O recorte está
um tanto um quanto manhoso, quase ilegível.
Trata-se da
coluna que Alexandre O’ Neill assinava em A Capital e a que chamou Chuva
de Telhado.
Intitulou-a O
Fanhoso do Minnesota, em A Capital de 24 de Janeiro de 1974, e está englobada num
dossier sobre o regresso de Dylan às tournées, a primeira na América desde há
oito anos. Exclusivos de A Capital com o The
Guardian (Michael Gray), The Washingtion Post (Tom Zito) e The
Los Angeles Times (Robert Hilburn).
A crónica está
incluída em Uma Coisa em Forma de Assim:
Mais do que uma característica vocal, a «fanhosez»
(real ou por mim imaginada?) de Bob Dylan é uma qualidade estilística
alimentada por uma recusa, um a contra-pelo de quem sabe, muito
conscientemente, conter-se na efusão do sentimento e, até, «desmentir» no
cantar a palavra que canta. Não que ele desminta a palavra a nível do conceito
e da «mensagem». O que acontece é que Dylan a rejeita como lugar-comum
cantabile, como repositório-comum de sentimentos pré-catalogados e como «air de
bravoure». Diríamos que Dylan não maiusculiza nada. As massas verbais que, sem
ornatos, debita dão conta de muita coisa bela, grande, divertida ou terrível,
mas a força comunicante do trovador está, principalmente, no partido que ele
tira da monotonia, repetição e progressão «fanhosas» de um texto
maravilhosamente aliado à música. Este é um caminho de voluntária pobreza. Um
mínimo de suportes e de efeitos, para um máximo de comunicação verbal. «Sentir?
Sinta quem ouve!», apetece dizer, parafraseando Fernando Pessoa, a propósito do
discurso de Bob Dylan.
Isso a que eu chamo de «fanhosez», que musicalmente
deve ter uma explicação, muito em particular no campo da balada, ganha em Dylan
as características de um estilo. Para muitos, tal estilo não passa de
maneirismo. Mas Dylan sabe, com e depois de Wood Guthrie, de Pete Seeger e de
Brassens, que a palavra só move mundos quando é entendida na sua integridade. E
Dylan é, também, um excelente poeta, isto é, alguém capaz de entender que «o
lirismo é o desenvolvimento de um protesto». Do «fanhoso» do Minnesota não se
poderá dizer, como Flaubert de um cantor de ópera sua criatura: «Havia algo
nele de cabeleireiro e toureiro».
Ponham nele os ouvidos certos baladeiros portugueses e
espanhóis que fazem das palavras vazadouros dos mais simplesmente sentimentos.
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