sábado, 6 de abril de 2024

CONVERSANDO


 A Conversa de hoje, chega a propósito da morte de António-Pedro Vasconcelos na 1ª página do Público, onde se lê: «O cineasta que acreditava no grande público».

Agora entendam o começo da prosa como uma brincadeira, quando se diz:

«Karen Blixen teve uma fazenda em África, a Aida teve um tasco em Almoçageme».

Comida simples mas a saber a comida.

Durante uns dias, o João César Monteiro albergou-se numa casa que sua mulher, a Margarida Gil, tinha em Almoçageme.

Num sábado e num domingo, acompanhado por alguém, almoçaram no tasco.

No sábado petinga frita com arroz de pimentos, no domingo cosido à portuguesa.

Toda a conversação com esse alguém, desenrolou-se em francês. Talvez alguém ligado àquele seu projecto da adaptação do filme «La Philosophie Dans le Boudoir», e talvez ainda não tivesse chegado a conversa sobre caralhos:

Extracto da carta para o produtor Paulo Branco em Uma Semana Noutra Cidade:

«O custo unitário dos caralhos oscilava, consoante os tamanhos entre os 45 e os 60 contos. Neste passo vislumbrei com bonomia, a carinha do produtor, a tua, meu caro_

-Pa ra que são preciso tantos caralhos?

- Não sei. Pergunta ao Max.»

Na parte popular do tasco, balcão, duas mesas corridas, pipos de vinho ao alto, tínhamos colocado uma série e cartazes de filmes da colecção do Luís Miguel Mira, excepto um enorme cartaz do Casablanca. João César, depois do almoço, cigarro na beiça, deslocou-se a essa parte do tasco, olhou os cartazes e disse que fazia filmes e se estivéssemos de acordo um cartaz do seu último filme talvez  ali ficasse bem.

Foi-lhe dito que ficariam mesmo muito bem. O filme era  «A Comédia de Deus».

Pensou-se que a história ficaria por ali e o cartaz talvez para nunca mais.

Errado!

Na segunda-feira, João César, estava no tasco a depositar um rolo de cartazes do filme para escolhermos.

De imediato se mandou fazer a moldura e ali ficou.

António Pedro Vasconcelos, juntamente com uns amigos e amigas, algumas vezes, amesentava no tasco.

História primeira

Olhou e perguntou;

- Como é que aquele cartaz do filme do João César está por aqui?

Foi-lhe contado como tudo aconteceu.

- Vou trazer-lhe um cartaz do meu filme «O Lugar do Morto».

- Excelente ideia, o meu pai, por causa das pernas da Anna Zanatti, viu o filme três vezes.

O António Pedro voltou mais vezes ao tasco, mas sem o cartaz.

História Segunda

A parte popular do tasco tinha uma pequena televisão e uma telefonia para ouvir os relatos da Antena 1.

Sábado. Benfica a jogar em Braga, transmissão televisiva.

Visitas rápidas do António Pedro ao tasco para se inteirar  do resultado e ficar alguns minutos para ver como a coisa estava a correr. Na parte do restaurante, os amigos continuavam a conversar.

História Terceira.

Uma noite, António Pedro a perguntar se a Alheira que estava na lista era de Mirandela.

- Oh! António Pedro como é que os 600$00: batatas fritas, uma forma de arroz, um ovo estrelado, poderiam comportar uma alheira de Mirandela?

- Eh pá! Tem razão! Desculpe lá!...

Um homem delicado, sensível tal como largamente se disse na hora da sua morte.

Quarta história

Havia os afazeres do tasco e aguardei uma das suas visitas para ter a oportunidade de lhe perguntar como é que um homem que tanto sabia de cinema, e tanto gostava de filmes, se batia ardorosamente sobre a dobragem de filmes. A pergunta que lhe faria, olhando o cartaz do Casablanca seria para lhe dizer, que com a dobragem, não ouvir a voz, o catarro do Bogart, mas sim um qualquer assomo de um tipo desconhecido.

Esta história não aconteceu.

O tasco começou a ter um excesso de clientela. A cozinha era exígua, havia que fazer obras, mas aquilo não nos pertencia, renda mensal de 100 contos, e, por impedimentos vários, uma delas uma antiga querela de herdeiros do proprietário, não poderíamos o tasco.

António-Pedro de Vasconcelos gostava de um cinema popular, um cinema para todos.

João César Monteiro, segundo Vitor Silva Tavares odiava espectadores, estava-se nas tintas para o público.

 Ainda se lembram, na estreia de Branca de Neve, à pergunta do jornalista respondeu:

“Eu quero que o público se foda”.

António Pedro e João César foram amigos, tempos do Vavá, ambos estiveram nessa maravilhosa aventura do Cinéfilo: António-Pedro Vasconcelos como chefe, João César Monteiro na redacção, Fernando Lopes director.

Depois… as histórias, e respectivas versões, são várias.

João César Monteiro, a propósito de uma cena do seu filme «Quem Espera por Sapatos de Defunto» no seu livros Os Que Vão Morrer Saúdam-te:

«Antes do mais, é conveniente esclarecer que este plano foi, a meu pedido, filmado pelo sr. António-Pedro Vasconcelos, atendendo a que, farto do filme, me deslocara, no entretanto, para Itália em viagem nupcial. Ao sr. Vasconcelos foram deixadas todas as indicações julgadas úteis para a boa execução do plano, tarefa de que ele se encarregou escrupulosamente, segundo creio, e pela qual lhe estou grato. Bem feia acção seria, pois, eu vir agora queixar-me do trabalho generosamente despendido por um colega em proveito de um filme meu, mas lá que o enquadramento é uma boa merda, isso é. Então eu tenho que gramar aquelas verticais todas abauladas sem ficar roxo de cólera? E quem é que o mandou, seu fantasista , pôr o senhor da senhora que está na cama a ler os Cahiers du Cinéma? Não vê que isso desvia a atenção do movimento obsessivo do plano? Era preferível ter posto o homem a brincar com a pila!»

3 comentários:

Anónimo disse...

Exemplos perfeitos da supostas elites chungas, em que o caso acabado é o Sr César que cuspia na mão que lhe dava o pão

Seve disse...

A quem melhor se poderá chamar maluco (com todas as letras), senão ao João César Monteiro...

Anónimo disse...

Lamento mas de maluco nada tinha; embora dissesse "que se foda o público" era com os impostos do trabalho desse público que se fazia passar por pateta. Parafraseando-o, direi "a quem melhor se poderá chamar desprezível"