segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O POETA QUE SE ATIROU PARA O CÉU


No fim das trevas da noite admitia: uma pequena estrela de esperança a brilhar.

Mas naquele começo de um novo ano escolheu a morte.

Como tão certeiro escreveu o Baptista-Bastos: o poeta que se atirou para o céu.

Num qualquer dia do ano de 1999, talvez antes, escrevo com medo de ser tarde, a propósito de fitas, falara das tais luzinhas a brilhar:

Acendem-se já as luzes natalícias e ele escapa-se, no intervalo dos aguaceiros, por entre o empedrado escorregadio das ruas e travessas do bairro, para aparentes portos de abrigo, que buscando a companhia de algumas palavras, mesmo que sejam de ocasião, tentando a cumplicidade de alguns sorrisos, mesmo que sejam de encomenda. Já pouco mais pede, perdidas ilusões, desfeitas quimeras.

Eduardo Guerra Carneiro, no dia 2 de Janeiro de 2004, foi encontrado sem vida junto à casa onde morava sozinho na Travessa do Abarracamento de Peniche, ali ao Bairro Alto que ele tanto amava e conhecia tão bem.


AUTO-RETRATO

Quantas horas não choras a pensar
em ti — quando ando, desando,
neste viver sem mim.
Quantos anos sem tino. De mim
este cantar desencantado — assim.
Embora os dias me afastem já de ti
procuro saber do teu espaço,
nas casas brancas onde o azul desmaia. Sinal
de outro tempo em que ainda rias,
espaço meu. Afinal alteras, aterras, ó desenterrado.
Finges, desarmas, com teu gosto azedo. Procuras,
já vives, nas verdes veredas. Mas não sabes,
nem queres, do teu ao meu, essa coisa
chamada amor.


Eduardo Guerra Carneiro em Contra a Corrente

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