quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

UM PÉSSIMO EXEMPLO DE SE SER ESCRITOR


Neste dia, em 2008, com 82 anos morria, no Montijo, o escritor, editor e polemista, Luiz Pacheco.


Esquecido e desprezado em vida, ainda viu os poucos seus livros, existentes nas livrarias, desaparecerem quando a RTP2 exibiu um documentário sobre a sua vida louca...

A empregada do lar onde Luiz Pacheco vivia, disse então que o Sr. Pacheco tinha desatado a rir às gargalhadas.

Não me lixem. Não me chateiem, saúde &bichas, gostava de dizer.

Ouvia a Antena 2, num rádio de pilhas, e gostava das “Variações Goldberg”.

Editou alguns dos melhores escritores portugueses do século XX (Herberto Helder, Manuel de Lima, António Maria Lisboa, Virgilio Martinho, Mário Sacramento, Jaime Salazar Sampaio, Hélia Correia, Mário Cesariny Vasconcelos, Natália Correia) e esse papel de editor era o seu melhor lado, dito por ele, confirmado por outros. Mas deixou textos magníficos que andam por aí dispersos. Certamente que se perderão e, lá mais para a frente, ninguém mais saberá quem foi o Luiz Pacheco, bem ao contrário do que acontece com o Eusébio, o Zé Mourinho, o Cristiano Ronaldo, bem ao estilo deste país tão triste de esquecer gente…

Mas, tal como escreveu Serafim Ferreira, o “Pacheco é principalmente, para muita gente, um péssimo exemplo de se ser escritor!...”

Este é o começo do lindíssimo texto que se chama Os Namorados”, e que está incluído nos “Textos Locais”:


“Dos jardins fantásticos da minha infância que eu nem tive infância nasci assim já velho mas sou um bocadinho bonacheirão incapaz de rancor aos meninos que tiveram infância e jardins, trago um na lembrança que era um jardim muito engraçado havia um coreto a música tocava aos domingos havia um urinol com aquele velho maluco que fazia coisas aos rapazes e também lembro um jardim, outro ou seria o mesmo que era um jardim muito engraçado com uma estantezinha verde o tipo que emprestava os livros à gente tinha uma farda preenchia-se um papel com o nosso nome e morada era coisa séria. Os jardins da minha infância tinham lagos peixes vermelhos flores subtis perfumes quentes cores triviais recantos de sombra lugares comuns esconderijos giros para a gente brincar. Não me lembro, ah que pena os namorados sim os namorados devia haver nos bancos do jardim ou perdidos passeando de mãos dadas falando ou calados apertados, não me lembro.”
Ou este pedacinho de “Comunidade”:
                                        

“Somos cinco numa cama. Para a cabeceira, eu, a rapariga, o bebé de dias; para os pés, o miúdo e a miúda mais pequena. Toco com o pé numa rosca de carne meiga e macia: é a pernita da Lina, que dorme à minha frente. Apago a luz, cansado de ler parvoíces que só em português é possível ler, e viro-me para o lado esquerdo: é um hálito levemente soprado, pedindo beijos no escuro que me embala até adormecer. Voltamo-nos, remexemos, tomados pelo medo de estarmos vivos, pela alegria dos sonhos, quem sabe!, e encontramos, chocamos carne, carne que não é nossa, que é um exagero, um a-mais do nosso corpo mas aqui, tão perto e tão quente, é como se fosse nossa carne também: agarrada (palpitante, latejando) pelos nossos dedos; calada (dormindo, confiante)  encostada ao nosso suor.”

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