

Curiosa a tribo que formamos, sós
que somos sempre e à noite pardos,
fuzis os olhos, garras como dardos,
mostrando o nosso assanho mais feroz:

quando me ataca o cio eu toda ardo,
e pelos becos faço eco, a voz
esforço, estico e, como outras de nós,
de susto dobro e fico um leopardo

ou ando nas piscinas a rondar –
e perco o pé com ganas sufocantes
de regressar ao sítio que deixei

julgando ser mais fundo do que antes.
A isto assiste a morte, sem contar
as vidas que levei ou já gastei.

Margarida Vale de Gato

domingo, 26 de março de 2023

O OUTRO LADO DAS CAPAS


O meu pai sempre me foi dizendo que não devíamos emprestar livros, porque na maior parte das vezes não voltavam ao lugar da estante.

Mas também falava da cara com que não lhe apetecia dizer que não. Porque alguns amigos ainda tinham menos posses que ele, não tinham quase dinheiro para comprar comida quanto mais livros. Havia os que estavam nos calabouços salazaristas da PIDE e necessitavam de livros para ajudarem os dias malditos.

Daí ter encontrado livros, com ficha feita, que não ocupavam as prateleiras na Biblioteca da Casa, nem qualquer indicação a quem tinham sido emprestados.

Emprestei livros, uns regressaram, outros não, mas agora o dilema já não existe, porque sabe-se que 56% dos portugueses não leram um único livro durante o passado ano.

No entanto aconteceu-me que, quando aqui falei na companhia que faziaao meu avô nos programas televisivos da Maria de Lurdes Modesto, necessitei de consultar o «Livro de Bem Comer» do José Quitério.

Voltas e mais voltas e do livro nem sombras.

Claro que metade do meu cérebro já não funciona, mas emprestar o livro do Quitério a quem?

Há dias, fui até à Rua Passos Manuel na expectativa de, na Assírio & Alvim encontrar por lá algum exemplar. Está esgotado, mas a amável trabalhadora da livraria, falou-me da existência de uma edição que reunia o «Livro de Bem Comer» e «Histórias e Curiosidades Gastronómicas».

É este o livro, editado em Maio de 2015 e que já vai em 3ª edição.

Em «Nota Posfacial», José Quitério explica:

«Livro de Bem Comer foi publicado em 1987 e «Histórias e Curiosidades Gastronómicas» em 1992. Fizeram sem pressas os seus caminhos e acabaram naturalmente por esgotas. Durante muito tempo não anuí à sugestão do editor para os reeditar. Com o passar dos anos e o galopante aumento de interesse por estes temas, fui admitindo tal possibilidade, sobretudo porque verifiquei que continuavam a ter serventia, traduzida na muita gente que vinha beber destas águas, bastas vezes sem citar a fonte. Relidos os textos, também cheguei à conclusão que talvez não merecessem não ficar sepultados e poderem ser conhecidos pelos interessados da nova geração.

É assim que, decorridos respectivamente 28 e 23 anos, surge agora Bem Comer & Curiosidades». Não é uma mera junção dos dois. Foram retirados todos os textos de cariz estritamente literário-gastronómico, que entretanto enformara, acrescidos de vários outros, o livro Escritores à Mesa (e outros artistas), de 2010. Eliminaram-se alguns, adicionaram-se muitos mais, todos os originais foram sujeitos a revisão, expurgo e amiúde a ampliação.

Aqui fica. Obra definitiva e crê-se de registo histórico da cultura gastronómica portuguesa.»

De José Quitério disse José Cardoso Pires que «é um dos nossos prosadores vivos de mais inteligente qualidade», enquanto Mário de Carvalho afina pelo mesmo diapasão de Cardoso Pire,s mas acrescenta «Porventura o maior».

Deliciava-me com as crónicas que durante largos anos: José Quitério publicou no «Expresso».

A inteligência é sempre um prazer!

OLHAR AS CAPAS


Bem Comer & Curiosidades

José Quitério

Capa: O Pássaro e as Sombras, Fresco, Século I, Pompeia

Sistema Solar, Lisboa, Abril de 2022

Mito celulóidico, fantasma erótico de várias gerações, mulher fatal e total, Sophia Loren também pratica o amor com culinária. Em 1968, aproveitando repouso forçado por via de maternidade intrincada, deu à luz In Cucina com Amore, súmula de recordações e experiências gastronómicas. Aí enuncia os seus oito mandamento da coacção das massas. Para que fiquem como devem ficar: al dente, isto é, a oferecerem ainda resistência à dentadura na altura de serem comidas. Aà dentadura na altura de serem comidas. A saber:

1º - Cozê-las em panela grande com muita água.

2º - A água deve ferver em cachão e põe-se-lhe um pouco de sal quando entra em

 ebulição.

3º - Aumentar o fogo no momento em que se põe a massa na água fervente – diz Sophia  que é este o grande segredo napolitano.       

4º - Remexer as massas para que fiquem bem separadas umas das outras.

5º - Vigiar a cozedura. Desconfie dos tempos que vêm indicados nas embalagens Trincar a massa para saber se já está al dente

6º - Antes de retirar a água, pôr na panela um fio de azeite.

7º -  Sacudi-las bem no passador para que a água escorra toda.

Já está como ensinas, Sophia. Só falta o amore… 

quarta-feira, 22 de março de 2023

COM QUE VOZ?

 Essa voz que deixei perder

 já não me procura;

 e nada será jamais

 tão simples e singular

 como aquela voz modulada

 e firme na sua insegurança,

 tão indefesa como estar vivo.

 Porque falo nisto agora?

 Desista de me ler

 quem busca um fio coerente,

 uma afirmação rotunda

 e concisa. Não tenho loja

 com essa mercadoria.

 Nem com mais nenhuma.

 Procuro apenas o som nítido de uma voz,

 entre todas as coisas que deixei perder.

 Procuro.

 Luís Filipe Castro Mendes



terça-feira, 21 de março de 2023

GRANDE DEMAIS

Aquele poema de Vivicius de Moarais «Se todos no mundo fossem iguais a você».

Na despedida de Rui  Nabeiro ficar a pensar como seria este país se todos fossemos como o Sr. Rui.

Na onda de textos e afirmações sobre a sua morte, apanhei este de Vitor Serpa no jornal «A Bola»:

«Julgo que a primeira vez que me encontrei com o comendador Rui Nabeiro foi na viagem do Benfica para Estugarda, para jogar a final dos Campeões Europeus com o PSV, em maio de 1988. Nesse tempo, os jornalistas viajavam nos aviões e nos autocarros com os jogadores e com toda a comitiva que, incluía, em todos os clubes, convidados especiais, desde empresários a juízes de direito. Rui Nabeiro tinha aceite o convite do Benfica, clube de que era adepto, e, ainda durante o voo para a Alemanha, ofereceu a cada senhora, que viajava no avião, um grão de café em ouro.

Sorte da família de Eusébio, porque ia a Flora e as duas filhas…Mais tarde, dez anos depois, tive o prazer de partilhar a mesma mesa, no jantar oficial de inauguração da Expo de Lisboa. Foi um momento propício para uma conversa mais longa e animada, que marcou o início de uma amizade, que se manteve pelo tempo fora.

De uma simpatia encantadora, uma humildade genuína e não fabricada para efeitos de marketing, uma permanente preocupação com as pessoas e com o desenvolvimento do Alentejo, Rui Nabeiro tratava-me sempre da mesma forma: «Amigo Vítor«, antes e depois de eu ter assumido o cargo de diretor de A BOLA.

Juntámos famílias em encontros memoráveis, um deles, num jantar em sua casa de Campo Maior, num convívio sempre saudável e nunca marcado por segundos interesses. Quando o Campomaiorense chegou à primeira divisão, foi um motivo de especial alegria para Rui Nabeiro. Deixou o seu filho, João, na condução do clube, mantendo, como fazia em todos os seus setores de atividade, um controlo sobre os princípios e os resultados.

Em breve, ficaria profundamente desanimado com o futebol português e muitas vezes me confessou que não entendia, nem como empresário, nem como cidadão, nem, mesmo, como adepto de futebol, como era possível que os responsáveis pela competição profissional no futebol português permitissem e quase promovessem a mentira e a total ausência de compromisso com a verdade desportiva, deixando passar sem punição os clubes que contratavam jogadores e não lhes pagavam, o que contribuía para terem melhores equipas do que o Campomaiorense, que cumpria religiosamente todos os seus compromissos com jogadores e treinadores.

Quando o Campomaiorense desceu de divisão, fortemente prejudicado pela sua condição de cumpridor dos acordos firmados com os seus profissionais, Rui Nabeiro deixou de pensar no sonho de manter, até em condições de candidatura a uma competição europeia, uma equipa de futebol profissional no Alentejo. De facto, Rui Nabeiro era grande de mais para esse futebol…»   

AMOR COMO EM CASA

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina

segunda-feira, 20 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


 A minha viagem começou num barco… e depois num campo de refugiados.

 Ke Huy Quan, vencedor do Óscar de melhor actor secundário, no filme Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo.

O FECHAR DS TAIPAIS


Na Travessa do Possolo, Maria acorda Aníbal.

- Já é dia de pontapeares o Costa.

- Ah!, é verdade!...

Então, entre outras, pontapeou:

«A crise habitacional que se vive no país é o resultado do falhanço da política do Governo no domínio da habitação nos últimos sete anos, com custos sociais elevados para muitos milhares de famílias.»

 No café do bairro, lembraram que a múmia de Belém, mandou liquidar a frota pesqueira, destruiu a agricultura, desindustralizou o país.

Na Gare Marítima de Alcântara, até ao dia 31 de Março, está patente uma exposição que lembra que o Barreiro foi uma enorme concentração industrial portuguesa chamada CUf, responsabilidade de Alfredo da Silva.

«Trabalho sem descansar. Trato da minha vida, ocupo-me da vida dos outros. Esforço-me por que não paralisem as fábricas que dirijo.

Nunca aos meus operários faltou pão e trabalho.»

Desabafo de Alfredo da Silva ao ser perseguido durante a revolução de 19 de Outubro de 1921.

José Pacheco Pereira, no dia 11 de Março, escreve no Público um muito interessante artigo sobre esta exposição na Gare Marítima de Alcantara e começa por citar uma frase L.P. Hartley:

 «O passado é um país estrangeiro: lá as coisasa são feitas de maneira diferente.»

Um passo do artigo de Pacheco Pereira:

 «Este mundo é o do “passado” de Hartley, que está longe mas também nos “fez”. Podemos não ter a memória do que era a serapilheira, não saber o que é o esperanto, muito menos falá-lo, nunca ter respirado o ar junto da Rua do Ácido Sulfúrico, não saber porque é que um esquadrão permanente a cavalo da GNR fazia parte das “forças de segurança” do Barreiro, porque é que há tantos bons jogadores de xadrez na cidade, ou como era descer ao fundo do rio Tejo num escafandro que nem sequer era impermeável para salvar um batelão, desconhecer o que era uma “muleta” que não era para quem coxeava, ter uma ideia do mundo fervilhante do rio, fragatas e fragateiros, estivadores e pescadores, conhecer a tentativa dos “padres operários” para assegurar uma melhor vida para os seus fiéis e “infiéis”, ou saber quanto custava a uma família da outra margem tirar os vários bilhetes para irem visitar um pai ou um irmão na Cadeia do Forte de Peniche. Tudo isto é o Portugal real e está nos arquivos do Barreiro e em nenhum outro lado.

1.

Segundo a ASAE, a margem de lucro dos retalhistas chega a 50 por cento  em produtos alimentares essenciais e essa é a razão porque cebolas, cenouras, ovos se situam, hoje, nos produtos alimentares de luxo.

Segundo a DECO três quartos das famílias portuguesas enfrentam mensalmente dificuldades financeiras.

Portugal é um dos países da União Europeia onde o preço dos ovos mais subiu; segundo a DECO três quartos das famílias portuguesas enfrentam mensalmente dificuldades financeiras.

Francisco Louçã defende que, «depois de um ano como este, um Governo como este não governa até 2026»,considerando que houve pessoas que «foram enganadas» com a promessa da estabilidade da maioria absoluta.

2.

Enquanto decorre uma guerra que nos garantem ser feita em nome da democracia e para salvar a democracia, e que, talvez, a paz possa acontecer em 2025 – sérias dúvidas! – a senhora Lagarde sobe juros, aumentando em meio ponto percentual o custo do dinheiro, apesar da crise bancária que se anuncia.

3.

Os bispos portugueses andam pelas sacristias aos papéis sobre os crimes praticados por membros da Igreja que sempre tentaram ocultar.

Laborinho Lúcio, Juiz conselheiro jubilado, ex-ministro da Justiça:

«Há pelo menos duas posições na Igreja, uma ultra conservadora, reacionária, completamente fechada às vítimas e ao seu sofrimento. E há a posição de abertura que é a do Papa Francisco, do Evangelho, a do respeito pelas vítimas, de apoio ao seu sofrimento, da tal "tolerância zero". Estas duas posições são inconciliáveis, qualquer tentativa de reconciliação favorece a primeira e, provavelmente, foi o que aconteceu.»

4.

Parte do governo de António Costa mudar-se-á para o edifício da sede da Caixa Geral de Depósitos até 2026 e a mudança custará cerca de 40 milhões de euros.

5.

«O almirante Gouveia e Melo. Esteve bem na defesa da disciplina, que, como afirmou, é a cola que garante a coesão das Forças Armadas. Mas falhou redondamente no outro mandamento: a reserva. A instituição militar não pode, nem deve, expor os seus problemas na praça pública e em tempo real. A discrição e a sobriedade são regras de ouro no exercício dos mais altos cargos da hierarquia militar. Ora, o chefe de Estado-Maior da Armada sabe bem que a reprimenda que deu à tripulação, do alto de um púlpito montado na coberta do navio, foi um ato intencionalmente público, que teria repercussão na comunicação social. Por isso, é legítima a suspeita de que o momento foi aproveitado para a sua promoção pessoal, no quadro duma mal disfarçada ambição política a caminho de Belém. Terceiro tiro no porta-aviões.»

José Mendes no Diário de Notícias 

EI-LA QUE CHEGA!


O equinócio de Primavera ocorre neste momento, são 21h24 horas, e a partir de agora os dias começam a ser mais longos que as noites, até que chegue o solstício de Verão.

O meu avô que adorava a chegada da Primavera, tinha aquela sua filosofia que a chegada da Primavera começava a notar-se nos vestidos frescos e curtos das mulheres.

NOTÍCIAS DO CIRCO

O governo de António Costa está repleto de eminências pardas, alguns constituem um evidente erro de casting. António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, é um desses casos. 

Há dias afirmou:

«Infelizmente vivemos num país que, por motivos ideológicos, continua a hostilizar as empresas, em particular as grandes empresas. Continua a considerar o lucro um pecado e nós temos de combater esses preconceitos.»

SOBREVIVEMOS À GUERRA, SOBREVIVEMOS À PAZ

Sobrevivemos à guerra - sobrevivemos à paz:

 volta  e meia acreditávamos que os períodos passados

nunca mais se repetiriam

e de facto, nunca se repetiam

(mas seguiam-se um após outro),

a infância se foi para sempre,

não quis voltar a juventude perdida

e ninguém prestou contas

do nosso tempo desperdiçado.

 

Faltava-nos fé

e por isso acreditávamos em qualquer coisa

em qualquer luta falsa,

mas não em luta solitária, porque cada um de nós

que a arriscou

teve de lutar contra as sombras de ferro,

contra o algodão de ferro que o cercava,

impedia de respirar, expunha ao ridículo;

era cada vez mais difícil se mover,

o algodão das verdades mentirosas tapava nossos ouvidos,

até as pequenas esperanças tornavam-se difíceis

de se concretizar

e quanto mais depressa podíamos vencer grandes distâncias,

tanto mais tempo era preciso para o entendimento mútuo,

quanto mais longe nos aventurávamos no futuro,

tanto mais se alongava a distância de coração a coração,

quanto mais sabíamos da vida dos outros,

vivos, mortos e a nascer,

tanto menos conhecíamos a nós próprios;

meios de espasmo de massa

nos acostumavam sem dor às tragédias do mundo contemporâneo,

ainda éramos capazes  de cuidar

das nossas flores e animais domésticos,

mas temíamos até pensar que os pequenos países

são polígonos de experiência das grandes potências;

votávamos - em silêncio,

só manifestávamos nossa presença

quando nossos amadores ganhavam dos profissionais,

e então os arranha-céus tremiam com o grito:

transformavam-se em altíssimas barricadas,

que ninguém atacava,

pois há muito tinham sido conquistadas.

 

Ryszard Krynicki

domingo, 19 de março de 2023

A VIDA COMO FRONTEIRA


 «As gerações são como fronteiras, são como linhas, marcam uma estrema que divide. As gerações só se dão verdadeiramente definidas no fim do último elemento que as compõe. É esse que transporta a derradeira ponta do fio e, por mais aparente eternidade, chegará o seu momento. As fronteiras não podem escapar à sua natureza profunda: marcam o fim do que nos pertence e o início de tudo o que existe para além de nós, tudo o que nos ignora. As gerações são como fronteiras. Podemos considerar qualquer geração: acontece aos mais velhos, aos mais novos, acontecerá aos que são agora crianças e aos que são agora adolescentes, apesar da sua inocente arrogância. Chegará o tempo em que desaparecerão um a um. Entre eles, quem serão os primeiros? Quem morrerá antes do tempo? E quem será o último? Quem terá de assistir à morte de todos os outros? Esse aprenderá esta lição pela experiência, a sua vida será a fronteira.»

José Luís Peixoto em Almoço de Domingo

RUI NABEIRO (1931-2023)


 Aos 91 anos, morreu o empresário Rui Nabeiro.

Orgulhosamente declarou um dia: «Hei-de ser um rico diferente dos que há por aí.»

É bem verdade!

Será um desfastio, e a palavra é leve, assistir agora ao desfile, das declarações, sobre Rui Nabeiro, que a clique de «empresários» irá bolsar.

Gente que aos calcanhares de Nabeiro nem sequer chega, pois é enorme o despudor, porque apenas olha as suas barrigas, ao mesmo tempo que agravam, as já de si miseráveis, condições de vida dos trabalhadores.

sábado, 18 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


 Coisas novas só podem acontecer se tivermos coragem de deixar as coisas velhas.

GIN E PIMENTAS


 

Só sei de uma maneira de beber gin. A receita clássica, ou seja:

Gelo, rodela de limão de casca amarela, aprisionada entre os cubos de gelo, gin e água tónica, de preferência Schweppes que, lamentavelmente, por estes sítios não tem quinino, apenas essência.

Num jantar familiar impingiram-me gin num enorme balão.

Não armei um enorme pé-de-vento que noutros tempos teria saído.

Mas já estou velho!...

Simpaticamente apenas perguntei o que é que estava junto com o gin. Disseram-me que era zimbro, cardamomo, pimenta cubeba, pimenta rosa, pimenta sichuan, anis estrelado.

Sorri e lembrei-me do Mário-Henrique Leiria, o escritor que bebia Gin. 

E obrigatoriamente lembrar que o Público, na sua «colecção composta de 10 obras de grandes autores, raras ou descontinuadas nas editoras, que foram escolhidas pelos leitores, através de votação, a partir de 188 títulos sugeridos», publicou, no dia 4 de Março, como primeiro volume os Contos do Gin-Tonic do Mário-Henrique Leiria.

Comprem, leiam esta autêntica maravilha.

Também uma velha história: o meu avô, nos jantares de domingo, uma vez por mês, o dinheiro era muito curto, comia-se galinha assada no forno, no final bebia uma gotinha de Genebra.

A garrafa durava uma eternidade e, depois de vazia, servia de botija para as noites de Inverno.

sexta-feira, 17 de março de 2023

POSTAIS SEM SELO


 Nunca consegui perceber nada de coisa nenhuma, nem sequer de mim.

Mário-Henrique Leiria em Depoimentos Escritos

Legenda: Documentos de identidade de Mário-Henrique Leiria, retiradas do Público, 30 de Dezembro de 2022.

DA LITERATURA

Gosto de pessoas que não escondem as suas fragilidades. Não precisam de usá-las na lapela do casaco, é claro, mas que não as escondam se calharem em conversa. Fobias, egoísmos, incompetências, doenças psiquiátricas, mendicidades, etc., são o melhor que temos para nos dar. Porque o mais é falso ou não é particularmente nosso. O Pierce Brosnan e a Tyra Banks não existem; a nouvelle cuisine é uma cagada; o Fernando Mendes e o peixe frito são mesmo muito bons. Sou muito melhor escritor do que o Hemingway. Quase toda a gente é muito melhor escritor do que o Hemingway. Não percam tempo com o Hemingway se tiverem uma bola, alguns amigos e um jardim onde jogarem. Não percam uma oportunidade de suar. O suor é sempre bom, a menos que se sue por dinheiro. Fumem. Fumem muito. Os dentes castanhos são melhores do que os brancos. Melhor do que os dentes castanhos só não ter dentes nenhuns mas ter quem nos corte maçãs e queijo da ilha aos bocados pequeninos. Que se foda o Hemingway.

Miguel Martins em Resumo: a poesia em 2011