domingo, 1 de janeiro de 2017

ÉRAMOS TANTOS À MESA


Anos 60.

Os tempos não eram fáceis.

No jantar do Dia de Natal e do Dia de Ano Novo, comia-se perú assado no forno.

Uns dias antes do Natal, ia com o meu pai ao Lavradio buscar dois perús, que tinham vindo do Alentejo, criados a bolota e tudo o que há (ou havia) nos montados alentejanos.

Na Estação Sul e Sueste apanhávamos o barco para o Barreiro, ainda a vapor.

Depois a camioneta do José Cândido Belo para o Lavradio, onde vivia um tio que trabalhava na CUF.

Mais de meio-dia de viagens, acreditem.

Os perús vinham, vivos, em dois cestos de verga.

O do Natal era logo embebedado com bagaço, depois temperado pela minha avó materna.

O do Ano Novo ficava dentro do tanque de lavar a roupa, ia comendo uma mistura de pedacinhos de couve e milho, e a aguardar a bebedeira antes de entrar no forno.

Com tudo isto gastava-se dinheiro que ultrapassava o mais que parco orçamento caseiro.

Dinheiro que iria fazer falta nos restantes dias, mas, festa é festa, e o Natal e o Ano Novo eram sagrados.

Para os males monetários, é que havia Casas de Penhores.

Nunca comi perú assado, como aquele que, depois de maneira única temperado pela minha avó, era assado, muito lentamente, no forno.

Arroz de miúdos, batatas fritas às rodelas, salada de alface.

Tangerinas, mas tangerinas mesmo.

O arroz doce apresentava-se em pires, com a primeira letra do nome dos convivas, desenhada com canela.


Legenda: imagem do Arquivo Shorpy

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