segunda-feira, 28 de junho de 2010

SER EDITOR É UM DESASSOSSEGO...


Faço agora um intervalo na enumeração da obra de José Saramago.

Os livros que se seguem a “Objecto Quase” passam a ser editados pela Editorial Caminho e, salvo poucas excepções, em Portugal, Saramago não conhecerá outro editor.

José Saramago, numa entrevista ao “Diário de Lisboa” de 1 de Junho de 1978, reconhece: 

«Não sou um escritor de êxito comercial, não sou o que se chama um bom negócio editorial que prevê um público determinado e o satisfaz. Além disso não me fixei num tipo. Quem espero eu que me leia? A isso já posso responder. Espero que me leiam aqueles que, se escrevessem, escreveriam os meus livros.»

Nelson de Matos publicara os dois últimos de Saramago. 


O autor vai ter com ele para que lhe publique Levantado do Chão. 

Nelson de Matos diz que não pode. 

Os motivos, e o resto, estão neste excerto de uma entrevista que deu ao Expresso”de 27 de Novembro de 2004.

Nela se fica a saber o motivo porque não aconteceu ser o editor do Prémio Nobel de Literatura, do amigo, do camarada…

Nelson de Matos tem razões suficientes para, cada vez que se lembra do episódio, murmurar de si para si, que o destino é mesmo um tipo sem moral nenhuma.

«- Quando estava na altura na editora Moraes, você não publicou o terceiro original de José Saramago.

- Nós não temos a mesma leitura dos acontecimentos, porque o Saramago conta isso de uma maneira e eu conto de outra. Peço desculpa ao Saramago por considerar que ele conta mal, porque ele acha que existiram influências sinistras da minha decisão. E a verdade é que não existiram, foi uma coisa bastante mais prosaica. Ou seja: eu publiquei um livro de contos que se chamava “Objecto Quase” e um romance, “Manual de Pintura e Caligrafia”.

- Qual era o terceiro?


- O “Levantado do Chão”, que o Saramago me apresentou, que eu li, e gostei – nada a dizer sobre o livro, que é um excelente romance. Mas nessa altura a Moraes estava no fim.

- Falida?


- Exactamente. Os livros anteriores do Saramago não tinham vendido. Ele tinha estado no “Diário de Notícias” e estava a atravessar aquele período negativo posterior, muito marcado politicamente. Tive que lhe dizer: “José, fiz duas experiências, não resultaram, lamento não ter condições para poder fazer a terceira.” E não publiquei. Esse livro, por coincidência e por felicidade – e digo-o sem nenhum rancor…

- … foi a explosão


- … foi o início da explosão de Saramago e do seu sucesso futuro. Portanto, passei a ter no meu currículo de editor o ter recusado publicar um futuro Prémio Nobel.

- Essa é uma nódoa inapagável!


- E não é a única! Na vida dos editores, essas coisas acontecem com relativa frequência: o não se apostar num autor e ter uma grande surpresa.

- Ficou surpreendido quando ganhou o Nobel?


- Claro, porque um Nobel nunca se espera. Quando me disseram, eu estava em Frankfurt, no meio de uma reunião. Claro que fiquei contente. Mas foi mais um contentamento do que uma surpresa.- Voltou a chamar-se a si próprio: “Que grande estúpido que eu fui!”
- Sim…Lembro-me que, depois, estive com o Saramago, sentado, no “stand” da “Dom Quixote”, num momento de descanso. Estivemos a falar e divertimo-nos um pouco com essa situação.

- Não ficaram sequelas entre os dois?


- Da minha parte, nunca. Da parte do José Saramago, creio que ele ficou desgostoso e suponho que nunca me perdoou ou entendeu esse gesto. Sempre relatou isso como se eu tivesse tido pressões para não o editar. E isso não é verdade.

- Que tipo de pressões?


- Políticas, empresariais, eu sei lá!

- Mas vocês pertenceram ao mesmo partido, ainda por cima.


- Sim, sim, sim

- Você ainda estava no PCP?


- Ainda, o que mostra o absurdo da situação.»

Legenda: Caricatura de José Bandeira,, publicada no “Diário de Notícias” de 11 de Dezembro de 1998.
Faz parte de um conjunto de postais comprado, em Julho de 2008, aquando da Exposição "José Saramago: A Consistência dos Sonhos", que esteve patente no Palácio da Ajuda.

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