quarta-feira, 30 de junho de 2010

MAIS QUENTE QUE JULHO


Amanhã começa Julho.
Julho seco e ventoso, trabalho sem repouso.
Em Julho ceifo o trigo e o debulho; em o vento lhe dando, o vou limpando
O 7º mês do ano. Tem 31 dias.
Durante Julho o dia diminui 37 minutos.
No dia 1 o Sol nasce às 05h 16m e o Ocaso verifica-se às 20h 05 m
No dia 31 o Sol nasce às 05h 37 m e o Ocaso verifica-se às 19h 52m
As mulheres nascidas em Julho em geral são belas, mas o seu coração perde-se frequentemente. Têm coragem, audácia, junto a um carácter vivo e vingador. São sinceras, as sua ideias são nobres e elevadas. Este mês predispõe à vida espiritual, em que o amor é a principal expressão da alma.
Os homens nascidos em Julho são activos, orgulhosos e valentes, generosos, boas maneiras e boa figura. São amáveis e serviçais, agradam bastante às mulheres. De espírito elevado, gostam de harmonia. Vencem habitualmente na vida.
Os nativos de caranguejo são de temperamento alegre e humilde. Pouco amigos de amealhar, as compras uma tentação. No amor o secretismo prevalece.
Incensos: Alfazema e violeta
Pedra: Turquesa
Metal: Prata
Cor: Prateada
Na horta semeiam-se cenouras, alfaces, agriões, espinafres, ervilhas, rabanetes e salsa. Terminar a colheita da batata temporã. No final do mês aipos e melões.
No jardim semear amores-perfeitos, semeiam-se também, para serem transplantadas e dispostas no Outono, as plantas bienais e vivazes de demorada germinação.
Por um 23 de Julho de 2007 morria o guitarrista e compositor Carlos Paredes.
“Daqui a uns anos ninguém ouve a minha guitarra…”, disse em Outubro de 1983.
Há que fazer tudo para que não se cumpram as palavras de Carlos Paredes.

LEVANTADO CHÃO


Levantado do Chão

José Saramago

Editorial Caminho Lisboa, Janeiro de 1980

Na noite de 24 de Fevereiro de 1980, na "Casa do Alentejo“, em Lisboa, era lançado "Levantado Chão”.

Presentes mais de 300 pessoas: amigos, simples leitores, políticos, escritores.


Para a contra capa do livro, escreveu José Saramago:

“Um escritor é um homem como os outros: sonha. E o meu sonho foi o de poder dizer deste livro, quando o terminasse: “Isto é o Alentejo.” Dos sonhos, porém, acordamos todos, e agora eis-me não diante do sonho realizado, mas da concreta e possível forma de sonho. POR isso me limitarei a escrever: “Isto é um livro sobre o Alentejo.” Um livro, um simples romance, gente, conflitos, alguns amores, muitos sacrifícios e grandes fomes, as vitórias e os desastres, a aprendizagem da transformação, e mortes. E portanto um livro que quis aproximar-se da vida, e essa seria a sua mais merecida explicação. Leva como título e nome, estas palavras sem nenhuma glória – “Levantado Chão”. Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores, levantam-se os animais que correm os campos ou voam por cima deles, levantam-se os homens e as suas esperanças. Também do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira. Enfim, cá estou outra vez a sonhar. Como os homens a quem me dirijo.”

BOLAS PRÓ PINHAL!


A Selecção Nacional regressou da África do Sul.

Mas há outros campeonatos que não podemos mesmo perder e, enquanto nos enlevamos no calor dos estádios, é isso o que nos está a acontecer: o emprego precário, o desemprego, o crescente endividamento das famílias, listas de espera nos hospitais, a fome, sim a fome.

A bola pró pinhal de hoje, é a crónica do Manuel António Pina no “Jornal de Notícias”:

“Um estudo do ISCTE revela que 20% de portugueses vivem abaixo do limiar de pobreza e que isso só não acontece a outros 20% porque as ajudas do Estado ainda os vão mantendo à tona.
Mais: 31% das famílias estão no escalão logo acima do da pobreza, à bica para se tornarem também pobres; 21% vivem no limite, sem margem para qualquer despesa inesperada; e 12% não conseguem sequer comprar os medicamentos de que precisam. E, no entanto, mesmo dizendo-se "desconfiados", esses portugueses consideram-se "felizes".
Um outro estudo divulgado no mesmo dia, agora do Ministério do Trabalho, talvez ajude a perceber a sempre tão cantada e portuguesíssima "alegria da pobreza": a população com "baixas qualificações" intelectuais e culturais representa entre nós mais de dois terços (69,1%) da população activa total, o triplo da média da UE.
Ou seja, o "desconfiado" e "feliz" bom povo português estará, em termos culturais, algures a meio caminho entre o homem natural de Rousseau e o de Hobbes. Talvez aconteça, pois, que seja infeliz, pelo menos "de vez em quando" como Alberto Caeiro; só que, se calhar, não o sabe.”

terça-feira, 29 de junho de 2010

POSTAIS SEM SELO

Acabaram com a agricultura, com o tintol a martelo, com as morcelas caseiras, com o tabaco nos restaurantes, com o escudo, com a frota pesqueira, com o Aquilino nas escolas, com a tropa obrigatória. Agora espantam-se porque o povo só se sente patriota com a selecção?
Pensassem nisso antes.

Filipe Vicente

Legenda: Anúncio de um dos patrocinadores da Selecção no Campeonato do Mundo da África do Sul

SAINT-EXUPÉRY EM LISBOA



A 29 de Junho de 1900 nascia Antoine Saint-Exupéry, autor entre outros, desse belíssimo livro, para todas as idades, que dá pelo nome “O Principezinho”.

Saint-Exupery, que entendia que “o essencial é invisível aos olhos”, em


Novembro/Dezembro de 1940, esteve em Lisboa, aguardando, juntamente com outros refugiados, o barco que os levaria a Nova Iorque.


Apercebeu-se, então, que num mundo em guerra, Portugal exultava com a festa da “Exposição do Mundo Português". Isso angustiou-o ao ponto de o manifestar em “Carta a um Refém”:


“Quando em Dezembro de 1940, atravessei Portugal a caminho dos Estados Unidos, Lisboa surgiu-me como uma espécie de paraíso claro e triste. Falava-se lá muito então. De uma invasão iminente, e Portugal aferrava-se à ilusão da sua felicidade. Lisboa que edificara a mais deslumbrante exposição que houve no mundo, sorria com um sorriso um tanto pálido, como o daquelas mães que não têm quaisquer notícias de um filho que foi para a guerra e se esforçam por salvá-lo com a sua confiança: “O meu filho está vivo, visto que eu sorrio…” “Olhem – dizia, pois, Lisboa – como estou feliz e sossegada e bem iluminada…” O continente inteiro pesava sobre Portugal à maneira de uma montanha selvagem, carregada com as suas tribos de rapina; Lisboa em festa desafiava a Europa: “Pode-se lá tornar-me como alvo, quando ponho tanto empenho em não me esconder de modo algum! Quando sou tão vulnerável!...”
As cidades da minha terra eram, de noite, cor de cinza. Desabituara-me de qualquer claridade, e esta capital resplandecente provocava em mim um vago mal-estar. Se as imediações estão sombrias, os diamantes de uma vitrina demasiado iluminada atraem aos dominantes. Sente-se que andam por ali. Sobre Lisboa, eu sentia pesar a noite da Europa, habitada por grupos errantes de bombardeiros, como se tivessem de longe farejado aquele tesouro
Mas Portugal ignorava o apetite do monstro. Recusava-se a acreditar nos maus sinais. Portugal falava de arte com uma confiança desesperada. Ousariam esmagá-lo no seu culto da arte? Expunha todas as suas maravilhas. Ousariam esmagá-lo nas suas maravilhas? Mostrava os seus grandes homens. À falta de exército, à falta de canhões, erguera contra o ferro do invasor todas as suas sentinelas de pedra; os poetas, os exploradores, os conquistadores. Todo o passado de Portugal, à falta de exército e de canhões, barrava o caminho. Ousariam esmagá-lo na sua herança de um passado grandioso? (…)
Mas era triste.
Sem dúvida não sentiam nada. Deixei-as. Ia respirar à beira-mar. E aquele mar do Estoril, mar de cidade termal, mar domesticado, parecia-me também entrar naquele jogo. Impelia para dentro da baía uma única vaga mole, toda luzidia de luar, como um vestido de cauda fora de estação".


Desaparecido na noite de 31 de Julho de 1944, aos 44 anos, quando o seu avião se despenhou nas águas do Mediterrâneo, ao largo de Marselha, Saint-Exupéry já não assistiu ao lançamento da edição francesa de “O Principezinho”.


Pelas estrelas e pelo mar, Antoine Saint-Exupéry, dividiu a sua sepultura.

“- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Procuro os homens. Que significa “cativar””
- Os homens têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o único interesse que lhes acho. Andas à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho. Ando à procura de amigos. Que significa “cativar”?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. Significa “criar laços”.


Legenda: Transportes públicos para a “Exposição do Mundo Português”. Fotografia tirada daqui

GRUPO DE TEATRO DE CAMPOLIDE


Com periodicidade trimestral, "Programa" era a revista de Teatro do Grupo de Campolide, uma das mais importantes companhias portuguesas.

Este número 2, referente a Maio de 1979, traz a abordagem, com textos de apoio, da representação pela companhia, da peça “A Noite” de José Saramago.

Neste número fazia-se o balanço de actividade do Grupo de Campolide.

No seu primeiro ano de trabalho em Almada, o Grupo de Campolide apresentou, durante o ano de 1978, 5 produções, das quais três em estreia e duas reposições que resultaram em151 representações, das quais 141 no Teatro da Academia Almadense e 10 fora do teatro, tendo assistido 22.000 espectadores, o que deu uma média de 145, 8 espectadores por espectáculo.

Em Almada, organizado pela Companhia, realiza-se, todos os anos, um dos mais importantes Festivais Internacionais de Teatro – O Festival Internacional de Teatro de Almada.

A NOITE


A Noite

José Saramago
Capa: José Araújo
Editorial Caminho, Lisboa, Março de 1979

A Noite constitui a estreia de José Saramago no teatro.

 Como pude eu escrever uma peça? Aí está uma questão para que ainda não fui capaz de encontrar resposta e que eventualmente a crítica repetirá, não já em todos os tons, mas naqueles só que exprimam decepção, azedume, contrariedade vária ou ironia.”

- de uma entrevista ao semanário Sete, 16 de Maio de 1979.

É o primeiro livro de José Saramago publicado pela Editorial Caminho.

José Saramago escreveu A Noite para Luzia Maria Martins, que dirigia a Companhia Teatro Estúdio de Lisboa, sedeada no Teatro Vasco Santana, na antiga Feira Popular, em Entrecampos.

O livro é, por isso, dedicado a Luzia Maria Martins, que me achou capaz de escrever uma peça.

Na dedicatória também aparece Isabel da Nóbrega, nome que será constante em todos os livros que Saramago publicará.

Quando Saramago conhece Pilar del Rio, o nome de Isabel da Nóbrega deixa de aparecer nas dedicatórias.

Possivelmente, por falta de apoios financeiros, Luzia Maria Martins não conseguiu avançar com o projecto. 

Será Joaquim Benite, com a Companhia do Teatro de Campolide, que em Junho de 1979, no Teatro da Academia Almadense,a levará à cena .

Escreve José Saramago na contra capa do livro:

A noite de que neste livro se fala é a de 24 para 25 de Abril de 1974. Aqui se diz algum pouco do que aconteceu ou podia ter acontecido por trás das janelas iluminadas das redacções e das tipografias, enquanto na rua o regime fascista principiava a cair. Entram jornalistas de alto e baixo, tipógrafos, o director de uns, o administrador de todos. Não há retratos, mas talvez se encontrem retratos. Tal como na vida dos dias todos, uma gente é boa, outra ruim, outra não sabe o que seja nem sabe o que é. Estes são firmes, aqueles são fracos provavelmente porque nunca se lhes pediu a humana ousadia de o não serem. Não será uma história verdadeira, mas é, com certeza, uma história sem mentira.

Cenário da autoria de António Alfredo e direcção musical de Carlos Paredes.


Joaquim Benite, sobre a encenação:


António Alfredo inventou um cenário que ocupava todo o teatro e que ligava o balcão (lugar imaginário da tipografia) ao palco (a redacção), através de um passadiço suspenso por fios de aço – lembrança dos meus tempos de “A República”, que inspiraram, de resto, também o gabinete do director, dominando a redacção, idêntico ao que o velho Artur Inês (quem é que se lembra dele?...) ocupava no jornal da Rua da Misericórdia.

BOLAS PRÓ PINHAL



“Confesso que só li jornais desportivos quando o meu amigo Eduardo vivia com uma “intelectual” e não os podia levar para casa porque ela ralhava. Nessa altura estava a par de tudo, agora tenho menos informação.
Quando era miúdo ia sempre ver o Benfica com o meu pai, mas deixámos de ir porque perdíamos os golos: aproveitávamos para conversar. Tenho alguma inveja dos meus amigos que continuam a discutir futebol como se fossem crianças.”


Autor desconhecido

“Victorino d’Almeida, chávena de chá, eu com a coca-cola, discutimos no discreto bar do Instituto Alemão. Motivo: uma possível colaboração artística. Inacreditável como o tempo passa depressa, quando estamos de acordo. Acabou o encontro, o Maestro está de fugida, talvez o esperasse outro encontro, talvez estivesse atrasado para o ensaio. Com a pressa esqueceu na cadeira os jornais. Quais? Recupero-os – “Record” e “A Bola”…
Pois, é segunda-feira. Levo-os para casa. Nunca fiar: o futebol come o coração de muita gente à primeira vista insuspeita”


Jorge Listopad em “JL” s/d

AINDA O DESASSOSSEGO DO EDITOR...


No episódio da recusa da “Moraes Editores” em publicar “Levantado do Chão”, Nelson de Matos diz que José Saramago não tem a mesma leitura dos acontecimentos e conta a história de uma outra maneira.

Não sei se haverá outras versões, mas esta é a versão que conheço da parte do autor. Está expressa numa longa entrevista concedida a Baptista-Bastos, e publicada em livro em Outubro de 1996. Por ela se fica a saber que a Bertrand também recusou a publicação.

"BB – Mas esses dois livros foram recusados por editores.

JS – Pois, mas isso já se sabe, isso são histórias cómicas. Penso que há editores, hoje, que torcem a orelha e a orelha não deita sangue.

BB – Um deles é o Nelson de Matos, que já o disse várias vezes publicamente.

JS – Sim o Nelson de Matos já o disse, embora eu suspeite de que o Nelson de Matos esteve sujeito a pressões exteriores e não teve outro remédio senão o de ceder a elas, embora eu pudesse ter esperado que, se assim foi, ele mo dissesse francamente. E, no caso da Bertrand, a Maria da Piedade, a quem levei o “Levantado do Chão”, também não encontrou, suponho eu, modos de convencer-se a si própria ou de convencer o senhor Bulhosa, embora eu duvide muito de que o livro lhe tenha chegado às mãos… quando muito ter-lhe-á chegado o nome da pessoa que o escreveu.
O “Memorial” não teve aventuras nenhumas porque o “Levantado do Chão” foi finalmente publicado pela Editorial Caminho, quando recebeu o “Memorial do Convento”, já tinha o aval do “Levantado do Chão. É certo que são coisas que chateiam, mas isso já se sabe, há livros muito melhores do que estes que também foram recusados e até por pessoas com muito mais responsabilidades do que o Nelson de Matos ou a Maria da Piedade.

Em “José Saramago: Aproximação a Um Retrato” de Baptista-Bastos, 

segunda-feira, 28 de junho de 2010

OLHAR AS CAPAS


A Morte da Canária

S. S. Van Dine

Tradução: Darcy Azambuja
Capa de Cândido Costa Pinto
Colecção Vampiro nº 20
Edições Livros do Brasil - Lisboa, Janeiro de 1949

Depois ordenou a Heath e Snitkin que esperassem no “hall” e nós, fomos para um quarto próximo. Markhan ficou perto da porta, como fazendo guarda, e Vance, com um sorriso irónico, foi até à janela.
- Esse homem é formidável, Markhan – disse ele – É digno de admiração.
Markhan não respondeu. O ruído que vinha da cidade parecia aumentar o sinistro silêncio do aposento.
De súbito ouviu-se no outro quarto o estampido de um tiro.
Markhan abriu a porta de para em par, Heath e Snitkin correram e debruçaram-se sobre o corpo de Spotswood. Markhan voltou-se de súbito e fixou os olhos em Vance.
- Suicidou-se!
- Era de prever – disse Vance
- Você… você sabia o que ele ia fazer? – exclamou Markhan.
- Era evidente, não acha?
- E você intercedeu deliberadamente por ele para lhe dar a oportunidade a?...
- Tá, tá, meu querido amigo. Peço-lhe que não ostente uma indignação convencional. Dispor da vida do próximo não é muito razoável, mas da própria sim, quando se tem motivo. O suicídio é um direito inalienável.

SER EDITOR É UM DESASSOSSEGO...


Faço agora um intervalo na enumeração da obra de José Saramago.

Os livros que se seguem a “Objecto Quase” passam a ser editados pela Editorial Caminho e, salvo poucas excepções, em Portugal, Saramago não conhecerá outro editor.

José Saramago, numa entrevista ao “Diário de Lisboa” de 1 de Junho de 1978, reconhece: 

«Não sou um escritor de êxito comercial, não sou o que se chama um bom negócio editorial que prevê um público determinado e o satisfaz. Além disso não me fixei num tipo. Quem espero eu que me leia? A isso já posso responder. Espero que me leiam aqueles que, se escrevessem, escreveriam os meus livros.»

Nelson de Matos publicara os dois últimos de Saramago. 


O autor vai ter com ele para que lhe publique Levantado do Chão. 

Nelson de Matos diz que não pode. 

Os motivos, e o resto, estão neste excerto de uma entrevista que deu ao Expresso”de 27 de Novembro de 2004.

Nela se fica a saber o motivo porque não aconteceu ser o editor do Prémio Nobel de Literatura, do amigo, do camarada…

Nelson de Matos tem razões suficientes para, cada vez que se lembra do episódio, murmurar de si para si, que o destino é mesmo um tipo sem moral nenhuma.

«- Quando estava na altura na editora Moraes, você não publicou o terceiro original de José Saramago.

- Nós não temos a mesma leitura dos acontecimentos, porque o Saramago conta isso de uma maneira e eu conto de outra. Peço desculpa ao Saramago por considerar que ele conta mal, porque ele acha que existiram influências sinistras da minha decisão. E a verdade é que não existiram, foi uma coisa bastante mais prosaica. Ou seja: eu publiquei um livro de contos que se chamava “Objecto Quase” e um romance, “Manual de Pintura e Caligrafia”.

- Qual era o terceiro?


- O “Levantado do Chão”, que o Saramago me apresentou, que eu li, e gostei – nada a dizer sobre o livro, que é um excelente romance. Mas nessa altura a Moraes estava no fim.

- Falida?


- Exactamente. Os livros anteriores do Saramago não tinham vendido. Ele tinha estado no “Diário de Notícias” e estava a atravessar aquele período negativo posterior, muito marcado politicamente. Tive que lhe dizer: “José, fiz duas experiências, não resultaram, lamento não ter condições para poder fazer a terceira.” E não publiquei. Esse livro, por coincidência e por felicidade – e digo-o sem nenhum rancor…

- … foi a explosão


- … foi o início da explosão de Saramago e do seu sucesso futuro. Portanto, passei a ter no meu currículo de editor o ter recusado publicar um futuro Prémio Nobel.

- Essa é uma nódoa inapagável!


- E não é a única! Na vida dos editores, essas coisas acontecem com relativa frequência: o não se apostar num autor e ter uma grande surpresa.

- Ficou surpreendido quando ganhou o Nobel?


- Claro, porque um Nobel nunca se espera. Quando me disseram, eu estava em Frankfurt, no meio de uma reunião. Claro que fiquei contente. Mas foi mais um contentamento do que uma surpresa.- Voltou a chamar-se a si próprio: “Que grande estúpido que eu fui!”
- Sim…Lembro-me que, depois, estive com o Saramago, sentado, no “stand” da “Dom Quixote”, num momento de descanso. Estivemos a falar e divertimo-nos um pouco com essa situação.

- Não ficaram sequelas entre os dois?


- Da minha parte, nunca. Da parte do José Saramago, creio que ele ficou desgostoso e suponho que nunca me perdoou ou entendeu esse gesto. Sempre relatou isso como se eu tivesse tido pressões para não o editar. E isso não é verdade.

- Que tipo de pressões?


- Políticas, empresariais, eu sei lá!

- Mas vocês pertenceram ao mesmo partido, ainda por cima.


- Sim, sim, sim

- Você ainda estava no PCP?


- Ainda, o que mostra o absurdo da situação.»

Legenda: Caricatura de José Bandeira,, publicada no “Diário de Notícias” de 11 de Dezembro de 1998.
Faz parte de um conjunto de postais comprado, em Julho de 2008, aquando da Exposição "José Saramago: A Consistência dos Sonhos", que esteve patente no Palácio da Ajuda.

BOLAS PRÓ PINHAL!



O Mundial de Futebol é um vulcão de dinheiro.
Não tenho valores dos ganhos das federações, dos jogadores, mas encontrei os valores que, anualmente, valores em euros, auferem, ou auferiram, os treinadores que estão no Mundial da África do Sul:

Inglaterra: 8.800.000
Itália: 3.000.000
Alemanha 2.500.000
Holanda 1.800.000
Suiça 1.750.000
Espanha 1.500.000
Portugal 1.350.000
Austrália 1.200.000
África do Sul 1.200.000
México 1.200.000
Brasil 800.000
Argentina 800.000
Japão 800.000
Nova Zelância 800.000
Grécia 750.000
Camarões 650.000
Chile 575.000
França 560.000
Coreia do Sul 405.000
Dinamarca 390.000
Gana 365.000
Costa do Marfim 315.000
Sérvia 305.000
Nigéria 300.000
Estados Unidos 275.000
Eslovénia 245.000
Paraguai 245.000
Argélia 245.000
Honduras 240.000
Eslováquia 215.000
Uruguai 205.000
Coreia do Norte 170.000

domingo, 27 de junho de 2010

OBJECTO QUASE



Objecto Quase

José Saramago
Capa: Luiz Duran
Moraes Editores, Lisboa, Fevereiro de 1978 .

Cito da contra capa:

«Que livro é este?
Objecto Quase é um livro in-temporal, 
ninguém tem nele bilhete de identidade:
a des-situação é praticada desde a primeira página,
embora a novela de abertura conte uma história que toda a gente conhece
=um dia Salazar caiu duma cadeira..."
Pensa o autor que, pela via de uma certa abstracção, se instalou, aqui, na dureza clara do concreto.»

Numa entrevista ao semanário “Extra”, em 1 de Junho de 1976, José Saramago disse:

“Objecto Quase” não é um livro fácil.
Um escritor não tem o direito de rebaixar o seu trabalho em nome de uma suposta maior acessibilidade. A sociedade, isto é, todos nós, e que temos o dever de resolver os problemas gerais de acesso e fruição dos bens materiais e culturais."


O livro é constituído por seis contos. 


Jorge Listopad não teve dúvidas em considerar o conto “Centauro” , uma obra-prima.

O primeiro conto do livro dá pelo nome de Cadeira.

É uma divertida, e muito bem feita, recriação da queda da cadeira que Salazar sofreu em Setembro de 1968, quando passava férias no Forte de São João do Estoril e que lhe haveria de causar a morte em 1970.

É este o começo do conto:

A cadeira começou a cair, a ir abaixo, a tombar, mas não, no rigor do termo, a desabar. Em sentido estrito, desabar significa caírem as abas a. Ora, de uma cadeira não se dirá que tem abas, e se as tiver, por exemplo, uns apoios laterais para os braços, dir-se-á que estão caindo os braços da cadeira e não que desabam. Mas verdade é que desabam chuvadas, digo também, ou lembro já, para que não aconteça cair em minhas próprias armadilhas: Assim desabam bátegas, que é apenas modo diferente de dizer o mesmo, não poderiam afinal desabar cadeiras, mesmo abas não tendo? Ao menos por liberdade poética? Ao menos por singelo artifício de um dizer que se proclama estilo? Aceite-se então que desabem cadeiras, embora seja preferível que se limitem a cair, a tombar, a ir abaixo. Desabe, sim, quem nesta cadeira se sentou, ou já não sentado está, mas caindo, como é o caso, e o estilo aproveitará da variedade das palavras, que afinal, nunca dizem o mesmo, por mais que se queira. Se o mesmo dissessem, se aos grupos se juntassem por homologia, então a vida poderia ser muito mais simples, por via de redução sucessiva, até à ainda também não simples onomatopeia, e por aí fora seguindo, provavelmente até ao silêncio, a que chamaríamos o sinónimo geral ou omnivalente. Não é sequer onomatopéia, ou não é formável ela a partir deste som articulado (que não tem a voz humana sons puros e portanto inarticulados, a não ser talvez no canto, e mesmo assim conviria a ouvir de mais perto), formado na garganta do tombante ou cadente, embora não estrela, palavras ambas de ressonância heráldica que estão designando agora aquele que desaba, pois não se achou correcto juntar a este verbo a desinência paralela (ante) que perfaria a escolha e completaria o círculo. Desta maneira fica provado que não é perfeito o mundo.”

BOLAS PRÓ PINHAL!


Quando, em Maio de 2004, a FIFA disse à África do Sul que seria o primeiro país do continente africano a organizar um Campeonato do Mundo de Futebol, estalou a euforia, tão frequente nestas ocasiões. O pior é, sempre, o resto…
O Mundo ainda não sabia que, em 2010, estaria envolvido numa enorme crise financeira, mas da África do Sul sabia-se de um país cheio repleto de problemas. Graves problemas, mesmo.
O futebol é uma manta curta que, passada a euforia, devolve as fragilidades.
No dia em que ganharam a votação, os sul-africanos estimaram gastar 250 milhões de euros em estádios e outras infra-estruturas, mas agora esses custos são superiores a mais de dez vezes esse valor. Irão pagar mais de 3 mil milhões de euros.
Construíram cinco estádios de raiz, remodelaram cinco. Apenas tinham previsto construir dois estádios.
O director executivo do comité organizador do campeonato disse, pouco antes do pontapé de saída: “O Mundial que estava na nossa proposta de candidatura não é o Mundial que estamos a organizar”.Como se enganaram? Quem os enganou”
Esse antro mafioso, que dá pelo nome de FIFA, tem, certamente, a resposta.

Legenda: Nelson Mandela Bay Stadium, em Port Elizabeth

CANTIGAS DO MAIO



Uma bonita capa de “Cantigas do Maio”, edição especial para os sócios do “Círculo de Leitores.”
Uma bela prova de amizade do Pedro Freitas Branco, entre os amigos, conhecido por Filhote.
Do fundo do coração, obrigado.

sábado, 26 de junho de 2010

MANUAL DE PINTURA E CALIGRAFIA




Manual de Pintura e Caligrafia

José Saramago
Capa: Luís Duran
Moraes Editores, Lisboa, Dezembro de 1976

Terra do Pecado, publicado em 1947, é o primeiro romance de José Saramago.

Sabe-se da rejeição que o autor lhe impôs, uma inexperiência vital, dirá mais tarde e, apenas em 1997, após múltiplas e variadas exigências, permitirá que faça parte da sua bibliografia.

Manual de Pintura e Caligrafia é, pois, o segundo romance de Saramago e, diga-se: passou completamente ao lado da crítica e do público leitor.

Saramaguiano que já era, encantou-me de imediato, e sempre o entendi como um livro para ser vigilantemente pensado.

Lido de um só fôlego, a ele voltei para lentamente o apreciar, tal como se faz com uma velha aguardente

Saramago considera-o o mais autobiográfico dos seus livros.

Ao título acrescentou: Ensaio de romance.

Baptista-Bastos não tem dúvidas em apontá-lo como absolutamente exemplar na História da Literatura Portuguesa do século XX.

Poderá entender-se que aquando do lançamento, Manual de Pintura e Caligrafia tenha passado despercebido. José Saramago já tinha livros publicados, um trabalho jornalístico viajando nas margens do anonimato, mas muito poucos o liam ou sabiam quem era.

Reeditado seis anos depois, já depois de Levantado do Chão e Memorial do Convento, acabou por ficar na sombra destes dois livros e a não merecer a atenção que lhe é devida.

Mas fiquem sabendo, se ainda não o leram, que é uma obra fascinante.

Sempre fico espantado diante da liberdade das mulheres. Olhamo-las como a seres subalternos, divertimo-nos com as suas futilidades, troçamos quando são desastradas, e cada uma delas é capaz de subitamente nos surpreender, ponde diante de nós extensíssimas campinas de liberdade, como se no rebaixo da sua servidão, de uma obediência que a si mesma parece buscar-se, levantassem as muralhas de uma independência agreste e sem limites. Diante desses muros, nós, que tudo julgávamos saber do ser menor que viemos domesticando ou achámos domesticado, ficamos de braços caídos, inábeis e assustados: o cãozinho de regaço que com tanta boa vontade se rebolava no chão, de costas, mostrando o ventre, põe-se de pé num salto, com os membros trémulos de ira, e os seus olhos são de repente alheios a nós, e fundos, vagos, ironicamente indiferentes. Quando os poetas românticos diziam (ou dizem ainda) que a mulher é uma esfinge, acertam, abençoados sejam. A mulher é a esfinge que teve de ser porque o homem se arrogou do senhorio da ciência, do tudo saber, do poder tudo. Mas é tanta a fatuidade do homem, que à mulher bastou levantar em silêncio os muros d sua recusa final, para que ele, deitado à sombra, como se deitado estivesse sob uma penumbra de pálpebras obedientes, pudesse dizer convicto: “Não há nada para além desta parede.”
Tremendo engano de que não acabamos de acordar.

BOLAS PRÓ PINHAL!



No seu livro “As Palavras dos Outros”, Baptista-Bastos inclui uma entrevista que em tempos fizera a Matateu e publicada na “Almanaque”, uma revista que integrava, para além de Baptista-Bastos, José Cutileiro, Alexandre O’Neill, Augusto Abelaira, Luís Sttau Monteiro, Vasco Pulido Valente, sendo José Cardoso Pires o chefe de redacção.

Matateu (ver aqui) jogou pelo Belenenses entre 1951 e 1964. Desde esse tempo o futebol mudou muito. A incultura dos jogadores nem por isso!

Mais tarde, Baptista-Bastos, há-de considerar que foi uma entrevista “muito cruel”:

“O Matateu era absolutamente invulgar, e não sei se eu devia ter publicado essas coisas. Ele subia a Calçada da Ajuda e os miúdos atrás dele. Todo o gato e cão era Matateu. Ele sentava-se naqueles bancos corridos das tabernas a conversar com as pessoas. Era extremamente popular. Mais tarde tentei ressarcir-me escrevendo uma crónica onde dizia que fui muito cruel. Porque ele diz lá na entrevista: "O Matateu não diz mal de ninguém."Fica um excerto dessa entrevista:

“Matateu não sabe nada de nada e confessa isso abertamente, honradamente, porque a honra, nele não é uma conquista, mas um instinto nato.
Falo com Matateu. Pergunto:
- Costuma ler?
Ele:
- Jornais. A secção desportiva dos jornais. Gosto muito de ver o meu nome nos jornais.
- Sabe quem é Hemingway?
- Não
- E Picasso?
- Esse também não.
- E Aquilino Ribeiro?
- N… Espere aí… Ribeiro, disse Aq… a quê? A-q-u-i-n-i-l-o Ribeiro?
- Não foi Aquinilo Ribeiro, foi Aquilino Ribeiro.
- Pois. Não, não conheço mesmo nada desse nome.
- Gosta de música?
- Um pouco.
- Sabe quem foi Beethoven?
- Não.
- E Wagner?
- Não.
- Mas gosta de música?
- Um pouco. Samba. Sim, gosto de samba
- Sabe quem é Dick Farney?
- Não.
- E Maysa Matarazzo?
- Não
- Que divertimentos prefere?
- O cinema. Mas é uma chatice. Adormeço sempre. As letras daquilo que eles dizem passam a correr. Adormeço sempre.
- Leu alguma vez um livro?
- Nunca até ao fim.
- Porquê?
- Não percebo o que os livros querem dizer.
- Você tem viajado muito. De que país gostou mais?
- Da Itália.
- Porquê?
- Por causa das mulheres. Lindas. Comi algumas. Muito boas. Gosto bastante da Itália. Que rico país para um preto viver!
- Ouça uma coisa. Matateu…
- Olhe, escreva o que quiser; é assim que eu faço sempre, quando estou com um jornalista que me parece bom rapaz. Escreva o que quiser e ponha essas palavras na minha boca. À vontade. Mas não ponha lá que eu disse mal… Matateu não diz mal de ninguém!”


Baptista-Bastos em “As Palavras dos Outros” editado por “Publicações Europa-América", Lisboa 1968

sexta-feira, 25 de junho de 2010

OS APONTAMENTOS


Os Apontamentos

José Saramago
Capa:Henrique Ruivo
Seara Nova, Lisboa, Janeiro de 1976.

Em Abril de 1975, José Saramago assumiu as funções de director adjunto do Diário de Notícias.

Até Novembro desse mesmo ano escreverá, na 1ª página do jornal, os seus Apontamentos, que virão a ser editados pela Seara Nova em 1976.

O livro é dedicado a Isabel da Nóbrega e aos trabalhadores do «Diário de Notícias» que foram o meu apoio e a primeira justificação de quanto escrevi.

No prefácio, datado de 7 de Dezembro de 1975, escreve Saramago:

Pôr o jornal ao serviço das classes trabalhadoras, ao serviço do proletariado industrial e agrícola, ao serviço do socialismo, para tudo dizer em uma palavra.

Após o 25 de Novembro de 1975. José Saramago fica desempregado e sem esperança de vir a ter um emprego.

Numa entrevista a Ernesto Sampaio, publicada do Diário de Lisboa de 20 de Fevereiro de 1986, confessou:

Com certo humor negro, talvez não seja exagerado dizer que, como “escritor
profissional, sou filho do 25 de Novembro. Fiquei com o tempo todo livre para sê-lo…


Final da crónica Carta Aberta a Salvador Allende, publicada em 7 de Agosto de 1975:


Isto por cá vai mal, companheiro. São muitas as nossas dificuldades e muitos os nossos inimigos. Também os tiveste com fartura e deles morreste. Aqui, país que parece ter escolhido definitivamente o sebastianismo, julgámos que tudo se faria com cravos e canções. Não sabíamos que o socialismo é difícil e não aprendemos nada com a a tua morte. Perdoa-nos por isso. Claro que não estamos desanimados, muito menos vencidos, mas achámos que escrever esta carta nos faria bem. E realmente sentimos agora aquela grande serenidade de quem sabe estar na boa razão. Obrigado companheiro Salvador Allende.

BOLAS PRÓ PINHAL!



Recorte de "A Bola” de 26 de Agosto de 1974:

Dr. Sardoeira Pinto (Presidente da A. F. Porto):

“- É preciso que a Direcção da Federação aconselhe a Comissão Central a que tenha mais cuidado com as nomeações dos árbitros, para que não aconteça como na final do último “Nacional” de Juniores, F.C.Porto-Sporting, que foi arbitrado por um Borrego qualquer. Eu considero tão legítimo que se abata a tiro, na estrada, um assaltante, como o público aplicar sanções, por suas mãos, ao homem vestido de preto.

Dr. Jorge Fagundes (Presidente da Direcção da F.P.F.):

- Eu esperava ouvir tudo neste Congresso, menos institucionalizar a pena de morte para os árbitros, quando se enganam nos “Off-sides”.”

SANTOS POPULARES DE OUTROS TEMPOS


Na sua edição de 25 de Junho de 1899, o “Diário de Notícias”, dava conta de como tinham sido, em Lisboa, os festejos da noite de São João.

Uma prosa deliciosa.
Manteve-se a ortografia da época, que fala de idas às hortas, canto de rouxinóis e de melros, petiscos à portuguesa, o sol a dourar o cume das árvores, gemidos de guitarras.

 O repórter não fala de vinho mas, calcula-se, que tenha corrido em abundância, enquanto as senhoras se ficaram, possivelmente, por capilés e salsaparrilhas.

O Santo Precursor quis offertar-nos hontem um dia delicioso, cheio de sol, de luz, de amoor… As ruas regorgitaram de transeuntes, a Avenida, S. Pedro de Alcantar, Algés, Campo Grande, emfim, todos os sítios onde se podia passear, estiveram animadíssimos, vendo-se numerosos grupos de pessoas em que as “toilettes” claras das damas se combinavam graciosamente com os “cheviotes” de tons brancos dos cavalheiros e os vestidinhos brancos dos bebés. Muitas famílias aproveitaram também o dia para irem para o campo em alegres caravanas, e o movimento nas linhas férreas das proximidades da capital foi de mais de 20.ooo passageiros. O elemento popular divertiu-se, indo para as hortas gosar nas frescas sombras o dia santificado, entre o gorgeio dos rouxinoes e o canto alegre dos melros e uns belos pitéus cozinhados genuinamente à portugueza, n’um meio calmo e campesino. E emquanto o sol resplendente dourava o cume das árvores e dos montes circunvizinhos, o espírito popular espraiava-se muitas vezes ao som dolente da guitarra no genuíno fado tradicional.”

Legenda: “Bal au Moulin de la Galette”, pintura de Pierre-Auguste Renoir

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O ANO DE 1993


O Ano de 1993

José Saramago
Editorial Futura, Lisboa, Março de 1975

O interrogatório do homem que saiu de casa depois da hora de
recolher começou há quinze dias e ainda não acabou

Os inquiridores fazem uma pergunta em cada sessenta minutos
vinte e quatro horas por dia e exigem cinquenta e nove respostas
diferentes para cada uma

É um método novo

Acreditam que é impossível não estar a resposta verdadeira entre
as cinquenta e nove que foram dadas

E contam com a perspicácia do ordenador para descobrir qual
delas seja e a sua ligação com as outras

Há quinze dias que o homem não dorme nem dormirá enquanto
o ordenador não disser não preciso de mais ou o médico não
preciso de tanto

Caso em que terá o seu definitivo sono

O homem que saiu de casa depois da hora de recolher não dirá
por que saiu

E os inquiridores não sabem que a verdade está na sexagésima
resposta

Entretanto a tortura continua até que o médico declare
Não vale a pena”

O GRANDE BARRIGANA



De há quarenta anos para cá, com entusiasmo, fervor e admiração, vi jogar quase todos os grandes guarda-redes portugueses, do inesquecível Azevedo, o Hércules do Barreiro, a José Pereira, o Pássaro Azul (de quem conservei durante meses e meses uma preciosa biografia ilustrada com imensos retratos, um dos quais mostrava um senhor mirrado e pequenino ao lado de uma locomotiva com a impressionante legenda Seu pai, Amadeu Pereira, nas suas funções de guarda do túnel do Rossio)vi o gigantesco Ernesto, do Atlético, o terror dos extremos, vi Abraão, do Olhanense, cujo nome mágico possuía para mim apocalípticas ressonâncias de catecismo, vi Cesário, do Sporting de Braga, na tarde de glória no pelado do Benfica em que defendeu todos os remates de Palmeiro, Arsénio, Águas, Rogério e Rosário, vi Capela, da Académica, e Sebastião, o loiro Nero do Estoril Praia, célebre pelos seus voos acrobáticos, vi o Campo Francisco Lázaro render-se em peso ao fantástico Aníbal, de poupa trabalhada e brilhantina. a propósito de quem o meu tio João Maria exclamava Maior do que ele só o das Guerras Púnicas, vi o caprichoso Carlos Gomes pontapear fotógrafos antes de se transferir para Espanha e de ameaçar o presidente do clube, quando lhe não pagavam, com a sábia frase No hay dinero no hay portero, acompanhei carinhosamente Vital, do Lusitano de Évora, que sulcava a relva com o calcanhar pensativo da bota para marcar o centro da baliza, e todavia, para meu desgosto e frustração, nunca assisti a nenhum jogo do meu ídolo Frederico Barrigana, o Mãos de Ferro, keeper do Futebol Clube do Porto. No intuito de compensar tal desdita recortava embevecido do jornal os instantâneos que o mostrava a saltar com um avançado apertando-lhe contra as partes um joelho dissuasor(porquê partes se são inteiras?)
(exemplo de uma declaração profética: os rapazes do Elvas hádem de dar tudo por tudo)
E escutava boquaiberto na telefonia do meu pai, de dedos em concha na orelha, os relatos de Artur Agostinho que aos domingos às três da tarde narrava em tom épico as proezas do grande Frederico Barrigana num estádio a rebentar de público. Aos doze anos se eu não desejasse com tanta paixão tornar-me escritor quereria ter sido o Mãos de Ferro. Mas, claro, possuía o sentido das limitações suficiente para compreender que não se pode querer ser o grande Frederico Barrigana: é-se por dom divino, perfeito como ele só, desde o início


Excerto da crónica “O Grande Barrigana” de António Lobo Antunes em “Livro de Crónicas”. 1º Volume.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

OLHAR AS CAPAS


O Embargo

José Saramago
Ilustrações de Fernando de Azevedo
Estúdios Cor, Lisboa, Natal de 1973

A editora “Estúdios Cor”, todos os anos por Dezembro, fazia publicar um pequeno livrinho, com um Conto de Natal, escrito pelos autores da casa.

Tenho o de José Gomes Ferreira, publicado no Natal de 1957, o de José Rodrigues Miguéis publicado no Natal de 1960.

Este é o de José Saramago publicado em 1973, e, penso, que terá sido o último que a “Estúdios Cor” publicou.

A abrir o livro pode ler-se:

“Com os votos sinceros de BOAS FESTAS, Estúdios Cor, Natal de 1973.

“O Embargo
” é um conto que, em Fevereiro de 1978, José Saramago incluirá no seu livro “Objecto Quase”.


“Acordou com a sensação aguda de um sono degolado e viu diante de si a chapa cinzenta e gelada da vidraça, o olho esquadrado da madrugada que entrava, lívido, cortado em cruz e escorrente de transpiração condensada. Pensou que a mulher se esquecera de correr o cortinado ao deitar-se, e aborreceu-se: se não conseguisse voltar a adormecer já, acabaria por ter o dia estragado. Faltou-lhe porém ânimo para levantar-se, para tapar a janela: preferiu cobrir a cara com o lençol e virar-se para a mulher que dormia, refugiar-se no calor dela e no cheiro dos seus cabelos libertos. Esteve ainda uns minutos à espera do sono, inquieto, a temer a espertina matinal. Mas depois acudiu-lhe a ideia do casulo morno que era a cama e a presença labiríntica do corpo a que se encostava e, quase a deslizar num círculo lento de imagens sensuais, tornou a cair no sono.”

Nota do Editor: Este livro faz parte da Biblioteca da Casa por cortesia de Luís Miguel Mira

BOLAS PR'O PINHAL!



Mais uma aproximação à publicidade dos patrocinadores da Selecção Nacional.
Esta apareceu antes da partida da Selecção para o Campeonato do Mundo realizado, em 2006, na Alemanha:

“até que a bola entre, até que o estádio se levante, até que se grite golo, até que o país se abrace, até que milhões de gargantas se unam, até que todos os cachecóis se agitem, até ao ponto final, até que a voz nos doa, até que o coração aguente, até ao minuto 90, até ao minuto 07, até que o árbitro apite e os carros também, até se gritar “Portugal, Portugal”, até que ninguém se cale, até que todos acreditem, até ao próximo jogo, até ao próximo golo, até Colónia, até Frankgurt, até que marquem tantos golos quantas letras há em Gelsenkirchen, até aos oitavos, até aos quartos, até às meias, até à final, até já”



Há longos anos, 6 de Junho de 1972, o poeta Ruy Belo escrevia no jornal “A Bola”:

“Quer-nos parecer que começa a ser tempo de o intelectual ou o artista irem perguntando a si próprios por que motivo o público que lhes falta esgota lotações dos estádios, num país subdesenvolvido do Ocidente ou numa república popular, pelo maduro prazer de assistir, durante noventa minutos, às aparentemente loucas correrias de um punhado de homens atrás de uma caprichosa bola de couro.”

terça-feira, 22 de junho de 2010

AS OPINIÕES QUE O DL TEVE




As Opiniões Que o DL Teve

José Saramago
Capa: Lucília Louro
Editorial Futura e Seara Nova, Lisboa, Janeiro de 1974

José Saramago foi colaborador do Diário de Lisboa.

O trabalho mais significativo ocorre entre Fevereiro de 1972 e Dezembro de 1973.

Neste lapso de tempo, Saramago, anonimamente, escreveu os editorias que o jornal publicou.

Esses editoriais estão incluídos neste livro As Opiniões que o DL Teve.

Na apresentação, datada de 31 de Dezembro de 1973, escreve Saramago:

Muito do que então escrevi não ultrapassa o nível do circunstancial (…) Entre os artigos alguns há que, redigidos na sua altura, apenas agora vêem a luz do dia: o facto não precisa explicação. Permita-se-me, contudo, que lamente o que nem sequer pude escrever, só porque de antemão sabia que não valai a pena. (Mas recuso, neste justo momento, a fácil complacência de me louvar ao que não cheguei a fazer…)
Quero acreditar que o trabalho que realizei teve alguma utilidade. Doutra maneira não me seria possível continuar. E eu vou continuar.

O último número do Diário de Lisboa foi publicado no dia 30 de Abril de 1990.

Estas são as palavras que José Saramago escreveu para esse dia triste da História da Imprensa Portuguesa:


Algo vai mal neste nosso país para que um jornal como o “Diário de Lisboa” tenha de acabar. A culpa é de quem? Dos leitores a quem deixou de interessar o perfil informativo e opinativo do “Diário de Lisboa”? que não pode ou não quis compreender e acompanhar a mudança dos tempos? A evidência nua e crua está aí: o “Diário de Lisboa” acaba. Dá vontade de dizer que é também uma certa maneira de ser português que se extingue. Se calhar o “Diário de Lisboa” já era um “fóssil”, e eu, recordando o tempo em que nele trabalhei, também começo, provavelmente, a petrificar-me. Lembrar-me eu de que então acreditávamos que, vencido o fascismo, só haveria lugar para a Verdade e que nós, os jornalistas, seríamos firmes, capazes e incorruptíveis na sua defesa. Ó santa ingenuidade.

BOLAS PRÓ PINHAL!



Voltamos ao Euro 2004.

O almejado caneco, dado como certo, acabou por voar para Atenas.

Acabada a chinfrineira dos patrocinadores, as bandeiras nas janelas, a loucura levada às últimas consequências, ainda faltava qualquer coisinha.. 

Alguém lembrou-se de perguntar:

PERDEMOS?

“Perdemos o pessimismo. Perdemos o respeito pelos grandes. Perdemos o medo dos adversários. Perdemos os velhos do Restelo. Perdemos a mania de estar sempre a dizer mal. Perdemos o receio de perder. Perdemos a tremideira do costume. Perdemos horas à conversa no café. Perdemos a hora do jantar, perdemos reuniões importantes, perdemos o semáforo aberto e quase perdíamos o hino. Perdemos um país dividido em clubes. Perdemos o norte e o sul. Perdemos o “eu não ligo nada a isto”. Perdemos lágrimas de alegria. Perdemos lágrimas de tristeza. Perdemos a vergonha e perdemos o medo de chorar à frente de toda a gente. Perdemos a voz. Perdemos o lugar no sofá quando gritámos golo e perdemos o replay quando estávamos abraçados. Perdemos a cabeça quando nos deitámos às tantas. Perdemos o juízo quando nos beijámos a primeira vez. Perdemos horas de sono e perdemos dias de vida com aqueles penaltis.

Perdemos os “ses”, os “quase” e os “talvez”. Perdemos a mania das vitórias morais. Perdemos porque não se pode ganhar sempre. Perdemos com fair-play. E perdemos o que tantas vezes é o mais difícil de perder. Perdemos um lugar na final mas ganhámos um lugar na história. Não perdemos nada.


Ganhámos tudo. Parabéns Selecção.


Até 2008.

JÁ CHEGOU O VERÃO

Dizem que foi ontem que chegou, outros que é hoje. Importa pouco: já chegou.
Há quem passe o ano a pensar no Verão. Eu dou-me mal com o Verão.
Agora fico à espera do Outono.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A BAGAGEM DO VIAJANTE


A Bagagem do Viajante

José Saramago
Capa: Moita de Macedo
Editorial Futura, Lisboa, 1973

Segundo livro de crónicas de José Saramago.

A certo ponto diz: 

“Quero eu dizer na minha que estas crónicas são também os dizeres de um fala-só. De modo que fala-sós somos todos: os loucos, que começaram, os poetas, por gosto e imitação, e os outros, todos os outros, por causa desta comum solidão que nenhuma palavra é capaz de remediar e que tantas vezes agrava.”

Noutro ponto dirá, quase definitivo: 


“Não haverá grandes possibilidades de nos salvarmos, se não salvarmos a inteligência. Até ao dia em que já não farão falta os intelectuais, porque todos o serão."

Segue-se um excerto da crónica “História para Crianças”:


“Se não escrevi o livro definitivo que tornará a literatura portuguesa, enfim, uma coisa a sério, foi só porque ainda não tive tempo. Isto é o que me diz o meu amigo Ricardo, e di-lo com tal convicção, que muito céptico seria eu se não acreditasse sob palavra. (…) Digo “sim senhor”, se a intimidade não dá para mais, e se é o caso de dar, como acontece com o meu amigo Ricardo, acho-me tão eloquente que construo uma frase de oito palavras ‘então vê lá isso cá fico à espera’”. (…)
Na história que eu escreveria, havia uma aldeia.(::J Logo na primeira página, sai o menino pelos fundos do quintal, e, de árvore em árvore, como um pintassilgo desce o rio e depois por ele baixo, naquela vagarosa brincadeira que o tempo alto, largo e profundo da infância a todos nós permitiu… Em certa altura, chegou ao limite das terras até onde se aventura sozinho. Dali para diante, começava o planeta Marte, efeito literário de que ele não tem responsabilidades, mas com que a liberdade do autor acha poder hoje aconchegar a frase. Dali para diante, para o nosso menino, será só uma pergunta sem literatura “vou ou não vou?”. E foi “
Não haverá grandes possibilidades de nos salvarmos, se não salvarmos a inteligência. Até ao dia em que já não farão falta os intelectuais, porque todos o serão."



BOLAS PRÓ PINHAL!

Aceito que a publicidade seja agressiva.
Mas quando essa agressividade se transforma em ofensa, em alarvice, entramos no campo do mau gosto, da mais completa javardice.
O anúncio de página inteira que um dos “sponsors” da selecção, no Euro 2004, fez publicar nos jornais, como se pode ver na imagem que acima se reproduz, não passou de um acto deselegante, ofensivo, imbecil, completamente desnecessário.
Um dia alguém disse que os publicitários eram uns exagerados e, alguns, não mais perderam a mania de serem burros em vez de inteligentes, de serem trafulhas em vez de criativos.
Por ironia dos deuses, a bravata ordinária não conduziu a nada, acabou no ridículo.
Se bem se lembram, os gregos não ficaram em ruínas: ganharam-nos o primeiro jogo, e, não contentes com isso, acabaram a cometer a gracinha de levar o caneco para Atenas.

DO VATICANO A BELÉM

Crónica de Manuel António Pina no “Jornal de Notícias” de hoje:

“O oficioso "Osservatore romano", que o Vaticano costuma usar para atirar pedras escondendo a mão, achou que a morte de Saramago seria boa altura para o apedrejar, tanto mais que, agora, ele já não pode defender-se. O apedrejador de serviço meteu, por isso, mãos à vaticana obra e, mesmo não percebendo por que motivo terá Deus deixado Saramago viver até à "respeitável idade de 87 anos" e andar por aí a exibir uma "crença obstinada" não nos dogmas da Igreja mas nos do materialismo histórico, condenou-o às chamas do Inferno (infelizmente a Igreja já não tem poder para condenar gente como Saramago à fogueira na Terra). Também Cavaco tem queixas de Saramago mas, no seu caso, só protocolares pois, ao contrário do Vaticano, Cavaco não é rancoroso. Saramago não teve, de facto, o cuidado de acertar a data da morte com a agenda da Presidência, o que impediu o presidente de ir ao funeral. Saramago devia saber que Cavaco "gosta de cumprir promessas" e que prometera "à família que no dia 17 partiria com eles para a ilha de S. Miguel". Ora regras de concordância gramatical podem interromper-se, férias não”.

Legenda: Caricatura de Rui Pimentel, publicada na “Visão”, 17 de Dezembro de 1998.
Faz parte de um conjunto de postais comprado, em Julho de 2008, aquando da Exposição "José Saramago: A Consistência dos Sonhos", que esteve patente no Palácio da Ajuda.

JERÓNIMO E JOSEFA


Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha, avós maternos de José Saramago, Azinhaga do Ribatejo, anos 60.
Arquivo da Fundação José Saramago.
Faz parte de um conjunto de postais comprado, em Julho de 2008, aquando da Exposição "José Saramago: A Consistência dos Sonhos", que esteve patente no Palácio da Ajuda.

domingo, 20 de junho de 2010

DESTE MUNDO E DO OUTRO



Deste Mundo e do Outro

José Saramago
Orientação Gráfica: Mendes de Oliveira
Colecção  Biblioteca Arcádia de Bolso nº 126
Editora Arcádia, Lisboa, Janeiro de 1971

“Deste Mundo e do Outro” reúne crónicas publicadas em “A Capital" e no “Jornal do Fundão”.
É neste livro que estão publicadas as cartas que José Saramago escreveu à avó Josefa e ao avô Jerónimo e que, aquando do Prémio Nobel, utilizará, como esteio, no comovente discurso que, então, proferiu.

CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ

"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o Sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal! Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.Não sabes nada do Mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar.Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos da rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietnam é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?...) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.Estou diante de ti e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este Mundo e não curaste de saber o que é o Mundo. Chegas ao fim da vida, e o Mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não fazia parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal, a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha vã e chão de terra batida. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos - e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Porque foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto entendo eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti - e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas - e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!"É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua."


O MEU AVÔ, TAMBEM

“Talvez o dia chuvoso seja o responsável desta melancolia. Somos uma máquina complicada, em que os fios do presente activo se enredam na teia do passado morto, e tudo isto se cruza e entrecruza de tal maneira, em laçadas e apertos, que há momentos em que a vida cai toda sobre nós e nos deixa perplexos, confusos, e subitamente amputados do futuro. Cai a chuva, o vento desmancha a compostura árida das árvores desfolhadas — e dos tempos passados vem uma imagem perdida, um homem alto e magro, velho, agora que se aproxima, por um carreiro alagado. Traz um cajado na mão, um capote enlameado e antigo, e por ele escorrem todas as águas do céu. À frente, caminham animais fatigados, de cabeça baixa, rasando o chão com o focinho. Homem e bichos avançam sob a chuva. É uma imagem comum, sem beleza, terrivelmente anónima.Mas o homem que assim se aproxima, vago, entre cordas de chuva que parecem diluir o que na memória não se perdeu, é meu avô. Vem cansado, o velho. Arrasta consigo setenta anos de vida difícil, de desconforto, de ignorância. E, contudo, é um homem sábio, calado e metido consigo, que só abre a boca para dizer as palavras importantes, aquelas que importam. Fala tão pouco (são poucas as palavras realmente importantes) que todos nos calamos para o ouvir quando no rosto se lhe acende qualquer coisa como uma luz de aviso. Fora isso, tem um modo de estar sentado, olhando para longe, mesmo que esse longe seja apenas a parede mais próxima, que chega a ser intimidade. Não sei que diálogo mudo o mantém alheado de nós. O seu rosto é talhado a enxó, fixo mas expressivo, e os olhos, pequenos e agudos, têm de vez em quando um brilho claro como se nesse momento alguma coisa tivesse sido definitivamente compreendida. Parece uma esfinge, direi eu mais tarde, quando as leituras eruditas me ajudarem nestas comparações tão abonatórias de uma fácil cultura. Hoje digo que parecia um homem.E era um homem. Um homem igual a muitos desta terra, deste mundo, um homem sem oportunidades, talvez um Einstein perdido sob uma camada espessa de impossíveis, um filósofo (quem sabe?), um grande escritor analfabeto. Alguma coisa seria, que não pôde ser nunca. Recordo agora aquela noite morna de verão, que dormimos, nós dois, debaixo da figueira — ouço-o ainda falar da vida que tivera, da Estrada de Santiago que sobre as nossas cabeças resplandecia (as coisas que ele sabia do céu e das estrelas), do gado que o conhecia, das histórias e lendas que eram o seu cabedal da infância remota. Adormecemos tarde, enrolados na manta lobeira, que a madrugada refrescaria com certeza e o orvalho não caía só sobre as plantas.Mas a imagem que me não larga é a do velho que caminha sob a chuva, obstinado e silencioso, como quem cumpre um destino que nada pode modificar. A não ser a morte. Mas, nesta altura, este velho, que é meu avô, ainda não sabe como vai morrer. Ainda não sabe que poucos dias antes do seu último dia vai ter a premonição (perdoa a palavra, Jerónimo) de que o fim chegou, e irá, de árvore em árvore do seu quintal, abraçar os troncos, despedir-se deles, dos frutos que não voltará a comer, das sombras amigas. Porque terá chegado a grande sombra, enquanto a memória o não fizer ressurgir no caminho alagado ou sob o côncavo do céu e a interrogacão das estrelas. Só isto — e também o gesto que de repente me põe de pé e a urgência da ordem que enche o quarto aquecido onde escrevo.”

BOLAS PRÓ PINHAL!



NEUROPEU DE FUTEBOL

“O que perde o futebol não é o jogo propriamente dito, mas todo o barulho que se faz à volta dele. É impossível a gente alhear-se do futebol, falado, comentado, transmitido, relatado, visto, ouvido, apostado, gritado, uivado, ladrado, festejado, bebido. O futebol passa deste modo a ser uma chateação permanente. É que não há tasca, pastelaria, salão de jogos, barbearia, recanto de jardim público, quiosque, bomba de gasolina, restaurante, Assembleia da República, supermercado, hipermercado, livraria, loja, montra, escritório, colégio, oficina, fábrica, habitação, diria até, onde, de algum modo, não se ouça falar do jogo que decorre, decorreu ou decorrerá. Quando há transmissão via TV ou Rádio, então a infernização é total. Passam sujeitos na rua de transístor aberto para ouvir o relato, para sofrer e fazer sofrer quem gosta (ou não) de futebol, ouvem-se súbitos gritos guturais, alarido dos diabos. Em casas de comida (pasto), pastelarias, etc., só se vê gente de pescoço esticado para o pequeno ecran, alguns acompanhando simultaneamente com o rádio de bolso o jogo que está a ver. Isto sem contar com o que vem das residências particulares, quando o calor aperta e as janelas estão abertas. Depois, aparecem os jornalistas desportivos e os jornais não desportivos, os críticos, os especialistas, os entrevistadores, os grandes títulos tantas vezes perfeitamente idiotas, como o da presente crónica, para não me furtar ao exemplo. Enfim, o País fica futebol.É grave? Não é grave? Sei lá. Verifico, apenas, que é assim por toda a parte. E isso massacra, desgosta, faz perder a razoabilidade, a isenção, o bom senso, a simples tineta.Que futebol pode ser um jogo lindo, emocionante, que dúvida! Ainda há momentos (estou a escrever no domingo) acabei de telever o Portugal-Espanha chutado e dei comigo aos pulos, abraçado a um filho de oito anos de idade — ainda relativamente ileso —, quando os nossos patrícios meteram o seu golo. Eu estava apanhado apenas por razões patrioteiras, que o jogo foi fraco, embora o golo tenha sido lindo.Mas que vem a ser isto? Então eu que, ao contrário do que é costume, até gosto dos espanhóis, vou deixar-me caçar assim? Que tenho eu a ver, no fundo, com a equipa-de-todos-nós, agora exaltada num hino que dá vontade de rir?Nestas coisas tem de se cortar cerce: nunca mais vou chupar desse tabaco que se chama futebol. Em todo o caso, sempre quero dizer que eu, se fosse o Cabrita, tinha metido o Gomes, pelo menos na 2ª parte, ou estarão a poupar-lhe as pernas para o Inter de Milão?

Alexandre O’Neill em Já Cá Não Está Quem Falou 

sábado, 19 de junho de 2010

PROVÀVELMENTE ALEGRIA



Provàvelmente Alegria

José Saramago
Colecção Horizonte de Poesia nº 1
Livros Horizonte, Lisboa, s/d



Prtotopoema

“Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos nós cegos, puxo um fio que me parece solto. Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos. É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos, e tem a macieza quente do lodo vivo. É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas. Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de repente não sei se as águas nascem de mim, ou para mim fluem. Continuo a puxar, não já a memória apenas, mas o próprio corpo do rio. Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os barcos e o céu que os cobre, e os altos choupos que vagarosamente deslizam sobre a película luminosa dos olhos. Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas águas como os apelos imprecisos da memória. Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga. Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e firme pulsar de coração. Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém, o meu corpo despido brilha debaixo do sol, entre o esplendor maior que acende a superfície das águas. Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas da memória e o vulto subitamente anunciado do futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar calada sobre a proa rigorosa do barco. Imóvel, espero que toda a água banhe de azul e que as aves digam nos ramos por que são altos os choupos e rumorosas as suas folhas. Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem, sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas verticais circundam. Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva.
Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se juntarem às mãos.
Depois saberei tudo.”

BOLAS PRÓ PINHAL!

Inesquecível campeonato, portanto. A que faltou apenas, para que fosse perfeito (e estes é um lamento), que a organização tivesse pegado na sugestão de José Saramago e incluísse na festa da final uma homenagem a Sophia, a enorme poetisa que de forma tão luminosa cantou Portugal e a Grécia e foi ontem, horas antes do jogo, a enterrar.
Um minuto de silêncio, como ele alvitrou, ou então a rápida leitura de alguns versos (são tantos e tão belos). Imaginemos, imaginemos só por um instante que, depois dos hinos nacionais, uma voz (Luís Miguel Cintra, por exemplo) se ouvia no estádio dizendo aqueles versos que logo tantos lembraram na morte de Sophia:


"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi ao pé do mar"

Ou estes de Hélade:
"Colunas erguidas em nome da iminência
-Deuses cruéis com homens vitoriosos."

Teríamos nesse instante celebrado o futebol e a cultura. Com esses breves segundos lembrando a milhões de compatriotas nossos, que o epíteto de herói não se esgota numa defesa de Ricardo, numa finta de Ronaldo, num passe de Figo. Que há na Literatura, na Música, na Ciência, outras selecções de cidadãos excelentíssimos de quem, se os conhecermos, nos orgulharemos.”

Adelino Gomes, reportagem da final do Euro 2004, publicada no “Público”

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS

sexta-feira, 18 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO (1922-2010)


A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.

José Saramago em As Intermitências da Morte

BOLAS PRÓ PINHAL!



A minha família era muito modesta. O meu pai era operário e nunca fiz férias na praia ou na montanha. As férias eram em casa e eu jogava futebol na rua com os meus amigos. Eu diria mesmo que o futebol foi o único luxo da minha infância.

Mordillo

quinta-feira, 17 de junho de 2010

BOLAS PRÓ PINHAl!



Ode ao Futebol

Rectângulo verde
Meio de sombra
Meio de sol
Vinte e dois em cuecas
Jogando futebol
Correndo
Saltando
Ao sim dum apito
Um homem magrito
Também em cuecas
E mais dois carecas
Com uma bandeira
De cá para lá
De lá para cá

Bola ao centro
Bola fora
Fora o árbitro

E a multidão
Lá do peão
Gritava
Berrava
Gesticulava
E a bola coitada
Rolava no verde
Rolava no pé
De cabeça em cabeça
A bola não perde
Um minuto sequer
E zumbindo no ar
Como um bezouro
Toda redonda
Toda bonita
Vestida de couro

O árbitro corre
O árbitro apita
O público grita
Bola nas redes
Laranjadas
Pirolitos
Asneiras
Palavrões
Damas frenéticas
Gordas
Esqueléticas
Esganiçadas aos gritos
Todas á uma
Todos ao um
Ao árbitro roubam o apito
Entra a polícia
Os cavalos a correr
Os senhores a esconder
Uma cabeça aqui
Um pé acolá
Ancas
Coxas
Pernas

Cabeças no chão
Cabeças de cavalo
Cavalos sem cabeça
Com os pés no ar
Fez-se em montão
A multidão
E uma dama excitada
Que era casada
Com um marido distraído
No meio da bancada
Que estava à cunha
Tirou-lhe um olho
Com a própria unha!
Ânimos ao alto!...
E no fim
Perdeu-se o campeonato!


Tóssan

quarta-feira, 16 de junho de 2010

BOLAS PRÓ PINHAL!

O futebol é mesmo um mundo completamente à parte.

Face à grave crise económica que vai pelo mundo, o futebol fica imune a esses pequenos problemas da economia.

Mas o governo francês como o italiano já vieram criticar o desperdício que rodeia as selecções, tanto no que toca aos prémios dos jogadores e seleccionadores, bem como os hotéis de luxo onde as equipas estão instaladas.

Dizem não perceber porque os futebolistas não participam no esforço que é exigido aos outros.
Alguém terá que lhes fazer um desenho, Como se não fossem os governos que fomentaram a promiscuidade entre a política e o futebol.

Decência é uma palavra que qualquer federação de futebol não sabe o que é.

O mesmo no que aos governos diz respeito.

Em Portugal o assunto não tem sido muito falado porque o Governo, neste momento, precisa mais da selecção do que de pão para a boca. Este será um tempo em que não se falará de crise, défice, dívida, o que quer que seja. 

Apenas futebol.

Desconheço os números que envolvem os custos da selecção portuguesa. Apenas sei que Carlos Queiroz é o sexto seleccionador de futebol mais bem pago do mundo.

Pode ser que com o descalabro futebolístico, que ontem se começou a desenhar no “Mandela Bay”, a coisa comece a ser falada.

Para já ficámos a saber que, no hotel em Port Elizabeth, Cristiano Ronaldo é o único jogador com direito a jacuzi.

Vá lá saber-se porquê!...


Aliás o circo que rodeia o futebol, e concretamente os campeonatos europeus e mundiais, chega a atingir a paranóia total.

Em 2006, durante o campeonato do mundo na Alemanha, a imprensa britânica analisou o comportamento das esposas, namoradas e amigas dos jogadores.

Ficaram todas colocadas no mais luxuoso hotel de Baden-Baden.

A directora da revista “Grazia” escreveu:

“Colocar todas estas mulheres no mesmo hotel é um pouco como o “Big Brother”.. Cada uma quer ter mais bronzeado, mais adereços, mais marcas sobre o corpo do que qualquer outra rival."

Os restaurantes e bares de luxo de Baden-Baden tiveram de alargar os seus horários habituais de fecho para poderem satisfazer as senhoras que não hesitaram em dançar sobre as mesas, esvaziar garrafas de “Veuve Clicquot” e pagar contas de milhares e milhares de euros.


O “The Sunday Times”, noticiou que um grupo de seis esposas e namoradas entrou numa boutique de luxo e gastou 90 mil euros em roupa e sapatos num abrir fechar de olhos.

A excêntrica Victoria Beckmana levou uma colecção de 60 óculos., a namorada de Gerard fez-se acompanhar por um terapeuta de bronzeamento, ido especialmente de Londres. Por um dia, um jacto privado transportou a namorada de Rooney a Liverpool porque precisava de mudar as extensões no cabelo
.
Suzanne Moore, colunista do “The Mail On Sunday” escreveu que estas esposas e namoradas dos jogadores “estão programadas para três coisas: sexo, bronzeado e compras. No fundo, elas odeiam-se e gastam o diminuto poder mental de que dispõem a decidir que “biquini” vão vestir.”
Estamos no pleno reino da indigência, da javardice .

Melhor se compreende o Mário de Carvalho quando diz que a maior alegria que lhe podiam dar era proibir a porcaria do jogo da bola.

terça-feira, 15 de junho de 2010

BOLAS PRÓ PINHAL!


Do editorial do “Diário de Notícias” de ontem.

“Terça-feira, a selecção nacional de futebol entra em campo no Mundial da África do Sul. Jogará pelo menos até sexta-feira, dia 26 - precisamente dia de debate quinzenal na Assembleia. Nesse dia, como se imagina, ninguém ligará ao que José Sócrates anunciar. É dia de Portugal-Brasil - o suficiente para que, mediaticamente, o debate passe despercebido.”

Vamos voltar, a 2006, ao Campeonato do Mundo da Alemanha.


Disputava-se o Portugal-México, se a memória não me falha, às 3 da tarde de um dia de trabalho.
Atente-se neste recorte do “Público”:

“E a Assembleia da República, num gesto que só a dignifica, alterou por unanimidade a ordem de trabalhos do próximo dia 21 para que os deputados possam ver, no aconchego do lar, o jogo entre Portugal e o México. Como é óbvio, depois disto, não há português que não se sinta no pleno direito de “alterar” o seu horário de trabalho de forma a poder seguir atentamente a epopeia de um país que tem no futebol uma fonte inesgotável de auto-estima”.

Já agora cabe dizer, que antes de os jogadores partirem, do estágio na Covilhã, para a África do Sul José Sócrates lá foi dar o seu apoio.


Mais do mesmo.

E voltou a dizer que, desta vez, é que a taça é mesmo nossa.
Vamos esperar sentados.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

BOLAS PR'O PINHAL!



Dissertar sobre as relações entre o futebol, os políticos, os autarcas, os construtores civis, é entrar em campo minado, é entrar nos terrenos da mais execrável pornografia.

Um trabalho publicado no “Diário de Notícias” de hoje, referia o quanto pode beneficiar o governo pelo facto de o povo concentrar as suas atenções no futebol, em vez dos problemas gravíssimos que afectam o país.

“No final de Maio, 300 mil pessoas estiveram na rua a protestar contra o Governo. Mas, a partir de amanhã, o primeiro-ministro, José Sócrates, vai poder respirar quando a selecção nacional entrar no Mundial de futebol. Especialistas, políticos e dados económicos indicam-no: vêm aí semanas de menor contestação ao Governo”.

Mas o sociólogo Manuel Vilaverde Cabral, no citado trabalho, também alerta para o facto de que esta situação poderá "agravar-se caso Portugal não tenha sucesso.”


Sempre que Portugal atinge fases finais de campeonatos, os políticos agitam-se, e, de imediato ,correm ao encontro dos jogadores.


Em Évora, no estágio para o Mundial de 2006, José Sócrates compareceu e disse aos jogadores, também ao país, que “ a selecção tem o apoio e a solidariedade do povo português e os jogadores sabem que o país está muito envolvido e que sabem que os jogadores representam o país”.

Disse, também, acreditar que “podemos ser campeões do mundo.”


Na fotografia acima, ao tempo, publicada pelo “Expresso” o inenarrável Gilberto Madail, dededo espetado, diz-nos que com este 12º jogador, o campeonato está no papo.

Cavaco Silva não foi ter com os jogadores a Évora, mas os jogadores foram ter com ele a Belém. 

Parece ao história do Solnado.

Também recebeu uma camisola 12 e expressou o desejo que Pauleta meta muitos golos.
Após a recepção, Cavaco Silva disse aos jornalistas: 

“Vai ser um campeonato renhido. As equipas que estão na fase final são muito boas. A presença de Portugal no Campeonato do Mundo é um factor de auto-estima, tal como aconteceu no Euro 2004. Temos jogadores de nível mundial. Há grande entusiasmo à volta da selecção. Transmiti uma palavra de estímulo e confiança aos jogadores. Tenho a certeza de que eles vão dar tudo para honrar o nome de Portugal. Confio na Selecção.”

Ainda durante o mesmo Mundial, o Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, não pôde deslocar-se a Évora, mas voou para Colónia, ao encontro dos jogadores e não foi de modas:

“O Céu é o limite. É preciso ter ambição. Tenho grande esperança nesta equipa.”

Se bem se lembram, Portugal classificou-se em 4º lugar.