segunda-feira, 30 de novembro de 2015

OS IDOS DE NOVEMBRO DE 1975


30 de Novembro de 1975

Lentamente os dias vão regressando à sua normalidade.

Em Lisboa, os jornais voltaram às bancas e aos pregões dos ardinas.

Além do diário República, saem os semanários Avante, e O Jornal e também foi autorizada a saída da imprensa estatizada.

Neste domingo, ocorreram, no Palácio de Belém, audiências concedidas pelo Presidente da República General Costa Gomes, aos partidos políticos.
A agenda das audiências era constituída por três pontos, segundo os quais os partidos deviam apelar aos seus militantes e simpatizantes no sentido de procederem, voluntariamente, a entrega das armas que tivessem em seu poder, bem como de postos emissores clandestinos; impedir que nso próximos dias, tivessem lugar manifestações públicas que pudessem contribuir para alterar a ordem pública; e, por fim estimular o aumento da produtividade, concorrendo para desencorajar quaisquer propósitos grevistas.

Ao abrigo do decreto-lei nº 674-A/75, publicado no dia 29 de Novembro, realizaram-se diversas operações militares com vista à localização e apreensão de armas, na posse de civis, e que tinham sido desviadas de unidades militares.

O Estado-Maior-General das Forças Armadas, em comunicado,  afirma que não têm qualquer fundamento as notícias postas a circular da existência de mandatos de captura para militantes do P.R.P. e do M.E.S.

Os corpos dos dois comandos, abatidos no confronto com a Polícia Militar, encontram-se em câmara ardente na Basílica da Estrela.

Os funerais estão marcados para amanhã.

Fontes:
- Acervo pessoal

MORREU O ASSIS COMO É DO CONHECIMENTO PÚBLICO, COMO JÁ TINHA MORRIDO O ESTEVES DA LEITARIA, O O' NEILL DA SEDA CHINESA EM FEIRA DE CIGANO


Borrifava-se nas editoras e publicava livros, pagos do seu bolso, que oferecia aos amigos

Conheci-o no Diário de Lisboa e voltámos a encontrar-nos no República.

Como disse Joaquim Manuel Magalhães, poeta e crítico literário:

O Fernando Assis Pacheco de que eu gosto tem a obra publicada bem longe dos empórios editoriais cuja distância do poder económico é um acto cultural defender (Centelha, Inova); ou então entregues a esse prazer da auto-publicação lateral, através de opúsculos passados a stencil e quase que difundidos de mão em mão; ou mesmo em ignorados jornais de província.

No República e no semanário O Jornal alimentou secções de recensão de livros, nada de crítica, apenas divulgar o que ia saindo das editoras, lembretes.

Se este seleccionista tivesse o sangue-frio e a quietude táctica de um lagarto dos muros, levava bem melhor a sua cruz semanal ao calvário do fotocomposição: Mas ele é um bicho de entusiasmos: fala alto, escreve a traço grosso, chateia meio mundo quando descobre, fresco ainda dos preços, «o livro». Eis, de seguida, alguns exemplos do ano que vai terminar, com o pedido expresso de que não veja neles o rigor da ordem.

No República chamou-lhe PRONTUÁRIO DAS LETRAS:


Em O Jornal chamou-lhe BOOKCIONÁRIO:


Escreveu livros.

Prontuou e bookcionou os livros de outros.

A morte só lhe poderia marcar encontro numa livraria.

Foi há 20 anos, num findar de Novembro, tal como escreveu Vasco Graça Moura deixou em poema:

com Novembro a findar morreu fernando
assis Pacheco numa livraria,
entrava nela sempre que podia
a ver as novidades e foi quando
de ensaios ou romance ou poesia
alguns volumes ia folheando
que o coração então lhe vacilando
lhe emudeceu a escrita nesse dia


Ou ainda Manuel Alegre:

Não sei se alguma vez nós voltaremos
da guerra onde deixámos partes d’alma.
As minas ainda estão a rebentar
trazemo-las por dentro e ninguém pode
desarmá-las.
A última foi a de Fernando Assis Pacheco
não em Zala ou Balacende nem Quilolo
mas numa pacata livraria de Lisboa
às onze da manhã
essa hora fatídica da emboscada.

Não me venham dizer que foi enfarte
ou acidente cardiovascular. Eu sei
que foi a mina

armadilhada no coração.

Nota do Editor: 
O título é tirado de uma prosa que o jornalista Rogério Rodrigues escreveu na morte do Fernando Assis Pacheco morreu,

domingo, 29 de novembro de 2015

POSTAIS SEM SELO


Ouso ser simples como o pão e a água.

António Ramos Rosa em Respirar a Sombra Viva

OS IDOS DE NOVEMBRO DE 1975


29 de Novembro de 1975

O Estado-Maior-General das Forças Armadas, em comunicado, incita a população a descobrir o paradeiro do Capitão Fernandes.


O Almirante Rosa Coutinho demite-se do Conselho de Revolução por entender que, face à contestação que sofre de certos políticos, a sua permanência poderá dificultar a respectiva aceitação geral.

Por decisão do General Costa Gomes, foi nomeado para o cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada o contra-almirante Augusto Souto Silva da Cruz, que substitui o contra-almirante Filgueira Soares.

Em Lisboa, pelo quarto dia consecutivo não há jornais.

Uma onda de boatos e de notícias desencontradas e contraditórias, espalha-se pela cidade.

O Estado-Maior-General das Forças Armadas emite um comunicado:


O ministro da Administração Interna, em nota oficiosa, dá ordem de despejo ao M.E.S. – Movimento de Esquerda Socialista, das instalações que vinha utilizando como sede  e que, no tempo da ditadura, fora sede da ANP – Acção Nacional Popular.

O Presidente da República, acompanhado por Pinheiro de Azevedo, Vasco Lourenço e Melo Antunes, dirigiu-se ao Regimento de Comandos da Amadora para enaltecer a actuação daquele grupo militar durante os acontecimentos de 25 de Novembro.

No seu discurso, Jaime Neves, mostra-se descontente.

O Regimento de Comandos, nesta altura, ainda não se encontra satisfeito. Pensa que há muito mais a fazer e está firmemente determinado a ir até ao fim. O meu general pode contar com ele para ver o povo português satisfeito de uma vez para sempre.

Calcula-se que no Forte Militar de Custóias, estejam detidos cerca de 120 oficiais das Forças Armadas, pretensamente envolvidos no 25 de Novembro.

Os detidos reclamam da situação de incomunicabilidade em que se encontram, da qualidade da alimentação, do estado das celas prisionais e a impossibilidade de terem um banho diário.

O Estado-Maior-General das Forças Armadas reconhece que as instalações são deficientes e encontram-se um tanto deterioradas, reconhece ainda que não existem sanitários privativos e que apenas pode assegurar aos detidos, a possibilidade de banho duas vezes por semana.

É levantado parcialmente o «estado de sítio» na área da Região Militar de Lisboa.

Fontes: 
- Acervo pessoal.

Legenda: capa do livro Portugal Nem Tudo Está Perdido da autoria do Capitão Fernandes, Edições Ulmeiro, Lisboa, Abril 1976.

ALMANAQUE


Quando, a propósito do editor Figueiredo Guimarães, lembrei a revista Almanaque, estava longe de imaginar que a ela, tão cedo, voltaria.

E por boas razões.

Acontece que, ontem, já a noite ia larga, li no Tempo das Cerejas que o Público publicara, na quinta-feira, a edição fac-simile do 1º Número da Almanaque.

Hoje, corri ao Kioske do Abdul a tempo de apanhar um exemplar da revista.

Correndo atrás da Karen Blizen, vou escrever:

Eu tive exemplares da Almanaque…


Falava do Parque Mayer, do que em redor havia, e garatujei:

Lembro-me que havia um alfarrabista à direita, logo que se entrava no parque, onde comprávamos aqueles livros distribuídos pela Agéncia Portuguesa de Revistas que metiam histórias do FBI e outras cowboyadas e que, juntamente com Salgaris Walter Scotts, Júlios Verne, ajudaram, alguns de nós, a criar hábitos de leitura.
Nesse alfarrabista, uns anos mais à frente, comprei, por tuta e meia, uma mão cheia de Almanaques, mais tarde emprestados ao Carlos Alberto.
A Almanaque foi uma revista mensal, o primeiro número saíu em Outubro de 1959, o último em Maio de 1961, e tinha como chefe de redacção José Cardoso Pires (A minha ideia era fazer uma revista que não respeitasse ninguém e fosse o mais sacana possível), que, entre whiskadas e cigarradas, dirigia uma equipa composta por Alexandre O’Neill, Luís Sttau Monteiro, Augusto Abelaira, José Cutileiro, Baptista-Bastos, Vasco Pulido Valente, com grafismo de Sebastião Rodrigues, mais tarde de João Abel Manta.
Não mais tive notícias do Carlos Alberto e, naturalmente, dos Almanaques também não.


Talvez um duplo do Carlos Alberto…

Alguém escreveu, ou disse, que não se devem emprestar nem mulheres, nem livros.

Porque as mulheres voltam sempre os livros é que não.

A capa da Almanaque está aí em cima e fica também a Nota de Abertura escrita, com fino humor, por Figueiredo Magalhães:

OLHAR AS CAPAS


Memória de Elefante

António Lobo Antunes
Colecção O Chão da Palavra
Editorial Veja, Lisboa, s/d

    São cinco da manhã e juro que não sinto a tua falta. A Dóri está lá dentro a dormir de barriga para cima, de braços abertos crucificados no lençol, e a dentadura postiça, descolada do céu da boca, avança e recua ao ritmo da respiração num ruído húmido de ventosa. Bebemos ambos a aguardente da cozinha pelo púcaro de folha, sentados nus na cama que o gás de guerra tornou inabitável carbonizando até as folhas estampadas das fronhas, escutei-lhe as confidências prolixas, enxuguei-lhe o choro confuso que me tatuou o cotovelo de um arbusto de rímel, puxei-lhe o cobertor até ao pescoço à laia de um sudário piedoso sobre um corpo desfeito, e vim para a varanda arrancar os dejectos endurecidos dos pássaros. Está frio, as casas e as árvores nascem lentamente do escuro, o mar é uma toalha cada vez mais clara e perceptível, mas não penso em ti. Palavra de honra que não penso em ti. Sinto-me bem, alegre, livre, contente, oiço o último comboio lá em baixo, adivinho as gaivotas que acordam, respiro a paz da cidade ao longe, desdobro-me num sorriso feliz e apetece-me cantar. Se eu tivesse telefone e me telefonasses agora deverias encostar cuidadosamente o auscultador à orelha numa expectativa de búzio: através das espiras de baquelite, vindo de quilómetros de distância, desta varanda de betão suspensa sobre o fim da noite, terias, juntamente com o eco do meu silêncio, o vitorioso eco do meu silêncio, o piano amortecido das ondas. Amanhã recomeçarei a vida pelo princípio, serei o adulto sério e responsável que a minha mãe deseja e a minha família aguarda, chegarei a tempo à enfermaria, pontual e grave, pentearei o cabelo para tranquilizar os pacientes, mondarei o meu vocabulário de obscenidades pontiagudas. Talvez mesmo, meu amor, que compre uma tapeçaria de tigres como a do Senhor Ferreira: podes achar idiota mas preciso de qualquer coisa que me ajude a existir.

PORQUE HOJE É DOMINGO


Na passada quinta-feira morreu Beatriz da Conceição, uma das grandes senhoras do Fado.
Tinha 78 anos.
Neste domingo recordo-a numa das suas mais sentidas interpretações: O Meu Corpo, poema de José Carlos Ary dos Santos para música de Fernando Tordo.


Meu corpo, é um barco sem ter porto
Tempestade no mar morto
Sem ti
Teu corpo, é apenas um deserto
Quando não me encontro perto
De ti

Teus olhos, são memórias do desejo
São as praias que eu não vejo
Em ti
Meus olhos, são as lágrimas do tejo
Onde eu fico e me revejo
Sem ti

Quem parte de tal porto nunca leva
As saudades da partida
E as amarras de quem sofre
Quem fica é que se lembra toda a vida
Das saudades de quem parte
E dos olhos, de quem morre

Não sei, se o orgulho da tristeza
Nos dói mais do que a pobreza
Não sei...
Mas sei, que estou pra sempre presa
À ternura sem defesa
Que eu dei

Sozinha, numa cama que é só minha
Espero teu corpo que eu tinha
Só meu
Se ouvires o chorar duma criança
Ou o grito da vingança
Sou eu

Sou eu, de cabelo solto ao vento
Com olhar e pensamento
No teu
Sou eu, da raiz do pensamento
Contra ti e contra o tempo
Sou eu

sábado, 28 de novembro de 2015

POSTAIS SEM SELO


Quando eu tinha dez anos o meu velho já não jogava boxe; chupava rebuçados peitorais do Dr. Bayard e treinava os amadores do Académico.


António Lobo Antunes em Livro de Crónicas Vol. I

QUOTIDIANOS


Quando vejo que estão a bater mito no ceguinho, fico ruim e dá-me para ficar solidário. Por isso fui inscrever-me no Partido Comunista Português. Já sei de antemão que não vou ser militante de coisa nenhuma, que não tenho feitio para andar em reuniões, nem em comícios. Quanto às quotas, minha mulher que é militante, liquidá-las-á a tempo, a fim de não passar por caloteiro. Saio a meu avô Anselmo que se inclinava sempre par o partido da minoria.

(Novembro de 1975)

Cristóvão Aguiar em Relação de Bordo

OS IDOS DE NOVEMBRO DE 1975


28 de Novembro de 1975

Natália Correia em Não Percas a Rosa:

À meia noite uma última badalada varre os ruídos da cidade.
O estado de emergência não foi considerado suficiente para a gravidade da situação militar e o estado de sítio passa a vigorar na Região Militar de Lisboa
O silêncio exaspera. Estamos sem jornais. Lacónicos comunicados informam espaçadamente a nossa ansiedade. O mais angustiante é que dessas escassas informações não conseguimos concluir se estamos ou não numa guerra civil
Este nosso país é realmente prodigiosos androginato do positivo e do negativo: um Governo em greve. O céu de Lisboa abanado por safanões de caças. Reencontros militares que decorrem num mundo paralelo, invisível. As notas oficiosas noticiam que as bases aéreas vão sendo abandonadas pelos rebeldes.

São emitidos mandados de captura para o Coronel Varela Gomes e Capitão Duran Clemente.

O Conselho da Revolução decide suspender as negociações pendentes sobre a contratação colectiva até à adopção de uma nova política salarial.

Durante a tarde soube-se que, na estação da Amadora, foi mortalmente atingido um membro da F.E.C. (ml). Os comandos dispersavam vários populares que se juntavam para adquirir uma edição clandestina do Luta Popular, órgão informativo do M.R.P.P.

O Conselho da Revolução demite todos os membros dos conselhos administrativos, dissolve os órgãos e corpos sociais, incluindo as assembleias gerais, administrações, conselhos fiscais, direcções e conselhos de redacção dos seguintes órgãos estatizados: O Século, Diário de Notícias, A Capital, Diário de Lisboa, Diário Popular.

Nove dias depois de suspender a sua actividade, o Conselho de Ministros considerou estarem reunidas as condições necessárias para o desempenho da sua missão e, sobre a presidência de Pinheiro de Azevedo, voltou a reunir.

O Primeiro-Ministro, através da R.T.P., fala ao país e, a terminar, diz:


É anunciado o início do inquérito aos acontecimentos do 25 de Novembro.

Vergílio Ferreira no seu Conta-Corrente:

A rádio transmite «folclore» português, dizendo com alegria que há muito não era transmitido. Limpeza geral nas redacções e administrações de jornais estatizados. Iremos  enfim respirar?
Não creio viável a  «democracia». Talvez uma ditadura no género Boumedienne ou Alvarado, como aliás imaginei logo no artigo «Dois meses de revolução».  Mas que sei eu de Alvarado e Boumedienne? Só o que sei é que não posso mais com esta bandalheira.

Fontes: 

-Acervo pessoal.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ONTEM, CAVACO TOMOU POSSE DA SUA IDA EMBORA


O tom intratável não foi bonito porque o assunto era nosso, país em crise e confuso que merecia cortesia. Mas o tom tinha justificações e ele próprio as deu: este governo eu não o quero, só o tolero porque não tenho alternativa e vou tê-lo debaixo de olho! Eis o Presidente, ontem. Compreende-se a indisposição. Mas de quem a culpa de não procurar novo governo? Dele, pois os prazos estão esgotados para marcar novas eleições... Então, porque não pensou nisso quando marcou as anteriores tão tarde e sem tempo de retificar com outra ida às urnas? É que o resultado geral de 4 de outubro nem foi surpresa, foi mesmo o mais provável: nenhum dos dois candidatos a governar, Passos e Costa, teve maioria absoluta. Decorria desse facto esperado que seria prudente arranjar uma almofada à crise. António Costa perante a tal probabilidade de não haver maioria absoluta, já antes da campanha eleitoral foi dizendo que não desdenhava alianças com ninguém - e, de facto, ele procurava alternativa ao beco. Já Cavaco Silva meteu-nos a todos num problema - e com ele sem mestria para o resolver. Costa assume-me político e talvez seja bom porque encontrou uma solução para Portugal. Cavaco diz sempre que não é político, mas é-o, há 35 anos, e mau, e comprou uma azia para ele. Agora estrebucha com arreganhos que são só conversa. A política às vezes é como a natureza que gosta de simetria: a dois meses sem governo vão seguir-se dois meses sem Presidente.

Ferreira Fernandes, hoje, no Diário de Notícias.

OS IDOS DE NOVEMBRO DE 1975


27 de Novembro de 1975

Face aos acontecimentos, começam a movimentar-se forças que exigem a ilegalização do Partido Comunista, bem como dos partidos da extrema esquerda.

Antes de qualquer tentativa do começo de uma caça às bruxas, o Major Melo Antunes, numa curta intervenção, transmitida pela RTP, exprimiu que o Partido Comunista é fundamental para a construção do Socialismo.

A afirmação caíu muito mal entre elementos do poder político e militar.

Nunca lhe perdoaram!

Para se ter ideia do que se ia passando, é imprescindível voltar ao livro de José GomesMota:

A revolta agonizava às mãos do Grupo Militar do Movimento que com eficiência e um patriotismo notáveis conduzia todas as operações militares.
Desejo, muito vivamente, realçar o sentido patriótico de actuação do Grupo Militar, que não cedendo a quaisquer tentações de exibicionismo sufocou a revolta sem matar a revolução!
É que se o Grupo Militar se tem deixado arrastar para as retaliações que tantos lhe sugeriam, teria sido impossível evitar a violência de determinados confrontos, inevitavelmente o rastilho para quaisquer acções de terrorismo.
  

Nota oficiosa do Estado-Maior das Forças Armadas:


São enviadas para a Prisão de Custóias, alguma dezenas de militares detidos por participação na tentativa de golpe.

Entre eles estão o major Dinis de Almeida, o capitão faria Paulino, o capitão-tenente Marques Pinto.

Os generais Carlos Fabião. Chefe do Estado-Maior do Exército, e Otelo Saraiva de Carvalho, comandante da Região Militar de Lisboa e do COPCON, apresentaram pedidos de demissão dos cargos que desempenhavam, que foram aceites.

O cargo de Chefe de Estado-Maior do Exército passa a ser desempenhado, interinamente, pelo Tenente-Coronel Ramalho Eanes, enquanto o cargo de comandante da Região Militar de Lisboa é desempenhado por Vasco Lourenço.

O COPCON é integrado no EMGFA

Os pára-quedistas de Tancos são passados à disponibilidade.

Fontes:

- Acervo pessoal.

O GRAÇA



Andando a folhear livralhada, fui dar a um livro que é uma conversa do Baptista-Bastos, em Lanzarote, com José Saramago.

Esta fotografia de dois homens, dedicadíssimos amigos e camaradas, é tirada de lá.

Pela sua claridade, a fotografia não se presta a uma boa digitalização.

Mas é uma fotografia que considero muito bonita.

Bonita pela conversa, interessantíssima, certamente, que estavam a ter, com uma garrafa de whisky Ballantines, no canto direito, em cima de uma cadeira.

Hoje, passam 21 anos sobre a morte de Fernando Lopes Graça e fui buscar estas palavras de Saramago sobre a morte do Graça, o amigo do coração.

Na entrada que colocou no 1º volume dos Cadernos de Lanzarote, dois dias depois da morte, de Lopes-Graça, José Saramago escreveu:

 Morreu o Fernando Lopes-Graça. Telefonaram hoje da TSF, muito cedo, para pedir-me, como depois verifiquei no gravador, o cumprimento desse dever mediático a que se dá o nome de depoimento. Deixaram números de telefone, mas não liguei. Por pudor acho eu. E agora acabo de saber, por Carmélia, que o Graça morreu sozinho. Creio que esta última solidão me doeu mais ainda que a própria morte. Não vai faltar quem diga que o Lopes Graça morrendo aos 88 anos, tinha vivido já a sua vida. Como frase de consolação, talvez sirva para quem se satisfaça com o que lhe foi dado. Por mim, penso que nunca acabamos de viver a nossa vida.

Nesse dia, José Saramago não ligou para a TSF, mas dias depois, escreveu um depoimento para o JL, que também pode ser lido nos Cadernos:

Morreu o querido Graça, o amigo do coração, o camarada fidelíssimo e leal. Tudo isso acabou. Sim, já sei, a recordação, a memória, a saudade, a lembrança. Essas coisas duram, de facto, mas porque duram, cansam. Um dia destes a evocação de Lopes-Graça só causará uma leve mágoa, que disfarçaremos contando uma das sua mil vezes repetidas anedotas. Buscaremos então o Graça onde ele verdadeiramente sempre esteve: nos seus livros, de uma linguagem puríssima que poderia servir de lição a escritores, principiando por este; nos seus discos, mas também nas salas de concerto, que não lhe abriram tanto quanto deveriam enquanto viveu. O homem acabou, não podemos pedir-lhe mais nada, mas a obra aí ficou, à espera do que sejamos capazes de pedir a nós próprios. O justo juízo vem sempre depois, quase sempre tarde de mais. Talvez seja essa a causa do amargor de boca que sinto ao terminar estas linhas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

POSTAIS SEM SELO


E aí volto àquela noite, que volto a não ter pejo de achar que não é para celebrar. Alguns anos volvidos, pergunto-me à esquerda também moderada, terá sido um acto legítimo a interrupção do galhofeiramente nomeado PREC? Terá valido a pena, a não conciliação dentro daquele terreno, que, fosse para onde fosse, não deixava de galvanizar grandes massas de trabalhadores, muitos intelectuais, muita gente honesta hoje marginalizada? Porque não é mais possível, na memória comovida ou irritada de todos nós, dizer que o que estava sendo era instrumentalizado por Moscovo.
Para falar com franqueza, a memória que tenho é que Moscovo seguia com com tanta atenção, não só a questão portuguesa, como, honra lhe seja a este, as andanças, folestrias e experimentações do próprio PCP. Quase até ao fim.


Maria Velho da Costa em Mapa Cor de Rosa

ESTRAGARAM TUA FESTA, PÁ!


Tanto Mar (Versão de 1978)
Letra e Música de Chico Buarque de Holanda:

Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto do jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Canta a Primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim




OS IDOS DE NOVEMBRO DE 1975


26 de Novembro de 1975

O dia seguinte

Rodrigues da Silva, jornalista do Diário Popular:

Algures, numa dobra da história, alguma coisa falhou, algum erro se cometeu. Seria altura de saber, onde, como, porquê. Mas talvez seja demasiado tarde…

O 25 de Novembro é o fim da revolução. Acabou para mim… Uma coisa que eu não suportava era ouvir dizer que a revolução continuava depois do 25 de Novembro. Isso não. Não se engana o povo. Porque eu acho que é uma coisa inadmissível enganar o povo. E se algumas vezes me irritei com o Partido Comunista uma das razões foi essa. Eu percebia qual era a intenção, mas achava que era um desrespeito pelas pessoas. Era preciso não deixar as pessoas desanimar… é verdade… mas também dizer-lhes que a revolução continuava…
Quando era evidente, depois do 25 de Novembro, que tinha acabado a revolução.


Foram longe de mais. Nem um mês, nem um ano, nem um século decorrerão sem que vos roa um a um as entranhas e pague com a pior peste a ousadia de cercar-me à traição, de limitar-me a voz, os acessos, a vida. Pela voz de todos os que aqui feneceram de excessos e ardores, os meus poetas, os meus desmesurados de sempre, os meus cidadãos da aventura, os grandes viajantes, eu vos amaldiçoo. Um por um vos hei-de corromper do desastre lento, da aventura adiada. Eu não sou a cidade de origem, eu sou a tomada da na ida, a reconquistada dez mil vezes com um farnel e um saco de pano, a donde se vem mudar a vida, a nossa. Vocês pagam. Esta é uma maldição lançada aos reles da ressurreição da minha história. As minhas janelas hão-de abrir-se de novo a escarnecer usurpadores a soldo, a cuspir-vos para esse país de rezas e mesinhas sem luz nem ar onde conservais os vossos trastes e cagais sentenças e ditadores em nome do bom senso. Eu sou a cabeça da terra dos que mais tentam a morte que tal sorte. Eu duro da aventura desventurada, o menor mal. Vocês pagam.

A declaração do estado de emergência, proibia a publicação de jornais na região de Lisboa, bem como a distribuição e venda, na área do Governo Militar de Lisboa, de jornais de outros pontos do país.

Os jornais só voltarão às bancas no dia 1 de Dezembro.

A informação ao país processava-se através dos estúdios do Porto da RTP e da Emissora Nacional.


Até deliberação em contrário do Conselho da Revolução, manter-se-á a proibição da publicação de jornais na área da Região Militar de Lisboa. Esta proibição não abrange os jornais desportivos.

De uma ma outra nota oficiosa:

A pedido de muitos trabalhadores que necessitam de movimentar-se antes das seis horas, o Conselho da Revolução alterou o período de recolher obrigatório, que passou a ser entre as zero e as cinco horas.

De uma posterior nota oficiosa:

A proclamação do estado de sítio na área da Região Militar de Lisboa inclui restrições aos direitos de reunião, manifestação e expressão.

Às três horas da madrugada, o comando do Regimento da Polícia Militar informava que os comandos tinham chegado à zona e dispersado as massas populares que se encontravam frente ao quartel, recorrendo a granadas de mão.

Um oficial da Polícia Militar em contacto telefónico com um jornalista do Diário Popular, desabafou:

Fomos traídos até ao tutano! Foi uma traição! Foi uma traição!

Dos incidentes ocorridos junto ao Quartel da Polícia Militar, o Estado-Maior-General da Forças Armadas, informava em comunicado, que se verificou, segundo tudo indica alvejados pelas costas  por civis armados, a morte de um oficial e um sargento dos comandos,

Ao começo da tarde, um veículo, segundo fonte oficial, terá desobedecido à intimidação de parar e foi atingida a tiro de metralhadora pelos Comandos.
Segundo a mesma fonte, os comandos teriam apontado para os pneus mas acabaram por atingir mortalmente a acompanhante da condutora do veículo.

Por determinação do Presidente da Republica, cerca das 5 horas, o major Dinis de Almeida, comandante do RALIS, apresentou-se, no Palácio de Belém, tendo-lhe sido dada ordem de prisão.

Já madrugada alta, o Estado-Maior-General das Forças Armadas emite um comunicado dando conta dos acontecimentos verificados durante o dia.

No comunicado é realçada a actuação exemplar do Regimento de Comandos, que, com a maior eficácia, serenidade e mais completa abnegação revolucionária. Respeitaram e cumpriram as ordens dos seus superiores.

Fontes:

-Acervo pessoal.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


OLHAR AS CAPAS


Cartilha do Marialva

José Cardoso Pires
Editora Ulisseia, Lisboa, Maio de 1966

Vê-se agora que já não são apenas as condenações libertinas e o liberalismo marialva. É o tempo - tempo histórico, medido nas formas científicas e concretas a que obriga a convivência das nações no mundo actual.
E esse tempo previram-no os libertinos de melhor fibra quando souberam retirar-se da cena, depois de terem feito triunfar o espírito citadino e de o reconhecerem inadaptável às sociedades do novo século. Previu-o Saint Just quando desafiou a lei provinciana ao anunciar que a felicidade era possível na Terra.

CAPAS DA ULISSEIA


São muitos os livros da Ulisseia que fazem da parte da biblioteca da casa.
A maior parte a aguardar entrada na janela de Olhar as Capas.
Aqui ficam algumas das capas dos livros que Joaquim Figueiredo Magalhães fez publicar na Editora Ulisseia.
Muitos deles nunca traduzidos.
Tradução de Helder de Macedo, Prefácio sobre o autor de José Cardoso Pires, capa de Rocha de Sousa
No prefácio, Cardoso Pires, manifesta o seu fascínio pela escrita de Vailland e exalta a figura do libertino a que voltará em A Cartilha do Marialva também publicado pela Ulisseia.


Tradução de José Blanc de Portugal, Capa de António Garcia. 

                                                 


Tradução de Carlos Vieira, Capa de António Garcia


Tradução de Virgílio Martinho, Capa de Espiga Pinto


Tradução de Serafim Ferreira, Capa de Sebastião Rodrigues


Colecção Atlântida nº10, Capa de Vespeira

V.S.T. & ETC


Hoje, contam-se pelos dedos – devem sobrar dedos… - os editores que, no nosso país, amam verdadeiramente os livros que fazem.

Claro que sabem da importância do dinheiro, mas não é o vil metal que lhe faz mover os passos.

Muitos desbarataram fortunas nessa paixão.

Joaquim Figueiredo Magalhães foi um desses homens, um verdadeiro patriarca da edição.

Os editores falham ou porque são dedicadamente editores e não são administradores, ou porque são friamente administradores e não têm alma de editores, disse a Catarina Portas.

Aquando da sua morte, o insuspeito Vitor Silva Tavares disse que tinha sido um dos melhores editores do Século XX, desenvolvendo um trabalho notabilíssimo.

Catarina Portas escreveu no Público:

Sempre acreditei que a morte não teria coragem de se aproximar dele. Mas, afinal, também ela não lhe resistiu. Aos 92 anos, desapareceu Joaquim Figueiredo Magalhães, o primeiro grande editor moderno português. Ele era o homem mais vivo que jamais conheci. Maravilhosamente culto, espantosamente audaz, loucamente imaginativo e, para usar uma das suas expressões favoritas, altamente divertido, este homem era também, em igual medida, justo e generoso. Todos aqueles que gostam de livros lhe devem mais do que sabem.

Em 1950. Joaquim Figueiredo Magalhães, abre a sua primeira editora: a Empresa Editora Édipo, Ldª, sediada na Travessa do Noronha nº 30 e lança a Colecção Escaravelho d'Ouro com periodicidade mensal.


Os nossos intelectuais, na altura, entendiam que a literatura policial era secundária, de fancaria. Mas há livros notáveis: o Chandler, o Dashiel Hammet, a Agatha Christie, o Simenon, o Maurice Leblanc, fui eu que os editei.


Este é o único exemplar da Colecção Escaravelho d'Ouro que tenho, um livro de Raymond Chandler, À Beira do Abismo, editado em Abril de 1951, com tradução de Baptista de Carvalho e capa de Rosa Duarte.

Para garantir o sucesso da colecção, Figueiredo Magalhães, elaborou um plano de lançamento que culminava com a oferta de viagens aos locais que serviam à trama policial de cada história, ou o chamado «local do crime».

Estes são os livros com a indicação das respectivas viagens:


A campanha de lançamento chegou ao ponto de, num jogo internacional no Jamor, o editor mandou fazer chapéus para o sol que tinham escrito Três igual a Um. Compre! e até pôs um avião no ar com os dizeres Três Igual a Um.

A compra de À Beira do Abismo possibilitava uma viagem a Monte Carlo.  

Na contra capa são apresentadas as companhias que apoiavam a viagem:



Com os lucros da Escaravelho d'Ouro, Joaquim Figueiredo Magalhães, lança, dois anos mais tarde, a Editora Ulisseia.

O primeiro livro publicado é A Famosa Arte da Imprimição, de Américo Cortês Pinto.

A obra, acabada de imprimir na véspera de Natal, tem capa e capitulares de Manuel Rodrigues e é ilustrada com gravuras do pintor Lino António.

Trata-se de um belíssimo livro que vem da Biblioteca do meu pai.



Achei que devia iniciar a actividade com um pleito à arte da edição.

Na Ulisseia chamou para seus colaboradores Branquinho da Fonseca, Adolfo Casais Monteiro, Mário Henrique-Leiria, Jorge de Sena, José Blanc de Portugal, João Gaspar Simões.
Reuniam-se nas tardes de sexta-feira com uma garrafa de whisky para comentar os livros, trocar as revistas literárias estrangeiras que assinava, assinalar possíveis problemas com a censura, decidir tradutores.

Escolhi escritores como tradutores porque eram homens que sabiam português. É que se eu quisesse alguém que soubesse línguas, entregava as traduções ao porteiro do Avenida Palace que sabia oito idiomas, só não sabia era português. Mas também preferia os escritores porque gostavam do que traduziam, traduziam por gosto." E pagava bem as traduções, não se esquecendo de, em cada reedição, enviar um cheque, tanto a tradutores como capistas, no valor de um terço dos honorários iniciais.

Aos escritores portugueses, propôs desde logo um negócio inédito. Decidiu pagar os mais altos direitos de autor do mercado, 20 por cento do preço de capa, e adiantava mensalmente uma parcela dessa verba para que pudessem escrever em paz. Editou José Cardoso Pires, Vergílio Ferreira, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, David Mourão-Ferreira.

Eu estava muito bem colocado entre os jesuítas, a censura e os comunistas. A dada altura, entregava traduções a presos políticos em Peniche e em Caxias, justificando à censura que "sempre é preferível estarem a trabalhar do que a conspirar... E assim as famílias sempre recebiam algum". Pois nem a censura lhe conseguia resistir, publicou 14 livros proibidos.


Em 1959, Joaquim Figueiredo Magalhães, resolve lançar uma revista, oAlmanaque, cujas 18 capas de Sebastião Rodrigues e de Abel Manta são pura antologia da história do design gráfico português. Cardoso Pires, José Cutileiro, Sttau Monteiro, Alexandre O'Neill ou Augusto Abelaira são dos mais assíduos, mas a revista conta com as colaborações de Alexandre Pinheiro Torres, Baptista-Bastos, Francisco Mata. Irene Lisboa, Almada Negreiros, Sophia de Mello Breyner.

Sem ele e sem o lugar livre e alegre que ele criou na cultura portuguesa, o regime paroquial e bronco de Salazar teria sido para muita gente muito mais pesado, escreveu Vasco Pulido Valente que também colaborou no Almanaque.

Em 1972, Figueiredo Magalhães, decide vender a Ulisseia.

É aqui que entra a história de Livros Entre Bacalhau, Azeite e Vinho a Martelo.

Vitor Silva Tavares diz que, com a saída de Figueiredo Magalhães a Ulisseia tinha ficado sem cabeça, e é ele que, à frente da Ulisseia, com novos projectos, faz renascer toda a qualidade que era apanágio da editora.

Fundei uma colecção muito bonita, ainda hoje gosto muito dela, “Poesia e Ensaio”. O Magalhães tinha a colecção dos sucessos literários, com os romances; tinha a colecção dos Documentos Sociológicos e Políticos; era a Ulisseia que publicava os livros da Pelikan. Mas não tinha Poesia e Ensaio. E até nessa colecção houve logo livros apreendidos. Desde “Feira Cabisbaixa” do Alexandre O’Neill a uma antologia da poesia portuguesa do pós-Guerra, até casos mais graves. 

Entretanto Figueiredo Magalhães quis fazer uma companhia de aviação, depois um negócio de importação aérea de marisco de Cabo Verde para a Europa, a meias com Champalimaud. Tudo falhou. Quis comprar a Ulisseia de volta, mas a Verbo não acedeu. Fundou então a Meridiano para editar livros para a Gulbenkian, passou como director literário pela Bertrand na revolução, fundou finalmente a Convergência, que manteve até quase ao fim, no Chiado.

Quando fiz oitenta anos, decidi que era tempo de começar uma nova etapa na minha vida. E é por isso que ando a pensar em mudar a editora para uma sociedade só de mulheres. E não faço de sultão porque já não tenho idade para isso.

Chegou a contactar Catarina Portas para esse projecto.

Outra das sócias seria sua mulher, Rosa Lobato Faria, para além de duas moças novas.

Morreu no dia 26 de Novembro de 2008.

Fontes:
Figueiredo Magalhães- O Homem da Ulisseia, texto de Ricardo Machaqueiro, publicado na revista Ler nº 44 Inverno 1999.
O Último Livro da Ulisseia s.f.f. de Catarina Portas texto publicado noPúblico de

Legenda:
Fotografia de João Francisco Vilhena, publicado na revista Ler nº 44
O exemplar doaAlmanaque foi tirada da net.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

POSTAIS SEM SELO


Foi melhor assim? Evitou-se a guerra civil, o sangue, a ruína, a ameaça às instituições? Não se evitou a corrupção, não se evita a inoperância dos partidos, não se evita a apagada e vil tristeza da coisa pública que, depois, como depois de todo o reunir de energias profundas coarctado, é pior. Evitou-se a aventura. Evitou-se a sujeição internacional, a carência dos mais carentes, o aventureirismo político? Evitou-se uma crise grave. Não se evitou uma crise grave e baixa.
São palavras. Também a constituição, redigida por uma Assembleia livremente eleita. São palavras. Restituir ao povo português a dignidade… esqueci o conteúdo global. Esquecemos.

Maria Velho da Costa em OMapa Cor de Rosa

ESTRAGARAM A TUA FESTA, PÁ!


Eu Vim de Longe, Eu Vou Pr'a Longe

Letra e Música de José Mário Branco

Quando o avião aqui chegou
Quando o mês de maio começou
Eu olhei para ti
Então eu entendi
Foi um sonho mau que já passou
Foi um mau bocado que acabou

Tinha esta viola numa mão
Uma flor vermelha n´outra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a fronteira me abraçou
Foi esta bagagem que encontrou

Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei p´ra´qui chegar
Eu vou p´ra longe
P´ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p´ra nos dar

E então olhei à minha volta
Vi tanta esperança andar à solta
Que não exitei
E os hinos cantei
Foram frutos do meu coração
Feitos de alegria e de paixão

Quando a nossa festa s´estragou
E o mês de novembro se vingou
Eu olhei p´ra ti
E então entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou

Tinha esta viola numa mão
Coisas começadas noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a espingarda se virou
Foi p´ra esta força que apontou

OS IDOS DE NOVEMBRO DE 1975


25 de Novembro de 1975.

Cerca das 2 e 30 da madrugada, quatro chaimites dos comandos da Amadora chegam ao Palácio de Belém. Duas delas bloqueiam a Calçada da Ajuda. O comandante da Polícia Militar, Campos Andrada, contacta o Regimento de Comandos sendo-lhe respondido que aquela força estava a cumprir ordens do Presidente da República. Pedidas explicações para a Presidência da República, é confirmado que as chaimites estavam à ordem do Presidente da República, mas que tinha havido uma má interpretação e iriam regressar imediatamente

O Conselho da Revolução, ao fim de oito horas de reunião em Belém, decidiu manter a nomeação de Vasco Lourenço para comandante da Região Militar de Lisboa.

04,00 horas -  tropas pára-quedistas ocupam as bases aéreas de Tancos, Montijo, o Estado Maior da Força Aérea, o Comando da Região Aérea, o GDACI , em Monsanto, e a Ota.

05,40 horas - após cerca de 12 horas de interrupção do trânsito entre Leiria e Lisboa, são levantadas as barricadas montadas por agrários e pequenos proprietários.

13,30 horas – o Presidente da República classifica a operação dos para-quedistas de sublevação.


14,30 horas - Otelo Saraiva de Carvalho chega ao COPCON no Forte do Alto do Duque.

Varela Gomes há-de escrever:

Mas não havia nada a fazer. A grande decisão estava tomada. Otelo Saraiva de  Carvalho obedecia à convocação do general Costa Gomes, largando os “paras” à sua sorte. O estratega do 25 de Abril de 1974 abandonava vergonhosamente o seu posto de comando em 25 de Novembro de 1975. Na hora do aperto, fugia de calças na mão, à procura do refúgio protector.
Deveriam ser cercadas 15,00 horas quando o general graduado Otelo Saraiva de Carvalho saiu do Copcon… e da revolução.(1)

Dinis de Almeida também, escreverá:

O desinteresse manifesto de Otelo pelo controlo e coordenação das suas próprias forças militares, torna-se hora a hora mais inquietante.

Só da parte da tarde aparecerá no COPCON, onde apenas permanecerá por momentos.

Arrancará pouco depois para Belém onde afirmará junto a Vasco Lourenço e Marques Junior que ”… eu próprio lancei os pára quedistas, após o que a seguir os abandonei de propósito para lixar a esquerdalhada… que andava sempre a chatear-me…” (2)

“Desgraçada Revolução que tais chefes teve”, dissera um dia Vasco Gonçalves, referindo-se concretamente a uma das muitas inconsequências de Otelo

16,35 horas -  a emissão Telescola, a ser transmitida pela RTP, é interrompida e surge no écran o Capitão Duran Clemente que pretende apelar para que as massas populares se mobilizem junto dos quartéis e estações da RTP, mas a transmissão é desviada para os estúdios do Porto e os portugueses passam a assistir ao filme de Frank Tashlin O Homem do Diners Club com Danny Kaye.

16,30 horas -Costa Gomes decreta o estado de emergência na Região de Lisboa.

 Posteriormente é decretado o estado de sítio parcial na Região de Lisboa e a suspensão da publicação da imprensa escrita.

22,00 horas - a emissão do Rádio Clube Português é silenciada e a Emissora Nacional, a transmitir dos estúdios do Porto, fica sob o controlo do CEMGA.

Do livro Abril nos Quartéis de Novembro: 

A Calma, o saber esperar, adicionados à capacidade de provocar o adversário, terão sido os aspectos que mais contaram para a vitória dos “Nove”, que, à partida, não eram a força melhor colocada em termos militares na cidade de Lisboa. Tais capacidades são especialmente demonstradas no próprio dia 25, quando evitam actuar sem a cobertura de Costa Gomes. Esperaram que ele tentasse resolver o problema por outros meios, ao mesmo tempo que o iam pressionando, demonstrando a urgência de passara à acção. Em verta altura argumentam que não se pode deixar cair a noite para agir e que tudo está por fazer. (3)

Costa Gomes toma o comando directo das Forças Armadas, e as unidades de Lisboa são informadas de que além dele também recebem ordens de Vasco Lourenço, que Costa Gomes nomeia como seu adjunto, e mais tarde juntará o nome de Ramalho Eanes à cadeia de comando.

José Gomes Mota no seu livro A Resistência:

Tudo se passava, portanto, segundo os nossos planos, ou seja, Vasco Lourenço chefiava o Movimento e Ramalho Eanes dirigia o Grupo Militar.
Em seguimento à proclamação do estado de sítio parcial, na área da região de Lisboa, o Estado Maior das Forças Armadas difunde uma nota oficiosa em que se informa a população de que foi determinado o recolher obrigatório no período que se estende das zero às seis horas da manhã, e em que, também, alerta para o facto a rádio e a televisão não poderem emitir comunicados dos partidos políticos, apenas comunicados oficiais.

Simone Beauvoir, algures no tempo:

O mais terrível dos sentimentos é o de ter a esperança perdida.

José Gomes Ferreira no seu livro Intervenção Sonâmbula:

Estamos no fim da Revolução. E porventura não tardará aí o inferno que ninguém quer.

Fontes:

- Acervo pessoal.

(1)   – Sobreao Golpes Contra-Revolucionários de 11 de Março e de 25 de Novembro de 1975 – Varela Gomes, edição do autor, Lisboa s/d
(2)   - Ascensão, Apogeu e Queda do M.F.A. 2º volume, Edição do Autor, Lisboa s/d
(3)   - Abril nos Quartéis de Novembro – Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, Livraria Bertrand, Junho 1979
(4)    - A Resistência – José Gomes Mota, Edições Jornal Expresso, Lisboa, Junho 1976

OLHAR AS CAPAS


Os Olhos de Passagem

Manuel Alberto Valente
Colecção Horizonte de Poesia nº 4
Livros Horizonte, Lisboa, Dezembro de 1976

Carta de Novembro a Uma Criança de Lisboa

                                                                  À Alexandra

Dir-te-ão que era o ódio    sobre a paz dir-te-ão
algumas  palavras    sobre a pátria. Inventarão heróis
porque de heróis necessita quem teme o canto anónimo
de iguais.  Exigirão  que  apaguesaos olhos da memória
o grito onde vivemos saudosos do futuro.

Tu saberás porém do coração maior que o sonho.
Dirás dos erros o seu nome de história
onde nada estava feito. Colherás com as mãos
que o sol tocou porque eram l9impas e pequenas

essa flor desfolhada às portas de Dezembro.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

POSTAIS SEM SELO


Raça de marinheiros que outra coisa vos chamara
senhoras que com tanta dignidade
à hora que o calor mais apertar
coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no Mar?

Ruy Belo em Todos os Poemas

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

OS IDOS DE NOVEMBRO 1975


24 de Novembro de 1975

É tal o emaranhado de acontecimentos, decisões e contra decisões, afirmações e desmentidos das mesmas, uma avalanche de opiniões, palavras de ordem, que se torna, particularmente, difícil, em pouco espaço, dar a conhecer tudo o que vai acontecendo nos dias que correm.

Uma coisa é certa: mais do que nunca, cheira a golpe, venha ele de onde vier.

Ontem, na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, para o mesmo local de há quatro meses antes, o Partido Socialista organizou um comício com a presença de milhares de pessoas.

O Presidente Costa Gomes foi fortemente criticado, enquanto é manifestado inequívoco apoio a Pires Veloso e Jaime Neves, ao VI Governo Provisório

No seu discurso, Mário Soares, proferiu as palavras que o Diário Popular colocou em título:


 À volta de armas e canetas o jornalista do vespertino, Carlos Benigno da Cruz, tece o seguinte comentário:


Numa entrevista ao Nouvel Observateur, Melo Antunes assume que o país caminha para uma guerra civil que, a não ser evitada, nos conduzirá a um outro fascismo
O Jornal Novo transcreve largos extractos da entrevista e, para título, arrastou estas palavras:


Os extractos têm estas palavras de abertura:

Por entre a balbúrdia de opiniões, e as tomadas de posição desconexas e contraditórias a que temos vindo a assistir nos últimos tempos, ergue-se uma voz de bom-senso – a do Major Melo Antunes.
Numa entrevista que hoje sairá a público no “Nouvel Obaervateur”, o ministro dos Negócios Estrangeiros faz uma análise da actual situação política portuguesa e aponta caminhos – que, a serem seguidos, talvez ainda possam salvar este país da derrocada.

Ao jornal coimbrão “Domingo”, o brigadeiro Franco Charais dá uma entrevista em que a bota bate com a perdigota,  e levanta um ponta do nebuloso véu que cerca o país:

Estou convencido que a muito curto prazo vamos ter uma clarificação do processo político português. Clarificação que nem de longe passará por armas nem por confrontações físicas, mas apenas por procedimentos políticos.

O jornalista, no findar da entrevista, pergunta:

- Está preocupado?

- Não. Estou mais optimista.

Entretanto, Jaime Neves passeia-se, por Lisboa, em Chaimite.

Neste mesmo dia o Conselho da Revolução reúne-se para, em definitivo, resolver a nomeação de Vasco Lourenço como comandante da Região Militar de Lisboa.

No seu habitual Apontamento, na 1ª página do Diário de Notícias, José Saramago lembra: Hoje há Conselho:



Num plenário que reúne milhares de agricultores em Rio Maior, é aprovado o saneamento do secretário de estado da Reestruturação Agrária (António Bica do PCP) e de todos os técnicos do IRA de Santarém. Enquanto uma comissão eleita no plenário se desloca ao Conselho da Revolução os agricultores erguem barricadas que bloqueiam completamente os acessos a Lisboa.

Aproxima-se a madrugada em que Novembro entrará portas dentro dos quarteis de Abril.

Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.
- A Resistência de José Gomes Mota
- Portugal Depois de Abril de Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso.