domingo, 27 de junho de 2010

OBJECTO QUASE



Objecto Quase

José Saramago
Capa: Luiz Duran
Moraes Editores, Lisboa, Fevereiro de 1978 .

Cito da contra capa:

«Que livro é este?
Objecto Quase é um livro in-temporal, 
ninguém tem nele bilhete de identidade:
a des-situação é praticada desde a primeira página,
embora a novela de abertura conte uma história que toda a gente conhece
=um dia Salazar caiu duma cadeira..."
Pensa o autor que, pela via de uma certa abstracção, se instalou, aqui, na dureza clara do concreto.»

Numa entrevista ao semanário “Extra”, em 1 de Junho de 1976, José Saramago disse:

“Objecto Quase” não é um livro fácil.
Um escritor não tem o direito de rebaixar o seu trabalho em nome de uma suposta maior acessibilidade. A sociedade, isto é, todos nós, e que temos o dever de resolver os problemas gerais de acesso e fruição dos bens materiais e culturais."


O livro é constituído por seis contos. 


Jorge Listopad não teve dúvidas em considerar o conto “Centauro” , uma obra-prima.

O primeiro conto do livro dá pelo nome de Cadeira.

É uma divertida, e muito bem feita, recriação da queda da cadeira que Salazar sofreu em Setembro de 1968, quando passava férias no Forte de São João do Estoril e que lhe haveria de causar a morte em 1970.

É este o começo do conto:

A cadeira começou a cair, a ir abaixo, a tombar, mas não, no rigor do termo, a desabar. Em sentido estrito, desabar significa caírem as abas a. Ora, de uma cadeira não se dirá que tem abas, e se as tiver, por exemplo, uns apoios laterais para os braços, dir-se-á que estão caindo os braços da cadeira e não que desabam. Mas verdade é que desabam chuvadas, digo também, ou lembro já, para que não aconteça cair em minhas próprias armadilhas: Assim desabam bátegas, que é apenas modo diferente de dizer o mesmo, não poderiam afinal desabar cadeiras, mesmo abas não tendo? Ao menos por liberdade poética? Ao menos por singelo artifício de um dizer que se proclama estilo? Aceite-se então que desabem cadeiras, embora seja preferível que se limitem a cair, a tombar, a ir abaixo. Desabe, sim, quem nesta cadeira se sentou, ou já não sentado está, mas caindo, como é o caso, e o estilo aproveitará da variedade das palavras, que afinal, nunca dizem o mesmo, por mais que se queira. Se o mesmo dissessem, se aos grupos se juntassem por homologia, então a vida poderia ser muito mais simples, por via de redução sucessiva, até à ainda também não simples onomatopeia, e por aí fora seguindo, provavelmente até ao silêncio, a que chamaríamos o sinónimo geral ou omnivalente. Não é sequer onomatopéia, ou não é formável ela a partir deste som articulado (que não tem a voz humana sons puros e portanto inarticulados, a não ser talvez no canto, e mesmo assim conviria a ouvir de mais perto), formado na garganta do tombante ou cadente, embora não estrela, palavras ambas de ressonância heráldica que estão designando agora aquele que desaba, pois não se achou correcto juntar a este verbo a desinência paralela (ante) que perfaria a escolha e completaria o círculo. Desta maneira fica provado que não é perfeito o mundo.”

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