domingo, 30 de janeiro de 2011

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Piolhos eram os cinemas de bairro.

Na parte da cidade onde nasci, atravessei a infância e boa parte da adolescência, encontrei-me rodeado de cinemas: "Cine.Oriente", "Max", "Royal", "Imperial", "Lys," "Rex", todos cinemas de reprise, e o Império o único com filmes de estreia.

O meu piolho era o “Cine-Oriente”, o “Cinóre” como dizia a malta.

Custava cinco cr’oas o bilhete das matinées dos domingos.

Filmes riscados, filmes cortados, o som a falhar – ó marreco, olha o sonoro! – a plateia mais participativa, mais vibrante, mais genuína, que vi em toda a vida, e ela já vai avançada.

O Cabé na 1ª fila, cadeiras de pau, a dizer para o rapaz, que não pressentia a chegada do bandido: “tu não vê nada!”

Esta fotografia do “Cine-Oriente” já é de tempos mais chegados, quando o Cinóre já estava quase em vias de demolição.

 O “meu” "Cine-Oriente” não tinha este aspecto.

As portas eram de correr e situava-se numa rua escura, porque em frente havia uma vila, e na parte detrás da vila, havia aquilo a que uma enorme dose de boa vontade, poderia chamar um luna park., não mais que um vasto terreno que fazia fronteira com o Regimento de Transmissões de Sapadores, que ainda por lá se encontra.

E os domingos da infância, para além do cinema, no tal luna park, tinham o carrossel do Marreco, quermesses, matraquilhos, barraquinhas de tiros, pirolitos ganhos quando, com uma bola de trapos se mandavam ao chão as latas que se encavalitavam numa tábua, o Artur das farturas e a sua avantajada esposa de volta do algodão doce,  mulheres a venderem tremoços, paladares, colares de pinhões, alfarroba.


No nº 7 da Avenida General Roçadas, no sítio que foi do “Cine-Oriente”, está agora a estação dos Correios, que antes era na Graça, quase em frente à “Mimosa da Graça”, ainda de portas abertas, mas sem a qualidade de antanho.

Aqui começou a maravilha da aventura que é este gosto pelo cinema, o primeiro momento de magia da minha vida, quando os filmes eram “com” e não “de”, a girândola de sonhos, lanternas mágicas que me têm acompanhado pelos dias.

Saudáveis memórias, súbitas melancolias, imagens que vão, vêm, indios e cow-boys”, charlot, bucha e estica, abott e costello, buster keaton, eu de calções, sentado nas cadeiras de pau do cinóre, o Cabé a dizer para o rapaz: “tu não vê nada!”

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