segunda-feira, 18 de março de 2024

NUNO JÚDICE (1949-2024)


 Algumas mortes também são as nossas muitas mortes e nos últimos tempos não têm deixado de invadir os dias.

Olho o jornal que anuncia a morte de um amigo e é tão estranho que entre a avalancha de saberes úteis e inúteis que acumula­mos uma vida inteira não esteja sabermos o que dizer.

Nuno Júdice, um amigo, um poeta da casa,  morreu com 75 anos.

Sobre a morte não sabemos o que dizer, nem o que pensar.

E isso constitui uma tristeza sem fim…

No dia 1 de Março coloquei aqui um poema do Nuno Júdice.

Que dizia que «podíamos saber um pouco mais da morte».

Assim:

«Podíamos saber um pouco mais

da morte. Mas não seria isso que nos faria

ter vontade de morrer mais

depressa.

Podíamos saber um pouco mais

da vida. Talvez não precisássemos de viver

tanto, quando só o que é preciso é saber

que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais

do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar

de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou

amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada

sabemos do amor.»

OLHAR AS CAPAS


Tu, Liberdade

José Gomes Ferreira

Selecção e Prefácio: Casimiro de Brito

Capa: José Araújo

Colecção Ficções nº 19

Editorial Caminho, Lisboa, Setembro de 1977

Voltei-me para a rapariga que, a meu lado no bar, bebia o café com a boca húmida de riso e perguntei-lhe:

- Sabe quem eu sou?

- Perfeitamente… É o…

Interrompia-a, para a deslumbrar:

- Não. Não. Engana-se.  Sou o homem da Morte, incompleta. Ou melhor da Vida Incompletíssima… Mas venha dançar. Está-me a apetecer atirar com a minha solidão à cara desta gente!

- Que bom! Estou vivo! – pensava eu com 20 anos, agarrado a uma camponesa, no bailarico da Filarmónica Harmonia Fraterna 5 de Outubro de 1910.

VIAGENS POR ABRIL


       Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


Neste dia 18 de Março, os jornais dedicavam-se a colocar nas suas primeiras que a tranquilidade era geral em todo o país.

O pasquim «Época», realçava que o Mercado das Caldas da Raínha, num domingo igual aos outros, registara «o movimento normal de forasteiros que habitualmente ali se deslocam para abastecimento, sobretudo de fruta, uma das melhores do País. E não só. Também nas pastelarias, onde se fabricam as apetitosas «cavacas», não decresceu o movimento dos apreciadores.»

Num qualquer dia de Março é atribuída a Marcelo Caetano a seguinte frase: «Cuidado com os capitães. O perigo vem deles, pois não têm ainda idade suficiente para poderem ser comprados.»

Diga-se ainda que a insurreição do Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Raínha teve a ordem de avançar de António de Spínola porque sabia que o MFA estava num quase de tempo de não voltar atrás, e tentou um golpe antecipativo. Sabendo-se isto, e algo mais, há, pois, quem se espante de Spínola ter sido chamado, após o 25 de Abril, para a presidência da República.

Percorrendo o livro de Diniz de Almeida «Origens e Evolução do Movimento de Capitães», pode ler-se na página 297:

«Mesmo nas proximidades do 25 de Abril, a falta de politização da esmagadora maioria dos oficiais do Quadro Permanente era aterradora.»

Mais à frente:

«A derrota do 16 de Março desanimou numerosos sectores do Movimento. Em certos sectores, o pânico degenerou mesmo em debandada. Muitos, porém, não cederam perante o fracasso e retomaram rapidamente a iniciativa. Daí em diante seria uma corrida contra o tempo. A pesada máquina jurídica movia-se contra nós e atingir-nos-ia em breve.»

Entretanto a «Época», pela pena do seu director-fascista Barradas de Oliveira, interrogava-se em editorial:

«QUEM SÃO ELES»!

Quem alimenta as forças terroristas que actuam contra nós em Àfrica? Quem sustenta os focos da agitação interna?»

SETE ANOS DE PASTOR JACOB SERVIA

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.


Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.


Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;


Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

Luís de Camões em Sonetos

domingo, 17 de março de 2024

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Não sei se Maria Velho da Costa chegou a viver no Bairro Azul com vista para El Corte Inglés. No Irmão do Meio encontro alguns sinais.

«Despacho a despachar para ir para o Bairro Azul».

«A M. lê no Expresso o que vale a pena e fala de pintura como quem fala de compras para a semana. Vai aos leilões de arte como quem vai ao Corte inglês lanchar no último piso».

Por El Corte Inglés, reproduzo uma cena contada por José Saramago no Último Caderno de Lanzarote.

Estamos na entrada da página 233 do dia 14 de Janeiro de 1998.  Pilar tinha dito a Saramago que, se tivesse tempo, passasse pelo El Corte Inglés e comprasse calcetinos que estava precisado:

«Estava pois a escolher as meias (o que os espanhóis chamam calcetinos está mais próximo do que nós chamamos peúgas, e peúga, como qualquer português sabe, não é meia), quando ouço perguntar: «Es usted José Saramago?» Virei a cabeça (há que explicar que nesse momento me encontrava de cócoras a examinar as prateleiras mais baixas) e vejo um homem de meia-idade que me olhava com ar de dúvida, Retomei a posição vertical e respondi: «Sim, sou eu próprio…» «Era o que me parecia», disse ele, «mas como o vi aqui sozinho…» Acrescentou umas palavras simpáticas de felicitação, que agradeci, e afastou-se. Já não duvidoso, mas, pela expressão da cara, ainda perplexo. Evidentemente, a sua estranheza não provinha de me ver a escolher meias no El Corte Inglés: um homem, por mais incompetente que seja nestes assuntos, não precisa de estar sempre acompanhado quando faz compras. O que simplesmente tinha desconcertado o meu interlocutor era que um Prémio Nobel da Literatura estivesse a comprar meias como qualquer mortal, sem, ao menos a assistência de dois secretários e a protecção de quatro guarda-costas. Ainda por cima numa postura tão pouco digna…»

Legenda: fotografia de Rui Duarte Silva

VIAGENS POR ABRIL

          Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                   João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

 

A toda a largura, e no topo da sua 1ª página, o ultra-fascista jornal Época de 17 de Março de 1974, colocava em letras garrafais:

PÁGINA TRISTRE
UM GRUPO DE INSUBORDINADOS FEZ DESLOCAR UMA PEQUENA COLUNA MILITAR EM DIRECÇÃO A LISBOA APROVEITAND O  UM AMBIENTE DE BOATOS FABRICADOS INSIDIOSAMENTE NO PAÍS E NO ESTRNGEIRO OS REBELDES RETROCEDERAM E FORAM PRESOS

Na mesma 1ª  página fazia publicar este libelo em defesa da pátria:


Os jornais deste dia davam conta da rebelião abortada, e em caixa, reproduziam a nota da Direcção-Geral de Informação.

«Reina a ordem em todo o País»

Assim terminava a lacónica nota, em que o governo de Marcelo Caetano revelava que já tinha conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas mas fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.
O governo dizia ao País que conseguira colocar um ponto final nas movimentações militares.

E parecia acreditar nessa ilusão.

Quem não acreditava era o incorrigível Mário-Henrique Leiria que, numa carta que há-de ser datada (22 de Março de 1974) desde Carcavelos para a sua«Querida Beluska» estar perante uma palhaçada, porque na farda não se pode acreditar nem no boné. Preocupante para o Mário era o drisco de ser deepjada da casa onde vivia com a mão e a tia, o cão Vodka e onde meter 7.000 livros, toneldasa de mobília idiota.

Recebi ontem o teu pacote medicinal. Agradeço como se seve. Chegou mesmo na hora, tu estás sempre atenta às coisas. É espantoso! Um beijão, se quiseres aceitar. Pode ser?

Por aqui, houve o que sabes e até muito mais. No fundo, mais uma palhaçada, que na farda não se pode acreditar nem no boné. Contarei, se valer a pena, quando cá vieres. Aqui não. Os meus papéis estão vigiados, tal como o telefone, mas isso não tem importância nenhuma, até porque eles sabem que eu sei que eles sabem…

Cá por casa há problema, mas não fiques preocupada, por favor. É assim:

Tivemos a notícia, no domingo, que o prédio foi vendido e vai ser demolido para dar lugar a mais uma pequena colmeia de obcecados… Muito bem. O diabo é que eu tenho duas velhas, 17 divisões, um cão, 7000 livros, toneladas de mobília idiota, sei lá…! E além disso, pago só 550$00!!! Oh pasmo! Mas é verdade. Nem de outra maneira podia ser, pois a média geral aqui de casa não chega a 3000$00 por mês.

Aí está. A gaita é que vou para a rua e, neste magnífico país ultra-inflacionário, um cochicho onde não cabe nada com o máximo de quatro assoalhadas (como se chama aqui) vai logo para entre 4000$00 e 5000$00 e já não é mau…

Um bode dos grandes…

Vou ter de aguentar. Não sei como, mas vou. E o diabo é que isto está a deitar as velhas abaixo… e eu sempre a fingir que tudo há-de ir pelo melhor.

Sabes, querida, o cansaço tem o seu limite. Tem mesmo.

Mário-Henrique Leiria em Depoimentos Escritos


Esta reprodução do Diário Popular de 17 de Março mostrava que a população das Caldas da Raínha, naquele domingo, fez a sua vida normal indo comprar, ao Mercado, na praça central da cidade como habitualmente, frutas, legumes  e flores. 

OLHAR AS CAPAS


Poesia de Ricardo Reis

Selecção de textos e prefácio: Ana Luísa Amaral

Capa: Pedro Proença

Colecção:  Obra Essencial de Fernando Pessoa nº5

Expresso, Lisboa, Outubro de 2015

Para ser grande, sê inteiro: nada
      Teu exagera ou exclui. 
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és 
      No mínimo que fazes. 
Assim em cada lago a lua toda 
      Brilha, porque alta vive.

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


Patti Smith volta a Portugal: estará a partir de 23 de Março no CCB em Lisboa  e dia 24 em Braga. No Ipsilon, de sexta-feira, uma interessante entrevista de Gonçalo Frota:

“Sou feliz a escrever na minha sala porque reflecte a minha vida”, conta. “Estou rodeada dos meus livros preferidos, dos talismãs de que gosto mais e de algumas fotografias maravilhosas. Mas escrevo sobretudo em cafés. Gosto de sair do meu espaço doméstico e de ir escrever para um café, desde que esteja razoavelmente silencioso. Costumo chegar pelas 8h, antes de toda a gente – e quando as pessoas começam a vir, por volta das 10h, vou embora e termino o trabalho em casa.”

1.

Regressamos ao depoimento de Pedro Tadeu no Diário de Notícias:

«No Distrito de Santarém, moro numa pequena aldeia onde há pessoas que vivem do Rendimento Social de Inserção, um subsídio que o Chega já disse várias vezes querer diminuir drasticamente e, talvez mesmo, acabar com ele. Pois há pessoas nessas condições que declararam ir votar no Chega, num aparente suicídio financeiro através da urna eleitoral.»

2.

«O Chega não se combate com medidas administrativas, mas com a capacidade de identificar o que ele significa social e politicamente. Contudo, ser capaz de ir à raiz dos fenómenos de que o Chega é um grave sintoma (como a febre o pode ser de uma pneumonia), implicaria uma postura que não abunda nos principais atores políticos nacionais: olhar-se bem ao espelho, e não fechar os olhos perante o que se vê, colocaria em causa as premissas em que a governação em Portugal tem assentado desde há décadas.»

Viriato Soromenho-Marques

3.

Há um naipe de autores que li ao longo da vida e que abandonei por repetição, por qualquer  outra coisa que agora não lembro.

Miguel Esteve Cardoso foi um desses autores. Livros não mais mas as crónicas ainda as leio no Público, assim a modos de António Lobo Antunes. Também livros não mais, lia com gosto as suas crónicas nos jornais mas ele desistiu de as publicar, também deixou um série delas por publicar em livro. Lamento muito.

A seguir às eleições numa crónica  Miguel Esteves Cardoso, disse:

«Todos os votos do Chega são votos contra os outros partidos….Os partidos do contra só sabem ser do contra. Não servem para mais nada”».

4.

Num ano em que o cenário macroeconómico continuou a fazer-se de incertezas e desafios, os seis maiores bancos a operar em Portugal conseguiram manter-se resilientes e alcançar resultados históricos. Impulsionados pelas altas taxas de juro, o BPI, Caixa Geral de Depósitos (CGD), Millennium BCP, Montepio, Novo Banco e Santander reportaram, em conjunto, lucros de 4,33 mil milhões de euros em 2023, o que representa uma melhoria de quase 69%(1,76 mil milhões) face aos 2,57 mil milhões de euros registados no ano anterior. Contas feitas, foram 11,88 milhões de euros por dia.

5.

Helder Macedo há muito, por vontade própria, a viver em Londres.

 «Ainda não aconteceu o 25 de Abril que nós desejamos
Facto histórico: houve a revolução. Maravilha. Criámos estruturas democráticas, com óptimos resultados, em termos de educação, condições de vida, etc.. Mas não fizemos o suficiente. Não podemos tornar o 25 de Abril uma coisa imutável. Para merecer que o celebremos, tem de ter continuidade, que tem tido nalguns aspectos, mas não noutros. Nós continuamos a ser dependentes de economias estrangeiras. Não criámos riqueza dentro do país. Alargámos a educação e a formação universitária, mas com o resultado de que os emigrantes são agora médicos e outros profissionais, e não camponeses. Há problemas estruturais que têm de ser resolvidos no contexto da democracia. Não podemos cair numa espécie de neo-saudosismo – ai que bom, ai que bom, os cravos – e ficar sentadinhos. Não. Os cravos estiolam. E não tornemos a celebração, legítima e necessária, do 25 de Abril num “Já fizemos tudo!” Não. É trabalho por fazer. Ainda não aconteceu o 25 de Abril que nós desejamos. Isso exige muito trabalho. O perigo das celebrações e de nostalgias é transformar a data em cemitérios dourados
. Eu não quero que matem o 25 de Abril e, portanto, é uma obra ainda por fazer.»

 

sábado, 16 de março de 2024

POSTAIS SEM SELO


Que tudo é menos que o vento.

Cecília Meireles

OLHAR AS CAPAS



 

Joshua Benoliel

Joaquim Vieira

Capa: Fernando Rochinha Diogo

Colecção: Fotobiografias do Século XX

Círculo de Leitores, Lisboa Julho de 2009

Num tempo em que a fotografia estava ainda na infância como veículo de expressão e comunicação, um português apropriou-se da sua técnica e deu-lhe uma finalidade: documentar uma época, retratar um país, testemunhar a história.

VIAGENS POR ABRIL


         Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                  João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


No dia 14 de Março de 1974 aconteceu a vassalagem das chefias militares a Marcelo Caetano, que ficou para a História, designada como a «Brigada do Reumático».

No Salão Nobre da Assembleia Nacional, numerosos oficiais dos três ramos das Forças Armadas, reuniram-se para afirmarem ao Chefe do Governo, prof. Marcelo Caetano, o seu apoio à acção de defesa do ultramar e, simultaneamente o seu espírito de unidade, lealdade e solidariedade.
Em nome de todos os militares falou o Chefe do Estado-Maior do Exército, General Paiva Brandão:

«Estamos unidos e firmes e cumpriremos o nosso dever sempre e onde quer que o exija o interesse nacional.»

Marcelo Caetano agradeceu proferindo um discurso designado como «A Todo o Desafio Temos de Dar Resposta.» que termina assim:

«Milícia é sacrifício. E mesmo, num mundo onde o egoísmo desenfreado e o amor das facilidades e dos prazeres parece reinarem, ai de nós se desaparecerem as instituições onde o desinteresse, o serviço da colectividade, a dádiva de si próprio persistam como grandes virtudes morais exemplares.
O País está seguro de que conta com as suas Forças Armadas. E em todos os escalões destas não poderá restar dúvidas acerca da atitude dos seus comandos.
Pois vamos então continuar, cada um na sua esfera, dentro de um pensamento comum, a trabalhar a bem da Nação.»

No dia seguinte, por não terem alinhado com a «Brigada do Reumático», os Generais Costa Gomes e Spínola, são exonerados dos cargos de chefe e vice-chefe das Forças Armadas. O General Luz Cunha é nomeado para chefe das Forças Armadas.

Mas a 16 de Março, uma companhia de 200 militares, metade são oficiais e sargentos, outra metade são praças, sai do Regimento de Infantaria nº 5 em direcção a Lisboa, sob o comando do capitão Marques Ramos e do tenente Silva Carvalho, com a missão de ocupar o aeroporto da Portela. Informada de que falhou a adesão de outras unidades, regressa ao quartel que posteriormente é cercado por forças leais ao regime e rendem-se ao brigadeiro Pedro Serrano.

Só no dia seguinte, a censura, com os habituais «CORTADO» e «APROVADO COM CORTES», permitirá que os jornais se refiram ao acontecimento.

Passados 50 anos sobre aquele sábado, ainda não é possível reunir elementos que permitam, com clareza, determinar o que foi este acontecimento da nossa recente História.

Há quem defenda que terá sido um golpe que serviu de ensaio ao 25 de Abril.

Vasco Lourenço, em Março de 1994, esclarecia:

«Se o 16 de Março tem vingado, não havia Programa do MFA.»

Oficiais sublevados, não identificados, em declarações ao Correio da Manhã de 4 de Abril de 1979:

«Se o golpe de 16 de Março de 1974 não tivesse fracassado, a situação portuguesa seria hoje muito menos sombria. Se a sua marcha sobre Lisboa tivesse sido coroada de êxito, o Poder central diferia substancialmente da que foi consignada pelo 25 de Abril. A descolonização dos territórios africanos teria sido inspirada por directizes muito diversas. Não teríamos traído as expectativas das colónias nem permitido os acontecimentos sangrentos que vieram a verificar-se e ainda se verificam.»

sexta-feira, 15 de março de 2024

OLHAR AS CAPAS


O Pensamento de Bertrand Russell

Selecçao de textos e Introdução: Romeu de Melo

Tradução: Manuel Frazão

Capa: A. Dias

Colecção Perspectivas nº 12

Editorial Presença, Lisboa, 1966

Como homem de bom senso, Russell tem desenvolvido fértil actividade sócio-política e ética. Se o bom-senso, quando aplicado na filosofia, se revela ferramenta insuficiente, já no campo prático da vida, da acção social e da política, é o género de pensamento mais adequado. O bom-seno recusou, ao longo da História, as intuições mais arrojadas e felizes; mas foi ele próprio que se opôs à fatuidade do senso-comum e às manifestações periódicas de loucura individual e colectiva. Neste sentido a importância de Russell é enorme. Como intelectual actuante, ele tem interpretado ao sentir prático e as esperanças de todos os camaradas que vivem em constante temor pela orientação da política, da diplomacia e da acção governativa.

VIAGENS POR ABRIL


  Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                       João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


Somos, ou fomos, o país dos três efes?

Futebol, fado e fé.

Os três pilares com que Salazar construiu o Estado Novo.

Ainda hoje, quando se pretende referir que os portugueses pouco ou nada se interessam por assuntos da sociedade em que vivem, assuntos do mundo, os três efes vêm à baila.

A viagem de hoje passa pelo fado e quando de fado se  fala,  sobe à mesa do nome de Amália Rodrigues.

Para mim, o nome de Amália torna-se referência pela descoberta que dela fez o músico Alain Oulman.

O álbum Com que Voz marca essa diferença, quase genial.

Essa mesma voz, os poetas que canta, a música de Oulman.

O álbum «Busto» marca o início da colaboração com Alain Oulman. Chama-se assim pela estatueta de Amália na capa, da autoria de Joaquim Valente, fotografia de Nuno Calvet.

No disco há um poema de David Mourão-Ferreira Abandono, também conhecido como Fado de Peniche,  inspirado na fuga de Álvaro, juntamente com outros camaradas , do Forte de Peniche:

Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar

Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar

Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria

Foi de noite numa noite
De todas a mais sombria
Foi de noite, foi de noite
E nunca mais se fez dia

Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar

Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
Ao menos ouves o vento
Ao menos ouves o mar

Ao menos ouves o vento
Ao menos ouves o mar

Amália Rodrigues é uma voz única, uma personagem deveras interessante.

Numa longa entrevista com o escritor Manuel da Fonseca, este diz-lhe:

«Li sobre o Fado, as origens, as consequências, a aceitação de um povo de índole vencida. Li uma data de coisas: já há muitos anos e, agora, uns bocados. As classes sociais intelectuais do nosso país atiraram sempre com o Fado para trás, nunca o quiseram. Era um estigma de um povo, era uma forma de recuo, uma forma negativa de cultura de um povo. A partir de certa altura, esses mesmos, pertencentes a essa classe, foram ter consigo e acharam que você representava essa tal forma negativa. Em resumo, vou-lhe dizer as coisas de um modo surreal: nem mil Secretariados de Propaganda, a trabalharem durante mil anos, arranjavam um produto que lhes foi parar às mãos, que é você».

Durante a sua vida deram-na como salazarista, mas poucos sabiam que ajudava, não só monetariamente, os perseguidos e presos políticos.

Quando Salazar, em coma, no Hospital da Cruz Vermelha, aguardava o tempo de morrer, Amália Rodrigues enviou-lhe um cesto de rosas e umas quadras:

Ponha-se bem depressa

Meu querido presidente

Depressa, que essa cabeça

Não merece estar doente.

 

Não sei de regulamentos

E se isto é má criação

Perdoe o procedimento

E aceite a intenção.

A censura proibiu, fosse onde fosse, a publicação destas quadras,

Em Junho de 1972, numa entrevista a Guilherme de Melo, publicada no «Notícias de Lourenço Marques», Amália disse:

«Já tenho uma idade e já cheguei a uma altura da minha vida como mulher e da minha carreira como artista em que não precisos de me agarrar às «direitas» para subir ou às «esquerdas» para me evidenciar.»

Mário Sacramento no seu Diário, entrada datad de 6 de Junho de 1968 que surge a propósito de um Congresso de Radiologia, realizado na Aula Magna da Reitoria de Lisboa:

«Às tantas, mas no salão, cantou a Amália. Se bem que deteste o fado, emocionou-me. Tem nervo, tem arte – é da raça dos eleitos. Transforma em oiro o metal mais vil. Toda de negro, como manda a praxe, mas com um cinturão de oiro, a maior beleza do seu rosto está na tensão que imprime à jugular, quando canta. Nenhum outro excesso. A boca é duma sensualidade incrível – toda a boca e não o lábio inferior apenas. Alguns dentes mais escuros ou deteriorados sublinham a sua verdade. Gaforina de leoa. Simplicidade sem embustes. E muito, muito carvão nos olhos, ora extinto, ora em labaredas.».

Jorge Calado:

«Se é verdade que comecei por achar o fado harmoniosamente pobre, a minha admiração por Amália nunca deixou de crescer. Aliás, dizia-se que o que ela cantava não era fado… Com coração independente, violava as regras todas e seguia em frente.»

CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...

Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles

quinta-feira, 14 de março de 2024

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


A  televisão tem sido altamente responsável pelo quase nulo desenvolvimento do país, porque jornais já quase ninguém os compra, ou lê.

Os resultados das eleições de domingo são o espelho do desinteresse cultural da população, do sentido de voto que o escrutínio veio a ter.

Um povo despropositado, falhado, mau, javardo, repugnante, inculto, analfabeto.

O resto está tudo nos livros. Que uns, pouquíssimos, lêem e outros, telemóvel nas mãos, desconhecem ou não frequentam.

Nos últimos oito anos, registou-se "um maior predomínio de número de comentadores com posicionamento político à direita" nas televisões, passando de 22 em 2016 para 37 em 2023, concluiu o MediaLab, centro de investigação do ISCTE.

Comentando o resultado das eleições,  Nuno Ramos de Almeida  escreveu no Diário de Notícias:

«Tive a sorte de nascer num tempo em que pude ver o escuro e a madrugada. Mesmo quando anoitece, sei que é possível ver o sol nascer com uma claridade que varre tudo ao seu redor, nem que se tenha de cerrar os dentes e lutar por uma vida justa.»

Tendo em conta o que os comentadores do café do bairro disseram, o grande culpado do descalabro da esquerda nas eleições de domingo, foi o governo de maioria do Partido Socialista.

Hoje, sabe-se que essa dita maioria governativa, deixou umas massas cativas não se sabe para quê, e que o futuro governo da AD irá aproveitar para resolver alguns dos problemas que poderiam ter sido resovidos, e não o foram: saúde, professores, forças de segurança, etc., etc.

Breve passagem pelas páginas de Viagem ao Fim da Noite de Céline:

«E o pior é pensar onde havemos de arranjar forças para no dia seguinte continuar a fazer o que fizemos na véspera e ainda em tantos outros dias já passados, onde encontraremos forças para tantas diligências imbecis, para mil e um projectos que não conduzem a nada, para as tentativas de vencer uma acabrunhante necessidade, tentativas que acabam sempre por abortar, e tudo isso para nos capacitarmos uma vez mais de que o destino é imutável e que o melhor é conformarmo-nos em ter de cair todas as noites da muralha abaixo, sob a angústia desse dia seguinte, sempre mais instável e sórdido.
É talvez a idade que surge, traidora e nos ameaça com o pior. Já não existe dentro de cada um de nós música suficiente para fazer dançar a vida, aí está. Toda a juventude nos abandonou para ir morrer no fim do mundo, num silêncio de verdade. Para onde ir agora, pergunto, depois de não possuirmos em nós a soma bastante de delírio. A verdade é uma agonia sem fim. A verdade deste mundo é a morte. Precisamos escolher: mentir ou morrer. E eu nunca consegui matar-me.»

1.

A provedora de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da lei da morte medicamente assistida.

2.

O referendo organizado na Irlanda para modernizar o conceito de família e as referências às mulheres na Constituição foi rejeitado, anunciou o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, cujo governo sugeriu esta iniciativa.

As emendas foram rejeitadas.

Na prática, nada mudará na Constituição de 1937, que continuará a declarar que o casamento é um requisito para qualquer família e que o valor da mulher para a sociedade vem de cumprir os "deveres na casa". Isto numa altura em que dois quintos das crianças do país nascem fora do casamento e a maioria das mulheres trabalha fora de casa.

3.

A  Igreja Católica regista uma perda de cerca de 500 mil fiéis nas missas de domingo, cerca de 25 por cento  do total em relação a 2019; as receitas das paróquias, assentes em donativos, caíram nos últimos anos de 60 para 35 milhões de euros.

4.

3978 carteiros trabalham actualmente nos CTT. Há três anos eram 4360. Também têm vindo a desaparecer os postos de correio. Hoje são menos de 2 mil por todo o país.

5.

Os cinco maiores bancos privados em Portugal somaram lucros de 3 181 milhões de euros em 2023, um crescimento de 80% em relação ao ano anterior.

6.

Mais de 80% dos médicos dos hospitais privados mantêm um posto de trabalho no SNS, numa situação de duplo emprego.

7.

Os portugueses apostaram quase 8,6 milhões por dia nos jogos da Santa Casa em 2023. As vendas brutas dos Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa atingiram os 3136 milhões de euros no ano passado, mais 72 milhões do que em 2022. A “raspadinha” permanece no topo das apostas.

8.

«Se as contas externas são hoje mais positivas em Portugal, é porque voltámos a ser um país de emigrantes e porque estamos ainda mais dependentes do turismo para compensar o desempenho insuficiente dos restantes sectores exportadores no seu conjunto. Isto é bom para as estatísticas e para as condições actuais de financiamento externo, mas tem um problema: nenhum país pode aspirar a desenvolver-se com base apenas no turismo ou com uma saída em massa da população activa».

Ricardo Paes Mamede

OLHAR AS CAPAS


 O Raposo

D. H. Lawrence

Tradução: Alexandre Pinheiro Torres

Capa: Infante do Carmo

Colecção Miniatura nº 143

Livros do Brasil, Lisboa  s/d

Por outro lado, as circunstâncias do estado de guerra eram muito desfavoráveis para a criação de aves. A comida rareava e era má. E quando se passou ao sistema da hora de Verão, as galinhas recusavam-se obstinadamente a recolher ao galinheiro, como de costume, às nove horas no novo horário. Hora realmente muito tardia, pois não havia descanso possível enquanto elas não estivessem bem fechadas e a dormir.

VIAGENS POR ABRIL


       Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                               João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

25 de abril.

50 anos.

A imagem que acima se reproduz, é o Presente das Forças Armadas, Natal de 1974, num desenho de João Abel Manta.

Uma coisa é, cada um de nós, já não saber o que dizer sobre o 25 de Abril. Outra coisa é saber que ainda está tudo por dizer.

Também saber que está quase tudo por fazer.

Concluir suavemente que não há momentos perfeitos.

A resposta de Arminda a JC na memorável data que podemos encontrar em Almeida Faria no seu livro Lusitânia:

«De resto passei o dia inteiro agarrada à telefonia, depois à televisão, indo à estação das camionetas esperar pelos jornais da capital, tentando telefonar a Samuel que não parou em casa, deixei recado, irei ter com ele amanhã, não aparece uma revolução assim do pé para a mão, se calhar nunca mais terei outra ocasião de ver um regime esticar o pernil, se é que não se trata dum engano, fada morgana. Agora, cansada de excitação, lembrei-me da lenda do José Maria dos Santos, ouvindo que um navio de cereais naufragava no estuário do Tejo, arrematando-o em leilão apesar de estar podre com a água do mar, encharcado de água (água provavelmente doce no estuário) e alimentando várias varas de porcos até ficar milionário. Será parábola da esperteza saloia nacional? Beija-te a tua irmã esperando que venhas entretanto e não seja necessário escrever-te outra carta.»

Por fim: as eleições de domingo não nos querem mostrar que o 25 de Abril está a ser esquecido?

 Uma data a que falta futuro?

NASCIMENTO DO POEMA

Batem-me à porta cada dia;

Se continuo com a poesia.

Respondo-lhe que sim.

 

Por isso é que comigo me concordo.

Quando durmo, ela vela à cabeceira;

Dou-lhe os bons-dias, quando acordo,

E meto-a na algibeira,

Por vezes, fala-me em segredo:

- Prepara o papel e a caneta;

Vai nascer o poema. 

                                   Com que medo

Me confesso poeta!)

 

Digo, então aos escombros

Do passado a que me atrevo,

O que resta de mim, carregado nos ombros,

E escrevo.

 

António Manuel Couto Viana de Ainda Não em Resumo: a poesia em 2010

quarta-feira, 13 de março de 2024

OLHAR AS CAPAS


O Senhor Sete

Trindade Coelho

Recolha, apresentação e notas: Augusto da Costa Dias

Capa: João da Câmara Leme

Portugália Editora, Lisboa, Agosto de 1961

Começo a dar hoje nestas doces páginas da Tradição tudo quanto a minha paciência para coisas do povo tem coligido – aqui, além, acolá -, em que entre o algarismo 7, que é, como se sabe, muito do agrado popular. Começarei pelas quadras que estão nesse caso, incluindo, está bem de ver, as que se referem ao Setestrelo; passarei depois aos ditados, rifões, parlendas e frases feitas, em que esse algarismo figure também; aos responsos, esconjuros, orações e adivinhas, em que o mesmo sede; e, por último (e quem sabe lá se o mundo se não acabará primeiro!) ao que também respiguei de setes na literatura popular já coligida: xácaras, romances, solaus, contos, etc., etc,

Valos lá, pois, com Deus, que temos muito que andar, e o que vale é que não pode o caminho ser mais bonito! 

VIAGENS POR ABRIL

 

                   Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                           João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.


No dia 30 de dezembro de 1972, um grupo de católicos, a que se associariam não católicos, organiza uma vigília de 48 horas, na Capela do Rato, em Lisboa, para meditar sobre a paz e sobre a situação vivida nas guerras coloniais.

No dia seguinte, os participantes aprovam uma moção repudiando a política do Governo de “prosseguir uma guerra criminosa com a qual tenta aniquilar movimentos de libertação das colónias” e denunciando a “cumplicidade da hierarquia da Igreja Católica face a esta guerra”.

Ao final do dia, a vigília é interrompida pelas forças policiais e os participantes são conduzidos à esquadra local, sendo que 14 permaneceriam detidos durante duas semanas na prisão de Caxias. Os funcionários públicos presentes seriam alvo de processos de demissão, conforme decidido em Conselho de Ministros.

Os acontecimentos da Capela do Rato marcam um dos mais significativos episódios da luta contra a ditadura. O regime via-se confrontado com mais uma frente de protesto e luta, vinda donde menos esperaria: do seio da Igreja Católica, um pecado organizado, tal como diz Sophia.

Nunca a voz da Igreja se fizera ouvir para condenar a guerra colónia, as perseguições da PIDE, a tortura e a morte. Os acontecimentos da Capela do Rato determinaram que nada seria como antes: estes católicos e não católicos, acusados pelo governo, como traidores à Pátria, diziam ao país que viam ouviam e liam e não mais poderiam continuar a ignorar.

Entre as cerca de setenta de pessoas detidas pela PIDE na Capela do Rato, encontravam-se doze funcionários públicos que, por decisão do Conselho de Ministros, publicada no Diário do Governo de 13 de Janeiro, foram demitidos das suas funções.

Em 20 de Janeiro os funcionários demitidos recorreram da decisão governamental.

Em 23 de Fevereiro de 1973, por resolução do Conselho de Ministros, negou provimento ao recurso apresentado pelos funcionários públicos.

No dia 11 de Janeiro de 1973, o Diário de Lisboa, publica uma Nota do Patriarcado acerca dos protestos de católicos, e não católicos:

Uma carta do Padre Sampaio para o Padre Bertulli:

«Sinto-me reduzido a uma igreja de silêncio, em que a verdade é escondida e o Evangelho traído descaradamente».

Algures no tempo, Manuel António Pina escreveu:

 «Porque houve um tempo em que tivemos esperança. E, provavelmente, fé. Um tempo em que acreditámos em coisas maiores, em palavras e ideias por que valia a pena morrer. Também, no entanto, as nossas palavras, mesmo as mais desmesuradas, sucumbiram à trivialidade e à pequenez. E hoje olhamos em volta e vemos muitos dos que connosco partilharam a confiança e a esperança entre as piores dos porcos, dos feios e dos maus.»

Marcelo Caetano determinou que nada, do que se passou na Capela do Rato, seria publicado nos jornais, rádios e televisão.

Apenas um comunicado do governo  a dizer que os funcionários públicos, demitidos das suas funções pelo governo, tinham recorrido da decisão para o conselho de ministros, também, após largas discussões do Cardeal Patriarca com o ministro do interior, uma confusa nota do Patriarcado do que então se tinha passado na Capela do Rato.

Notícias de Portugal era um boletim semanal, da responsabilidade do SNI, enviado para os emigrantes portugueses espalhados pelo mundo. Do que passou na Capela não tiveram qualquer informação. Apenas no discurso de encerramento da reunião anual da Acção Nacional Popular, Marcelo Caetano faz uma curta e destemperada observação:

«A sociedade portuguesa, habituada durante muitos anos à protecção paternalista, não estava preparada para um ambiente de discussão e de luta. Ao ímpeto dos contestatários não se tem oposto mais que hesitante comodismo ou frouxa resistência. Muita gente julga até que tudo – turbulência, desmoralização, demolição – tudo é abertura, tudo está no jogo, tudo faz parte do novo estilo de governo…

Ingènuamente as pessoas querem então estar à moda. Não desejam que as considerem «ultrapassadas». É preciso andar com os novos tempos… e deixam correr ou apressam-se a dizer - «ámen».

Por isso há padres que deixam de pregar o Evangelho para fazer no púlpito a apologia da revolução social, demitem-se os pais da autoridade familiar, as audácias dos costumes chocam cada vez menos os moralistas, professores resignam-se à indisciplina, entram chefes em dúvida acerca da legitimidade do exercício da sua autoridade, olha-se com timidez a acção dos que procedem contra a ordem e contra alei e quase se tem pudor de aplicar sanções ou de usar os meios normais de reprimir ou contrariar as manobras de perturbação ou de obstrução da vida das instituições.»

No LP Canções da Cidade Nova de Francisco Fanhais, encontra-se Cantata da Paz, poema de Sophia Mello Breyner Andresen e música de Rui Paz, cantada na vigília da Capela do Rato.

 

«Vemos, ouvimos e lemos

Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos

Não podemos ignorar

Vemos, ouvimos e lemos

Relatórios da fome

O caminho da injustiça

A linguagem do terror

A bomba de Hiroshima

Vergonha de nós todos

Reduziu a cinzas

A carne das crianças

D’África e Vietname

Sobe a lamentação

Dos povos destruídos

Dos povos destroçados

Nada pode apagar

O concerto dos gritos

O nosso tempo é

Pecado organizado.»

O CHEGA VEIO SUBSTITUIR O PCP?

É conhecida a frase de Mark Twain: «O relato da minha morte foi um exagero».

Muito  interessante a crónica do jornalista PedroTadeu, hoje, no Diário de Notícias:

«O que acontece é que estas pessoas que procuram uma equivalência entre Chega e PCP, tão aparentemente indignadas com o ascenso da extrema-direita, acabam sempre por dirigir o tiro político para o mesmo inimigo de sempre, o seu verdadeiro adversário, aquele que, mesmo na mó de baixo, enfarinha as suas irreprimíveis emoções: os comunistas portugueses que, irritantemente, apesar de todas as crises, apesar dos seus erros, apesar das suas sucessivas quebras eleitorais e apesar de todas as declarações antecipadas de morte, ainda valem em Portugal mais de 200 mil votos e elegem 4 deputados, muito acima da extinção parlamentar que as sondagens, durante quase toda a campanha eleitoral, vaticinaram... 

Ó verdadeiros, únicos e genuínos democratas: têm de trabalhar mais, porque ainda não foi desta que mataram o PCP.»

JORNALISMO, SEMPRE!


«Sem jornalismo não há democracia. E não há liberdade.»

José Júdice no Editorial do Diário de Notícias de hoje, anunciando o despedimento colectivo que aconteceu no jornal.

ESTA PALAVRA SAUDADE

Junto de um catre vil, grosseiro e feio,
por uma noite de luar saudoso,
Camões, pendida a fronte sobre o seio,
cisma, embebido num pesar lutuoso...

Eis que na rua um cântico amoroso
subitâneo se ouviu da noite em meio:
Já se abrem as adufas com receio...
Noites de amores! Que trovar mimoso!

Camões acorda e à gelosia assoma;
e aquele canto, como um antigo aroma,
ressuscita-lhe os risos do passado.

Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,
no azul viu perpassar, claro e distante,
de Natércia gentil o vulto amado...

Gonçalves Crespo

terça-feira, 12 de março de 2024

AO MEU CÃO

Deixei-te só , à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de
aceitação De tudo… e apesar disso, sem o pedir,
tentando Insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão. 

Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia, a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.

Cristovam Pavia em O Tempo e o Modo nº 42 Outubro de 1966

segunda-feira, 11 de março de 2024

POSTAIS SEM SELO


Vive a tua memória e assombra-te .

Jack Kerouac

Legenda: pintura de Kandinski