quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

VIVER FORA DO TEMPO


O Fred adorava o Bar Arcade, que ficava perto do nosso hotel. Abria de manhã e parecia um bar dos anos 30 com alguns livros, um grelhador e um relógio grande de estação de caminhos de ferro sem ponteiros. No Arcade não havia tempo, fosse ele real, ou de qualquer outra espécie, e podíamos ficar por lá horas com outras pessoas que viviam também fora do tempo, relacionando palavras ou assuntos entre um silêncio circunspecto. O Fred bebia umas cervejas e eu bebia café. Numa dessas manhãs no Bar Arcade, enquanto fitava o grande relógio de parede, o Fred teve subitamente uma ideia para um espectáculo de televisão. Eram os primeiros anos da transmissão por cabo e ele imaginava emitir a partir de WGPR, a estação de televisão negra, independente, pioneira em Detroit. A rubrica do Fred, Embriagados durante a Tarde, entrava no domínio do relógio sem ponteiros, sem restrições de tempo e expectativas sociais.
Incluiria um convidado com quem beberia e falaria a uma mesa por baixo do relógio. Poderiam ir até onde a sua intoxicação mútua os levasse. O Fred sabia comunicar bem sobre qualquer assunto, desde o suingue no golfe de Tom Watson até aos tumultos de Chicago ou ao declínio dos caminhos de ferro. No topo da lista estava Cliff Robertson, um ator de filmes da série B, um pouco perturbado, que partilhava o entusiasmo do Fred pela aviação e era seu amigo do peito.

Patti Smith em M Train

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