quinta-feira, 6 de abril de 2023

O JORNALISMO É COMO O JAZZ DE JOSÉ DUARTE?


Nunca estive na mesma sala que José Duarte. Falei, algumas vezes, com o autor do programa de rádio Cinco Minutos de Jazz ao telefone por motivos profissionais. E, no entanto, a notícia da morte dele, na passada quinta-feira, enlutou-me.

Se gosto de música (de jazz e de muitas outras), se penso ideologicamente do lado progressista da política, devo isso ao trabalho de muitas pessoas e uma delas, desde os meus 10/11 anos, foi o trabalho de José Duarte: os seus programas na rádio e na televisão, os seus artigos, os seus livros deram-me centenas de horas de prazer, toneladas de saber e possibilidades infinitas de reflexão - uma dívida que nunca agradeci.

Vou tentar retribuir, aqui, citando uma parte da comunicação que José Duarte fez no Congresso dos Jornalistas de 1998.

Há 25 anos, era Bill Clinton presidente da América, José Duarte, em defesa da ideia de que a comunicação social deveria dar mais espaço e relevância às artes e à música, sobretudo às que não são conhecidas da maioria das pessoas, fez um paralelo entre o papel do jazz e o papel dos jornalistas.

Penso que não era mau nós, jornalistas, voltarmos a escutar, nestes tempos de bolhas comunicacionais, pensamentos únicos e orgulhosa intolerância perante a diferença, lermos com atenção o que se segue:

"Um jornalista, qualquer jornalista deve ser uma individualidade culta, com atenção a áreas que ultrapassam a sua área de atuação.

Quem sabe que um penálti é quase golo garantido deve saber que Parker não foi quem inventou as canetas de tinta permanente, mas sim um saxofonista genial.

Tal como quem sabe os solos de Miles Davis de cor deve saber que Clinton toca (saxofone) tenor e pode decidir sobre bombardeamentos.

"Os programas [de José Duarte] na rádio e na televisão, os seus artigos, os seus livros deram-me centenas de horas de prazer, toneladas de saber e possibilidades infinitas de reflexão - uma dívida que nunca agradeci."

Todos lutamos por um povo culto com jornalismo culto e ser culto é reconhecer e conhecer Outras Culturas, Outras Músicas, que são a propósito delas as minhas principais denúncias.

Um especialista - também se sabe - é todo aquele que cada vez sabe mais de cada vez menos.

Um jornalista não deve ser um especialista cego, mudo e surdo em relação a outras áreas essenciais que não a sua.

Quantas vezes deparei e deparo com um certo, quase sempre assumido, hábito de marginalizar informações sobre áreas desconhecidas da maioria, como se alinhar pela maioria fosse condição obrigatória, indispensável ou única sequer.

Apoiar um programa de rádio, a sua programação, um concerto, uma referência a uma gravação de músicas diferentes é atitude profissional sempre a avaliar.

Claro que sei que há jornalistas da especialidade, que sei nada de golfe e de outras tantas atividades; refiro-me, sim, à abolição da atitude de marginalização de áreas de Culturas de minorias, musicais e outras.

(...)

Jornalistas são personalidades com grandes responsabilidades culturais, sejam eles quem forem dentro da organização de uma publicação que serve a informação pura, simples.

Paz e igualdade na informação para Outras Artes, Outras Músicas é uma exigência incontornável.

Respeitar o que se desconhece é outra.

(...)

Jazz quando escrito (coisa rara), é escrito em papel, papel que passa a ser O Papel do Jazz

Por outro lado, o papel do jazz é um papel de permanente criatividade, de constante imprevisibilidade, de incansável imaginação, papel de saudável iconoclastia, investigação e falta de respeito pelo óbvio, papel, pois, da frente, papel progressista.

(...)

O papel do jazz é também o papel de qualquer jornalista."

Se substituir as palavras "música", "artes" ou "cultura" por outras áreas de cobertura jornalística como "política", "internacional" ou "economia", o pensamento que aqui deixo é totalmente replicável.

Vou ser mais específico e glosar a parte final do texto de José Duarte, substituindo a palavra "jazz" por "jornalismo": "O papel do jornalismo é um papel de permanente criatividade, de constante imprevisibilidade, de incansável imaginação, papel de saudável iconoclastia, investigação e falta de respeito pelo óbvio, papel, pois, da frente, papel progressista".

Assino por baixo - o jornalismo é como o jazz... e precisa de swing, que anda escasso.

Pedro Tadeu no Diário de Notícias de hoje.

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