domingo, 30 de abril de 2023

LABIRINTOS DE SONHO


Tempos de Primavera. Corria o mês de Outubro do ano de 1971.

Talvez ninguém pensasse que teríamos de entrar pela Europa dos comércios.

 As palavras publicitárias de José Carlos Ary dos Santos para a publicidade da lã virgem portuguesa:

Minha lã meu amor

Meu livre movimento

Minha festa de cor

Meu novelo de vento

 

Minha lã meu amor

Meu sol de formosura

Meu nilho de calor

Meu toque de ternura

sábado, 29 de abril de 2023

HARRY BELAFONTE (1927-2023)


No dia 25 de Abril, aos 96 anos, morreu Harry Belafonte.

Esta é a capa do único vinil que a Biblioteca da Casa possui. 

Curiosamente foi comprado pelo meu pai que o admirava pela luta que desenvolveu pelos direitos humanos e amizade que manteve com Martin Luther King,e o eterno «I have a dream»


Em Abril de 1968, Harry Belafonte e a sua amiga Petula Clark protagonizaram, num programa especial da cantora britânica na estação “NBC”, uma cena pioneira na televisão americana.

Durante a gravação, enquanto cantavam juntos e sorriam um para o outro, Petula Clark segurou por instantes nos braços e ombros de Harry, levando o patrocinador, a marca de automóveis Plymouth, com medo da reacção do público, a querer retirar a cena da edição final de "The Petula Clark Show”.

Petula Clark recusou a censura e ameaçou não permitir que o show fosse transmitido.

Entre a gravação e a transmissão do “Petula Clark Show”, o caso provocou uma forte polémica na imprensa.

Quando o show, sem cortes, foi finalmente transmitido, registou um elevado índice de audiência, porque o simples contacto amistoso, entre um negro e uma branca, era um facto nunca visto num programa televisivo.



sexta-feira, 28 de abril de 2023

NOTíCIAS DO CIRCO

Aquela moça, vestida de militar, que acompanha sempre as visitas de Marcelo Rebelo Sousa, tem também a missão de verificar se o presidente anda a tomar os comprimidos todos?

Já não bastava o disparate de ter convidado Lula da Silva para ir ao Parlamento no 25 de Abril, soube agora, leitura de rodapé, que atribuiu à mulher do presidente brasileiro a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Mas por alma de quem?

Está tudo doido?!

MALTRATAR O 25 DE ABRIL

Em 1994, vi duas vezes o espetáculo Europa Não! Portugal Nunca!, no qual Mário Viegas encenava a conferência de imprensa de anúncio da sua pré-pré-candidatura à Presidência da República. Encontrei uns excertos no YouTube,  graças a um certo Francisco Grave a quem agradeço o serviço público. Há uma parte do espetáculo que recordo bem, porque se dirigia a mim e às outras pessoas da minha idade, os que no 25 de abril de 1974, aquele que acontecera há 20 anos, éramos “crianças pequeninas, que não sabiam o que se passava”. Eu ainda nem tinha nascido, mas foi coisa de alguns meses.

Segundo o pré-pré candidato: “Está claro que andavam às costas dos pais nas manifestações” que, quando erguiam os braços para gritar palavras de ordem (“Venceremos!”), nos deixavam cair ao chão. A nossa geração teria assim batido demasiadas vezes com a cabeça, devido aos ímpetos revolucionários dos nossos pais. Tudo isto era feito com o talento único de Mário Viegas, acompanhado de leituras de uns livros sobre o 25 de Abril explicado aos jovens que nos tornariam ainda mais tolos do que as quedas de cabeça no chão. A audiência ria, e passávamos a outra coisa, não sem antes o pré-pré-candidato prometer: “Sendo eu Presidente da República, queira o povo português, usarei outro tipo de linguagem com a juventude (...) não considero os jovens atrasados mentais.”

Susana Peralta, hoje, no Público

HOJE, DIA DE TODOS OS DEMÓNIOS

hoje, dia de todos os demónios
irei ao cemitério onde repousa Sá-Carneiro
a gente às vezes esquece a dor dos outros
o trabalho dos outros o coval
dos outros


ora este foi dos tais a quem não deram passaporte
de forma que embarcou clandestino
não tinha política tinha física
mas nem assim o passaram
e quando a coisa estava a ir a mais
tzzt… uma poção de estricnina
deu-lhe a moleza foi dormir


preferiu umas dores no lado esquerdo da alma
uns disparates com as pernas na hora apaziguadora
herói à sua maneira recusou-se
a beber o pátrio mijo
deu a mão ao Antero, foi-se, e pronto,
desembarcou como tinha embarcado


Sem Jeito para o Negócio

Mário Cesariny de Vasconcelos

quinta-feira, 27 de abril de 2023

UM CRAVO E UM CHEIRINHO DE ALECRIM

Na véspera do 25 de Abril, finalmente Chico Buarque de Holanda, recebeu o Prémio Camões que lhe foi concedido em 2019.

Tal como ele muito bem lembrou:

«No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele Governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-Presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso Presidente Lula.»

 

O discurso de Chico Buarque de Holanda:

 

«Ao receber este prémio penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária. Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá no meu posto, a receber o Prêmio Camões com muito mais propriedade. Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos sessenta, retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspectos mais profundo.

O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco. Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, baptizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica. Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tenho uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos sinto-me em casa e esmero-me nas colocações pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema Morte e Vida Severina com músicas minhas, ele, um poeta consagrado e eu, um atrevido estudante de arquitectura. O grande João Cabral, primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música, e não sei se chegou a folhear algum livro meu.

Escrevi um primeiro romance, "Estorvo", em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de Prêmio Camões. De vários autores aqui premiados fui amigo, e de outras e outros – do Brasil, de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde - sou leitor e admirador. Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim. 

Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade. Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele Governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-Presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso Presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo.

Muito obrigado.»

 

Legenda: imagem do Público

VOLTA E MEIA...

Volta e meia o Café Império aparece por aqui. 

O velho piano, o Tom Waits a lembrar que é o piano que está bebado, não ele...

Mas hoje aparece pela mão do Sr. Léo Ferré:

«Tenho em casa, em cima do piano, um relógio de areia do século XV. De vez em quando, viro-o e fico-me a var a reia a cair...»

QUE FAÇO AQUI?

Não sei se o mundo mentiu
Eu menti
Não sei se o mundo conspirou contra o amor
Eu conspirei contra o amor
O ambiente de tortura não é agradável
Eu torturei
Mesmo sem a nuvem em forma de cogumelo
ainda assim teria odiado
Escutai
teria feito as mesmas coisas
mesmo que a morte não existisse
Não me deterei como um bêbado
sobre a fria corrente dos factos
Recuso o álibi universal

Como uma cabine telefónica vazia na noite
da memória
como os espelhos de uma sala de cinema
como uma só saída
como uma ninfomaníaca que se une a mil seres
em estranha fraternidade
espero
que cada um de vós confesse.

Leonard Cohen em Filhos da Neve

quarta-feira, 26 de abril de 2023

TAMBÉM SE MORRE DE ALEGRIA!


 Pedro dos Santos Oom do Vale, nasceu em Santarém no dia 24 de Junho de 1926.

No dia 26 de Abril o coração não resistiu à alegria que a Revolução lhe trouxera.

Poema de Pedro Oom, escrito com tinta azul, no Catálogo da 1ª Exposição dos Surrealistas, 1949.

Tirado do Catálogo do «Legado de Mário Henrique Leiria na Colecção Manuel de Brito».

 Pedro Oom tem colaboração em Coisas, 1º volume da Colecção  & ETC:

UM TOSTÃO PARA O ENSINO

«Num pequeno país atrasado e pobre o Primeiro-Ministro preocupava-se muito com a ignorância do seu povo.

 A percentagem de iletrados era tal que não se descortinava maneira de arrancar do estado de subdesenvolvimento para a fase industrial a que o país necessitava chegar.

O Primeiro-Ministro reuniu os melhores pedagogos do país que elaboraram um pequeno livro de bolso, a que chamaram a “Cartilha Paternal”, onde se resumia em frases simples toda a Ciência existente.

A “Cartilha Paternal” foi distribuída gratuitamente a todo o Povo, o qual lhe deu a serventia que estava habituado a dar a tudo o que fosse papel, liso ou impresso.

 Moral: a instrução não custa um tostão…»

 Na revista Grifo também encontramos colaboração de Pedro Oom:

Poesia não é uma medalha para por no peito dos tiranos mas uma imensa solidão feita de pedras, onde o despotismo pode encomendar o ataúde. Cada um de nós odeia o que ama. Por isso o poeta não ama a poesia que é só desespero e solidão mas acalenta ao peito as formigas da revolta e da rebeldia, que todos os déspotas querem submissas e procriadoras. Só os voluntários da miséria e da submissão patriarcal querem a poesia na arca da aliança com a tradição pacóvia e regionalista dos pretéritos dias, glórias patrioteiras, heroicidades frustres, pirataria ignara. Todo o verdadeiro poeta despreza o pequeno monte de esterco onde o dejectaram no planeta e a que os outros chamam pátria, e só ama os grandes continentes mares e oceanos da liberdade e do amor. Só nos vastos espaços incriados a poesia serve o seu destino – catapultar o homem nos abismos do desejo incontrolado onde o próprio assassinato é um acto de poesia e de amor. Este assassinato de que falo é o grande amplexo de homem para homem a solidariedade e a ternura, não a caridade hipócrita ou a cama de família, com todo o seu pequeno cortejo de horrores, onde a exploração do filho pelo pai dita a sua lei.

Pedro Oom

OLHAR AS CAPAS


John Bull

Ramalho Ortigão

Livraria Clássica Editora, Lisboa, Abril de 1959

Pátria! Recebe – primeiro que tudo – os meus parabéns pelo brilhantíssimo atraso em que te achas sobre a senda das reformas económicas administrativas e sociais com relação ao movimento de todos os demais da Europa.

RELANCE

(para «Poesia – IV» de José Gomes Ferreira)

 

Há dias um poema repentinamente teu

veio em cascatas de luz

morder-me a boca.

 

eu poderia inscrever palavras sobre o sangue

que se assomou em mim (chamando-lhe

nomes como corola, estrelas e cometas).

 

poderia dizer que vi aves de sombra

a deslizarem o chão em cada espaço

conquistado pela vida das palavras,

 

ou astros como áticas colunas

a atraírem a terra de luz

ao que nós ocupámos de azul e de poetas.

 

mas não quis. o peso das palavras

sabe a sangue. E o rumo dos rios

a descobertas de naufrágio.

 

direi só: há dias um poema repentinamente teu

veio em cascata de luz

morder-me a boca

 

ou foi a tua voz que encheu

meu gosto de te ler.

(1971)

João Tomás Parreira

terça-feira, 25 de abril de 2023

CONVERSANDO


 Era uma vez…

Quarenta e nove anos do 25 de Abril.

Final do poema «A Nossa Terra» do poeta catalão Félix Cucurul em  «Vida Terrena» :

«Agora, juntos, temos de construir um país

sem fome de nenhuma espécie, sem mitos,

um país de onde não seja preciso partir,

uma pátria onde tu e eu possamos sentir-nos

plenamente entre outros homens»

A «Vida Terrena» é o número 12 da excelente «Colecção Poesia e Ensaio», invenção de Vitor Silva Tavares, enquanto director literário da Editora Ulisseia.

Tradução de António de Macedo com a colaboração de Carlos de Oliveira que também escreveu o prefácio.

A fotografia no cimo do texto é um pormenor da Exposição «Carlos de Oliveira: A Parte Submersa do Iceberg», Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira, Outubro de 2017 e mostra uma reprodução do 1º volume dos Dias Comuns do José Gomes Ferreira, 16 de Maio de 1966, em que acusa a recepção de «Vida Terrena» que Félix Cucurul lhe enviara de Barcelona e que lhe trouxe à memória um rosbife, rijo como cornos, ou como diz o Zé Gomes: «duro como o fascismo».

EM ABRIL, COM O SR. ALVES E O SR. PINA



 


Todos os anos por Abril, Luís Alves, o dono da Livraria Ler, junto ao Jardim da Parada, em Campo de Ourique, expunha, nas suas montras, livros que foram proibidos pela PIDE, bem como os respectivos autos de apreensão.

Luís Alves tinha 83 anos quando morreu a 23 de Janeiro de 2015.

Durante os consulados ditatoriais de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano terão siso proibidos cerca de 4.000 livros de autores portugueses e estrangeiros.

 «Aos serviços de Censura pertence o encargo de corrigir o ambiente político», escrevia em 1932, o Director Geral  da Censura, Major de Artilharia Álvaro Salvação Barreto.

Manuel António Pina:

«Às vezes pergunto-me quem raio seria eu se, em vez de ter lido os livros que li, tivesse antes lido os que não li. Provavelmente cruzar-me-ia comigo na rua e não me reconheceria.

Quando lhe perguntaram um dia quem era, Borges respondeu que era todos os livros que lera. Todas as pessoas que amara, todos os lugares que conhecera.»

segunda-feira, 24 de abril de 2023

LIVRARIA OPINIÃO


 Fernando Assis Pacheco, num velho artigo em O Jornal tem uma crónica-reportagem a que chamou. «Um porta-aviões chamado Opinião».

E adiantava:

«Quem chamou porta-aviões à Opinião foi o Hipólito Clemente, 33 anos, livreiro, poeta de livro publicado, pintor que do gosto em ler entende que ser vendedor de livros é tão ou mais bonito.»

 A livraria «Opinião» encontrava-se nas traseiras do edifício do «República», mais concretamente as janelas e porta da tipografia do jornal davam para a Livraria, e o que por lá acontecia, os amigos e clientes que recebia, a apresentação de livros, exposições, colóquios  era um dos desesperos diários da PIDE. Visitas constantes para «verem» os livros fora do mercado que por lá apareciam sem se saber bem como. No dia 25 de Abril, quando Salgueiro Maia colocou as chaimites e a tropa frente ao Quartel do Carmo, na «Opinião» podia ver-se uma exposição de desenhos de Renato Cruz, então exilado em França.

Oitenta personagens onde pontificavam escritores, jornalistas, pintores, advogados, etc., animados de tudo e mais alguma coisa, excepto cifrões, inventaram a «Opinião» -livraria, discoteca, bar, ponto de reunião.

No Jornalde Crítica de 22 de Outubro de 1971,  sai o primeiro aviso de que brevemente iríamos ter Opinião.


Outras partes do filme:



Os passos que marcam o nascimento da Livraia Opinião estão rodeados de diversas peripécias e dificuldades que foram atrasando a sua abertura. Uma delas regista que o engano nas medidas de algumas das estantes levaram a que essas estantes fossem, a um excelente preço, colocadas à venda. Sei do que falo. Comprei uma dessas estantes por mil escudos, excelente madeira, acabamentos de primor e após 52 anos, apesar do peso dos livros, as prateleiras mantÉm o mesmo nível. 


No dia de 3 Dezembro podia ler-se que finalmente iríamos ter Opinião.


Na  véspera de Natal o Jornal de Crítica colocava o anúncio que a Livraria Opinião, finalmente, abrira as suas portas na Rua Nova da Trindade nº 24. Um bar no topo do edifício era a cereja no topo do bolo.

E a Opinião que conseguira lutar contra a censura pidesca encontrou situações insustentáveis após o 25 de Abril.  O capital era reduzido, as dívidas foram-se acumulando, os livros tornaram-se objectos de luxo.  Houve meses em que o dinheiro não chegava sequer para os salários e eram necessários dois mil contos que não foram possíveis arranjar e a Banca só emprestava dinheiro a quem o tem ou possa oferecer uma garantia,  e Não havia.

Num dos seus bookcionários, Fernando Assis Pacheco resumia a situação:  

Corria o ano de 1980 quando deixámos de ter a Opinião. 

Mais tarde, no mesmo local, imagem no topo do texto, instalou-se a Editorial Cotovia. 

Em Novembro de 2020 a Cotovia fechou portas. 

Hoje, não sei o que está no espaço que foi da Opinião e da Cotovia.

Terei, um destes dias, de dar corda aos sapatos  e depois dar notícias.

JORNAL DE CRÍTICA


Coordenado por Orlando Neves, «Jornal de Crítica» foi um suplemento do «Repúnlica», publicava-se aos sábados, e da redacção faziam parte Afonso Cautela, Armando Pereira da Silva, Carlos Porto, Miguel Serrano, Serafim Ferreira, Tito Lívio e José Agostinho Bapaista.

O seu 1º número está datado de de 9 de Janeiro de 1971.

A partir do seu nº 11, 19 de Março de 1971, passou a publicar-se aos sábados.

O triste pio do «Jornal de Crítica», publicados que estavam 57 números, ocorre no dia  24 de Março de 1972.

Outros «valores» se levantaram de quem passou a orientar os «novos» passos orientadores do velho diário.

domingo, 23 de abril de 2023

DIAS & DIAS


 Segundo o calendário, celebra-se hoje o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. 

Acrescentam que a data tem como objetivo reconhecer a importância e a utilidade dos livros, assim como incentivar hábitos de leitura na população e lembram que nesta data, em 1916, morreu Miguel de Cervantes, e em 1899 nasceu Vladimir Nabokov, também o dia em que nasceu e morreu William Shakespeare.

Como por este Cais não se dá importância aos dias, que assinalam pessoas ou o que quer que seja, fico sem saber como aqui assim chego, pois há longos anos e longos, para mim, anos, todos os dias são Dias do Livro.

Como também não sei se há um Dia das Livrarias, mais concretamente um dia das Livrarias Desaparecidas.

O tempo em que entrava mas livrarias como a borboleta é atraída pela luz, quando havia livrarias e, hoje, em Lisboa, uma mão chega e sobra para as contar.

Não sei mesmo se há um Dia das Livrarias, mas conto, amanhã, trazer aqui o que foi a Livraria Opinião, que depois passou a ser a Editora Cotovia que fechou portas no findar do ano 2020, e agora, não sei o que lá está.

OUTROS QUOTIDIANOS


 Aquando da morte de Joaquim Pessoa, em buscas na net, encontrei no blogue «Ié-Ié» esta curiosa história que, aparentemente, deverá marcar o aparecimento público de Joaquim Pessoa:

«O Trio Araripa, de que falou no post do Paulo de Carvalho, fez-lhe recordar uma velha história.

No século passado, fez parte de uma lista candidata à Direcção do Sindicato dos Trabalhadores de Terra da Marinha Mercante, Aeronavegação e Pesca.

Escolhido para Presidente da Mesa da Assembleia Geral encontrava-se Luiz Villas-Boas que entendeu que se deveria encerrar a campanha eleitoral com um convívio musical.

Ele trataria de tudo.

Numa tarde de domingo conseguiu juntar na “Guilherme Cossoul”, José Carlos Ary dos Santos, Carlos Paredes, Fernando Tordo e o Trio Araripa.

Segundo Villas-Boas, o Trio Araripa fazia ali a sua estreia e era constituído por José Eduardo, Emílio e João. Navegavam, principalmente, na área jazzistica.

Ary dos Santos, pela primeira vez, recitaria, “Bandeira Comunista”.

Uma figura tímida, praticamente desconhecida, que não estava no programa, e que também recitou poemas. Tratava-se do Joaquim Pessoa.

O convívio acabou no bar da “Guilherme Cossoul” e não pode esquecer essa força da natureza que era Ary dos Santos. Acompanhava lulas recheadas com “gin-tonic” e pelo meio recitava poemas e contava histórias deliciosas.

Tempo, agora, para uma chapelada a esse extraordinário Vilas, outra força da natureza, que nos deixou em 1999, um companheiro bem-humorado, com uma cultura musical, simplesmente de arrasar.

Não tem qualquer tipo de dúvidas em afirmar que a História do Jazz em Portugal está balizada com um “antes de Villas-Boas”e um “depois de Villas-Boas”. »

sábado, 22 de abril de 2023

POSTAIS SEM SELO

O problema é mesmo do país e, sendo assim, está em todos nós. Quem nunca pediu um favor ou meteu uma cunha, ou se calou perante um abuso, que levante o braço!

Vou beber um copo, para a realidade não ser tão dolorosa.

Pedro Garcias 

OLHARES


O trabalhador de limpeza da Junta de Freguesia de Arroios terá que telefonar  a outros serviços para levar o lixo que «gente maluca e porca» vai deixando pelos passeios da cidade.

NOTÍCIAS DO CIRCO

O «jornalismo de sargeta» avança desalmadamente.

Lido, agora, no Diário de Notícias:

«Aprimeira dama do Brasil, Janja, foi filmada esta sexta-feira numa loja de luxo na Avenida da Liberdade, em Lisboa, onde se encontra a acompanhar o marido, Lula da Silva, na primeira viagem à Europa desde que voltou à presidência.

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Janja visitou a loja de vestuário masculino de luxo Zegna, onde casacos podem custar 2900 euros, gravatas 170 euros e t-shirts 1950 euros.

A assessoria da primeira-dama não prestou quaisquer esclarecimentos à imprensa brasileira.»

OS CLÀSSICOS DO MEU PAI


O meu pai tinha Lisboa dentro dele.

Como Marilyn Monroe, espantava-se com os que diziam que as noites são para os sonhos. Servem para sonhos, mas para muito mais.

Trabalhava noite dentro, o fecho do jornal, quem saberá hoje o que isso é, jogatanas de poker, que abandonou quando nasci, ceias com os camaradas do jornal, amigas com quem bebia aguardente Ferreirinha ao balcão de um qualquer ao bar, sapatos de tiras e pões, conversas sem fim.  

O lindíssimo poema «Amélia dos Olhos Doces» do Joaquim Pessoa, caía-lhe como uma luva, umdos seus clássicos.

Quando para o meu pai gravei em cassettes as canções de que ele muito gostava, o aviso de que teria de lá estar a «Amélia dos Olhos Doces», foi dos primeiros avisos para que não houvesse esse esquecimento.

 Amélia dos Olhos Doces

quem é que te trouxe

grávida de esperança?

Um gosto de flor na boca.

Na pele e na roupa

perfumes de França.

 

Cabelos cor de viúva.

Cabelos de chuva.

Sapatos de tiras

e pões, quantas vezes

não queres e não amas

os homens que dormem

contigo na cam.

 

Amélia dos Olhos Doces

Quem dera que fosses

apenas mulher.

Amélia dos Olhos Doces

se ao menos tivesses

direito a viver!

 

Amélia gaivota

amante ou poeta.

Rosa de café.

Amélia gaiata

Do Bairro da Lata.

Do Cais do Sodré.

 

Tens um nome de navio.

Teu corpo é um rio

onde a sede corre.

Olhos Dcoces. Quem diria

que o amor nascia

onde Amélia morre?

 

Cabelos cor de viúva.

Cabelos de chuva.

Sapatos de tiras

e  pões, quantas vezes

não queres e não amas

os homens que dormem

contigo na cama.

O pai do Carlos Mendes, foi meu pediatra. Militante comunista, Abílio Mendes de seu nome, consultório num 1º andar na Travessa do Calado, teve vários e sérios problemas com a ditadura de Salazar. Muitas vezes telefonavam do consultório a dizer que o Sr. Doutor, por estar em viagem, teria que remarcar a consulta para um outro dia. As viagens ocorriam para os calabouços pidescos.

 Esta música de sábado lembra também Joaquim Pessoa que há uns dias partiu para onde as nuvens da sua infância sobrevivem, e os velhos desejos nunca se apagam.

MÚSICA PELA MANHÃ

A música deste sábado teria que incidir sobre as canções que o Carlos Mendes fez para alguns poemas do Joaquim Pessoa.

Justamente «Amélia dos Olhos Doces», uma canção de que o meu pai muito gostava, e sendo um dos seus Clássicos, já há muito aqui deveria ter desaguado, mas o mundo dos livros, das músicas é demasiado vasto para o pouco tempo que, cada vez mais intensamente, vou tendo.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

O ESCRITOR QUE QUERIA SER


 «Sou constantemente assaltado por memórias de sítios onde vivi, as casas e os bairros. Por exemplo, há um prédio vermelho de arenito, nas East Seventies, onde, no princípio da guerra, aluguei o meu primeiro apartamento em Nova Iorque. Era uma assoalhada atravancada de mobílias de sótão, um sofá e grandes cadeiras estofadas daquele veludo vermelho desbotado tão característico, que geralmente se associa aos dias de calor dentro de um comboio. As paredes eram de estuque, de uma cor de seiva de tabaco. Por toda a parte, até na casa de banho, havia gravuras de ruínas romanas acastanhadas pelo tempo. A única janela dava para uma escada de incêndio. Mesmo assim, ficava bastante eufórico quando sentia no bolso a chave para aquele apartamento tão esconso e sombrio; não deixava de ser um sítio meu, o primeiro, e tinha lá os meus livros e colecções de lápis por afiar, tudo o que precisava, julgava eu, para me tornar o escritor que queria ser.»

Truman Capote em  Breakfast At Tiffnys

QUOTIDIANOS

Luis Montenegro:

O maior problema que encontro na política portuguesa é mesmo o socialismo, que tem gerado empobrecimento, perda de oportunidades, baixos salários, que nos tem remetido para a cauda da Europa.»

Diz o roto ao nu.

Em que Montenegro difere de Costa?

Em muita coisa será e sempre para pior.

Certo que o governo de maioria absoluta de António Costa tem vivido num estado de quase permanente desvario,  quase permanentemente à beira do Kaos.

Não me revejo nas políticas do Partido Socialista mas não quero, de modo algum, o que Montenegro pretende vender.

 António Campos, fundador do PS, não participou nas comemorações dos 50 anos do partido e justificou:

«O PS é um partido morto, não existe. É um partido que não quer saber do país, justificou.»

PATTI SMITH EXPLICA O CÂNTICO DOS CÂNTICOS


Deitamo-nos juntos na noite ilegal
trespassados por faíscas de prata

Talvez fôssemos sem saber nessa hora
a senha aguardada por mundos futuros
Talvez desvendássemos um centro para as rosas
e agora é de lá que partem os comboios
a decidir o curso dos impérios

Pouco importa que tenha chegado a aurora
aos bares que cumprem o horário nocturno
e o cheiro dos desinfectantes mostre
como se apagam
os vestígios do amor

José Tolentino Mendonça em Resumo: a poesia em 2012

quinta-feira, 20 de abril de 2023

POSTAIS SEM SELO


O passado não é o passado porque está sempre connosco.

Peter Bogdanovich

A VONTADE DO PARLAMENTO, NÃO OUTRAS VONTADES!

«O presidente percebeu que mais um pedido de fiscalização voltaria para trás e optou por um falso veto político. O único objetivo de Marcelo é ficar de bem com a sua consciência de católico, sendo obrigado a promulgar.

Porque faz Marcelo isto? Porque o seu compromisso, neste caso, não é com o país, com as suas funções ou sequer com as suas convicções políticas. Se fosse, aceitaria que a lei mais escrutinada e revista da nossa história democrática, com maioria parlamentar larguíssima, passasse depois de ter deixado claríssima a sua oposição. O seu compromisso é com a sua fé. É com o que ele julga ser a vontade de Deus. E quando isso acontece na política é sempre inevitável um impasse. A fé não negoceia, não transige.

 Na realidade, o único objetivo de Marcelo é ficar de bem com a sua consciência de católico e ser obrigado a promulgar sem “culpa”. O que não nos diz nem deveria dizer respeito. Assim sendo, cabe à Assembleia da nossa República laica fazer avançar uma lei com larguíssima maioria parlamentar e total legitimidade democrática. Infelizmente, as resistências do Presidente deixaram de ser políticas, para serem pessoais.»

Daniel de Oliveira no Expresso

OLHAR AS CAPAS


 A Noite Mais Escura da Alma

Ana Teresa Pereira

Capa: José Serrão

Editorial Caminho, Lisboa, Junho de 1997

Naquela noite sonhou que tinha voltado à torre.

A sua torre.

Não sabia localizá-la. No fim de um caminho entre rochas escarpadas (onde cresciam flores brancas), atrás de uma povoação fantasma varrida pelo vento, ou vagamente confundida com uma casa em ruínas onde entrava o nevoeiro.

Estivera lá muitas vezes, ao longo dos anos, de «voltar». Mas nunca trouxera a sua imagem para a vida acordada , era um local nocturno, de um outro mundo.

A torre era de pedra, com aberturas irregulares por onde se viam as rochas e o mar. Tinha a vaga ideia de já ter nascido as escadas, de ter mergulhado em pântanos e silêncio.

Mas era a primeira vez que se lembrava da torre ao despertar… O mesmo não acontecera com a livraria escura que ficava numa cave em ruas que existiam de facto, e onde encontrara livros impossíveis de Richmal Crompton, John Dickson Carr e mais recentemente de Iris Murdoch.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

POSTAIS SEM SELO


 O navio é uma ilha habitada por homens e os seus fantasmas.

Mia Couto

VELHOS RECORTES



Aos trinta de Janeiro de mil novecentos e sessenta e três, pelas dezasseis horas e trinta minutos, reuniu-se na Casa Da Imprensa de Lisboa uma comissão constituída pelos críticos: Srs. D. Manuela Azevedo, Boavida Portugal, Fernando Soromenho, Francine Benoit, Manuel de Azevedo, Moreira da Câmara, Portal da Costa, Saraiva Mendes e Tomás Ribas, estando presentes em nome da Casa da Imprensa, o director Nuno Rocha e em nome dos artistas votados, Luis Piçarra.

A Comissão verificou os setenta e dois boletins recebidos para atribuição dos “Óscares da Imprensa de 1962” e, uma vez observada a votação, decidiu por unanimidade proclamar vencedores dos Óscares da Imprensa os seguintes artistas e programas:

melhor dramaturgo: Bernardo Santareno,
melhor actriz de teatro: Laura Alves,
melhor actor de teatro: Rogério Paulo,
melhor companhia de teatro: Teatro Moderno de Lisboa,
melhor realizador de cinema: Jorge Brum do Canto,
melhor actriz de cinema: Mariana Rey Monteiro,
melhor actor de cinema: Raul Solnado,
melhor locutora de televisão: Maria João,
melhor locutor de televisão: Henrique Mendes,
melhor locutora da rádio: Maria Leonor,
melhor locutor da rádio: Artur Agostinho,
melhor cantora: Cristina Maria,
melhor cantor: Luis Piçarra,
melhor compositor de música ligeira: Nóbrega e Sousa,
melhor solista de música ligeira: Eugénia Lima,
melhores cançonetistas: Maria de Lurdes Resende e António Calvário,
melhor conjunto de música ligeira: Jorge Machado,
melhor conjunto vocal: Trio Odemira,
melhor programa de televisão: Melodias de Sempre,
melhor programa de rádio: Meia-Noite,
melhor produtor de rádio: Francisco Mata,
melhor cantadeira de fado: Amália Rodrigues,
melhor cantador de fado: Fernando Farinha,
melhor matador de touros: Manuel dos Santos,
melhor cavaleiro tauromáquico: João Núncio,
melhor desportista: Manuel de Oliveira,
melhor jogador de futebol: Eusébio.

Os Óscares da Casa da Imprensa foram entregues no decorrer de um espectáculo de variedades, realizado no Pavilhão dos Desportos no dia 14 de Fevereiro de 1963.

A 1ª parte foi preenchida pelo Show Internacional do Casino Estoril e actuaram Thilo’s Combo, “a última revelação em conjuntos musicais portugueses”, com o vocalista-baterista Fernando Rueda, Larry Dixon, “o notável fantasista sul –americano”, a vedeta da “Bossa Nova” e “coqueluche de Paris”, Laura Villa.

A 2ª parte começou com o indicativo musical pela Orquestra Ligeira da Emissora Nacional dirigida pelo Maestro Tavares Belo, seguindo-se os cantores Gina Maria, João Maria Tudela, Maria Eugénia, solo de bateria por Jorge Costa Pinto, Fernanda Maria, Eugénia Lima, Rui de Mascarenhas, solo de guitarra por Carlos Menezes com o Conjunto de Shegundo Galarza, Paula Ribas, Luis Piçarra, Carlos Ramos, Cristina Maria, Fernando Farinha, Simone de Oliveira, António Calvário, Maria de Lurdes Resende, Vicente da Câmara, Maria Teresa de Noronha.

A locução esteve a cargo de Maria Leonor, Maria João, Artur Agostinho e Henrique Mendes.

A 3ª parte começou com a actuação da Orquestra Típica Scalabitana dirigida pelo Maestro Joaquim Luis Gomes e actuaram Luz da Nazaré , J0sé Nobre, Liza Maria, Zeca do Rock, Zelinda Isabel, Trio Harmonia, Maria Marize, Paulo Jorge, Marina Neves, Carlos do Carmo, Maria Fiúza, Artur Garcia, Nelo do “Twist”, Domingues Marques, Conjunto “4 de Espadas”.

Locução de Maria José Baião e João Martins.

Na 4ª parte actuaram Valentina Félix, Camilo de Oliveira, Berta Loran, Eugénio Salvador, o “ballet” inglês de Peggy O’ Farell (cedido gentilmente pelo empresário José Miguel), Maria Adelina, Spina, Elvira Velez, Carlos Coelho, Leónia Mendes, Helena Tavares e o maestro Fernando de Carvalho (cedido gentilmente pelo empresário Giuseppe Bastos).

A locução esteve a cargo de Gina Esteves, Tany Belo, Maria Fernanda, Isabel Wolmar e Carlos Cruz.
 

POEMA DE AGRADECIMENTO À CORJA

Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.

Joaquim Pessoa

terça-feira, 18 de abril de 2023

JOAQUIM PESSOA (1948-2023)


 Morreu o Joaquim Pessoa.

E a velha e triste frase:

Algumas mortes também são nossas mortes.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

POSTAIS SEM SELO


 Viver é a coisa mais rara do mundo – a maioria das pessoas apenas existe.

Oscar Wilde

O FRIO

Tocar com a língua
na cúpula do ar.

Acomodar os víveres
movimentar o vento.

Fazer deste poema
um frigorífico.

Nas prateleiras ácidas
o silêncio (duplo) dos peixes;
o choro terno e tenro
da hortaliça.

Tocar com as palavras
na cápsula do mar.

Incomodar os vivos.
Mexer na carne com dedos
subversivos.

Impor aos homens
esta abundância fria
colhida nos catálogos.

A elegância
dos ovos
em repouso.

Um mulher serena sonha
com o frio; corre-lhe
pelo corpo o leite desnatado
e fica nos anúncios
pensativa.

No íntimo do corpo
há fendas numeradas
onde o fresco se atreve
a conservar os nervos.

Está na hora
de refrescar a boca.

Donas de casa
e pensadores diários
eis aqui uma demonstração
gratuita do frio.

Armando Silva Carvalho de O Comércio dos Nervos em O Que Foi Passado a Limpo


domingo, 16 de abril de 2023

POSTAIS SEM SELO


Se não estiveres no meio da maior das dores, nunca chegarás à maior das alegrias. Tal parece uma maldição, uma das piores, caída sobre os humanos.

Gonçalo M. Tavares

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?

Íamos ao cinema e saíamos, percorrendo as ruas da cidade, a discutir o filme e ao encontro das baiúcas que sabíamos abertas até tarde, para um cope e mais conversa. A «Alga», o «Pote», nas chamadas Avenidas Novas, ainda hoje de portas abertas, mas sem o tom dos tempos de então.

Assim aprendíamos a ver cinema.

DITOS & REDITOS


Se não sabes despedir-te diz que já voltas.

Tarde se arrepende quem tudo despende.

Quando há vento é que se iça a vela.

É preciso ver mais longe, senão corremos o risco de não ver nada.

Ano de nevão, ano de pão.

Todos nós, na nossa vida, temos uma hora de burro.

A simplicidade dá imenso trabalho.

A privacidade é um direito vulnerável.

sábado, 15 de abril de 2023

E PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


 Edição da Tinta.da-China.

MÚSICA PELA MANHÃ


Estamos com o livro de Armando Silva Carvalho «Sentimento de um Acidental», editado em 1981.

O capítulo chama-se «Isto faz-me Impressão» e o autor apresta-se a esclarecer:

«Isto faz-me impressão» - desabafo de Amália Rodrigues ao verificar que estavam a gravar uma actuação sua no Café Luso, há muitos anos.

Que isto seja entendido como reconhecimento a uma Voz que nunca me largou na vida.»

Existem!

São aqueles de que gosto muito e por isso cito «Com Que Voz» de Amália Rodrigues, gravado em Janeiro de 1969, um disco perfeito.

A criteriosa escolha dos poemas que Amália canta, a música de Alain Oulman.

Mas está por lá um poema que marca toda uma diferença.

Chama-se «Gaivota» e tem autoria de Alexandre O’ Neill.

Para contar histórias sobre a canção, sirvo-me do livro de Maria Antónia Oliveira, «Alexandre O’ Neill – Uma Biografia Literária».

O’ Neill embirrava com o fado.

Alain Oulman tinha uma música para a qual precisava de uma letra, a música era muito bonita e tentou convencer o poeta a escrever, mas O’ Neill não queria, tão pouco abominava o fado - «a desgraça atávica deste país» - e nem sequer queria conhecer Amália.

José Fonseca e Costa, no livro da Maria Antónia Oliveira, conta:

«Um dia o Alain tocou para nós uma música que o atormentava, estranha música era essa, bela e profunda, toda feita de altos e baixos, como as ondas do mar ou o voo das aves, com notas que nos entravam na alma e ficavam cá dentro a vibrar. Disse, depois de fechar o piano, que não descobrira nem verso de letrista de fados nem poema de grande poeta que coubesse naquela tão estranha, tão enigmática e tão bela música. Perguntou ao Alexandre, provocador, se não seria capz de escrever um poema por ela inspirado e medido e, por uma vez, o Alexandre ficou calado, como se não tivesse ouvido o desafio. Fechou-se naquele sorriso sarcástico que ostentava sempre, aquele com que sorria “à morte com meia cara”.»

A letra de Gaivota começou a ser pensada naquele mesma tarde de Novembro, de volta de umas castanhas assadas e da água-pé, no Martinho da Arcada.

Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse

Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa
Esmorece e cai no mar

Que perfeito coração
No meu peito bateria
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração

Se um português marinheiro
Dos sete mares andarilho
Fosse quem sabe o primeiro

A contar-me o que inventasse
Se um olhar de novo brilho
Ao meu olhar se enlaçasse

Que perfeito coração
No meu peito bateria
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração

Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu
Me dessem na despedida

O teu olhar derradeiro
Esse olhar que era só teu
Amor que foste o primeiro

Que perfeito coração
Morreria no meu peito
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração

Meu amor
Na tua mão
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração