Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.
13 de Abril de 1974
As Viagens de Abril podem levar-nos a tempos que, esperávamos que não mais poderiam voltar, mas apareceu por aí uma pandilha, com azáfama demoníca, que exigem, à viva força, que as mulheres voltem para casa porque, como dizia o botas de santa comba, «o trabalho das mulheres fora de casa não deve ser incentivado porque uma boa dona de casa tem sempre muito que fazer», que volteam a ser mulheres-despeja-penicos , que lhes lavem os pés, que lhes cortem as unhas, que tenham o jantar pronto quando eles chegam a casa, no fundo dos fundos, que as donas-de-casa, tenham um estatuto.
Esta gente
católica, prufundamente reacionária e ignorante, não tem ponta de vergonha, não
entendem que o mundo está sempre a pular e a avançar.
E não se pode
exterminar?, tal como ouvi gritar, numa peça de Karl Valentin, encenada por
Jorge Silva Melo, em 1979, no saudoso Teatro da Corbucópia, no Bairro Alto.
Mas fechemos
a triste viagem de hoje, lembrando partes de outras tristezas.
A censura proibia qualquer notícia relativa ao
«Julgamento das Três Marias» em que as escritoras Maria Velho da Costa, Maria
Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, eram acusadas de «a partir de data
ignorada de Outubro de 1971, terem escrito em conjunto, mediante prévia
combinação, um livro ao qual deram o título de “Novas Cartas Portuguesas que
contém diversas passagens de conteúdo imoral e pornográfico, atentórias da moral
pública.”
Como poderiam, aquelas almas penadas-censórias, que mal ouviam falar de cultura
puxavam da pistola, ter outros procedimentos que não estes?
Só (?) a MariaTeresa Horta sabe a autoria dessas maravilhosas
cartas. Prometeu que nunca as revelará. Estranha atitude, mas enfim!... Que se
terá passado na cabeça das moças?
Sabe-se apenas que a primeira carta é de Isabel
Barreno.
Primeira
carta
Pois
que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente,
possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi
dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; e
eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes o
seu exercício.
Não será portanto necessário perguntarmo-nos se o que nos junta é paixão comum
de exercícios diferentes, ou exercício comum de paixões diferentes. Porque só
nos perguntaremos então qual o modo do nosso exercício, se nostalgia, se
vingança. Sim, sem dúvida que nostalgia é também uma forma de vingança, e
vingança uma forma de nostalgia; em ambos os casos procuramos o que não nos faria
recuar; o que não nos faria destruir. Mas não deixa a paixão de ser a força e o
exercício do seu sentido.
Só de nostalgias faremos uma irmandade e um convento, Soror Mariana das cinco
cartas. Só de vinganças, faremos um Outubro, um Maio, e novo mês para cobrir o
calendário. E de nós, o que faremos?
1/3/71
Sem comentários:
Enviar um comentário