domingo, 20 de junho de 2010

BOLAS PRÓ PINHAL!



NEUROPEU DE FUTEBOL

“O que perde o futebol não é o jogo propriamente dito, mas todo o barulho que se faz à volta dele. É impossível a gente alhear-se do futebol, falado, comentado, transmitido, relatado, visto, ouvido, apostado, gritado, uivado, ladrado, festejado, bebido. O futebol passa deste modo a ser uma chateação permanente. É que não há tasca, pastelaria, salão de jogos, barbearia, recanto de jardim público, quiosque, bomba de gasolina, restaurante, Assembleia da República, supermercado, hipermercado, livraria, loja, montra, escritório, colégio, oficina, fábrica, habitação, diria até, onde, de algum modo, não se ouça falar do jogo que decorre, decorreu ou decorrerá. Quando há transmissão via TV ou Rádio, então a infernização é total. Passam sujeitos na rua de transístor aberto para ouvir o relato, para sofrer e fazer sofrer quem gosta (ou não) de futebol, ouvem-se súbitos gritos guturais, alarido dos diabos. Em casas de comida (pasto), pastelarias, etc., só se vê gente de pescoço esticado para o pequeno ecran, alguns acompanhando simultaneamente com o rádio de bolso o jogo que está a ver. Isto sem contar com o que vem das residências particulares, quando o calor aperta e as janelas estão abertas. Depois, aparecem os jornalistas desportivos e os jornais não desportivos, os críticos, os especialistas, os entrevistadores, os grandes títulos tantas vezes perfeitamente idiotas, como o da presente crónica, para não me furtar ao exemplo. Enfim, o País fica futebol.É grave? Não é grave? Sei lá. Verifico, apenas, que é assim por toda a parte. E isso massacra, desgosta, faz perder a razoabilidade, a isenção, o bom senso, a simples tineta.Que futebol pode ser um jogo lindo, emocionante, que dúvida! Ainda há momentos (estou a escrever no domingo) acabei de telever o Portugal-Espanha chutado e dei comigo aos pulos, abraçado a um filho de oito anos de idade — ainda relativamente ileso —, quando os nossos patrícios meteram o seu golo. Eu estava apanhado apenas por razões patrioteiras, que o jogo foi fraco, embora o golo tenha sido lindo.Mas que vem a ser isto? Então eu que, ao contrário do que é costume, até gosto dos espanhóis, vou deixar-me caçar assim? Que tenho eu a ver, no fundo, com a equipa-de-todos-nós, agora exaltada num hino que dá vontade de rir?Nestas coisas tem de se cortar cerce: nunca mais vou chupar desse tabaco que se chama futebol. Em todo o caso, sempre quero dizer que eu, se fosse o Cabrita, tinha metido o Gomes, pelo menos na 2ª parte, ou estarão a poupar-lhe as pernas para o Inter de Milão?

Alexandre O’Neill em Já Cá Não Está Quem Falou 

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