sábado, 13 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


 Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                     João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.  

13 de Abril de 1974

As Viagens de Abril podem levar-nos a tempos que, esperávamos que não mais poderiam voltar, mas apareceu por aí uma pandilha, com azáfama demoníca, que exigem, à viva força, que as mulheres voltem para casa porque, como dizia o botas de santa comba, «o trabalho das mulheres fora de casa não deve ser incentivado porque uma boa dona de casa tem sempre muito que fazer», que volteam a ser mulheres-despeja-penicos , que lhes lavem os pés, que lhes cortem as unhas, que tenham o jantar pronto quando eles chegam a casa, no fundo dos fundos, que as donas-de-casa, tenham um estatuto.

Esta gente católica, prufundamente reacionária e ignorante, não tem ponta de vergonha, não entendem que o mundo está sempre a pular e a avançar.

E não se pode exterminar?, tal como ouvi gritar, numa peça de Karl Valentin, encenada por Jorge Silva Melo, em 1979, no saudoso Teatro da Corbucópia, no Bairro Alto.

Mas fechemos a triste viagem de hoje, lembrando partes de outras tristezas.

A censura proibia qualquer notícia relativa ao «Julgamento das Três Marias» em que as escritoras Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno, eram acusadas de «a partir de data ignorada de Outubro de 1971, terem escrito em conjunto, mediante prévia combinação, um livro ao qual deram o título de “Novas Cartas Portuguesas que contém diversas passagens de conteúdo imoral e pornográfico, atentórias da moral pública.”
Como poderiam, aquelas almas penadas-censórias, que mal ouviam falar de cultura puxavam da pistola, ter outros procedimentos que não estes?

Só (?) a MariaTeresa Horta sabe a autoria dessas maravilhosas cartas. Prometeu que nunca as revelará. Estranha atitude, mas enfim!... Que se terá passado na cabeça das moças?

Sabe-se apenas que a primeira carta é de Isabel Barreno.

                                                                                                    

                                                                                               Primeira carta

Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; e eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes o seu exercício.
 
Não será portanto necessário perguntarmo-nos se o que nos junta é paixão comum de exercícios diferentes, ou exercício comum de paixões diferentes. Porque só nos perguntaremos então qual o modo do nosso exercício, se nostalgia, se vingança. Sim, sem dúvida que nostalgia é também uma forma de vingança, e vingança uma forma de nostalgia; em ambos os casos procuramos o que não nos faria recuar; o que não nos faria destruir. Mas não deixa a paixão de ser a força e o exercício do seu sentido.
 
Só de nostalgias faremos uma irmandade e um convento, Soror Mariana das cinco cartas. Só de vinganças, faremos um Outubro, um Maio, e novo mês para cobrir o calendário. E de nós, o que faremos?
 
1/3/71

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