terça-feira, 23 de abril de 2024

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Eu vou-me embora para além do Tejo,

não posso mais ficar!

 

Já sei de cor os passos de cada dia,

na boca as mesmas palavras

batidas nos meus ouvidos...

-- Ai as desgraças humanas destas paisagens iguais!...

Abro os olhos e não vejo

já não ando, já não oiço...

Não posso mais...

Grita-me a Vida de longe

e eu vou-me embora para além do Tejo.

 

Passa a ave no céu bebendo azul e diz:    Vem!

O vento envolve-me numa carícia,

envolve-me e murmura: -- Vem!

As ondas estalam nas praias e vão mar fora,

as mãos de espuma a prender-me os sentidos

chamam no fundo dos meus olhos: -- Vem!

 

-- Camaradas, eu vou, esperai um pouco...

Ai, mas a vida nunca espera por ninguém...

E a noite chega vingadora;

o vento rasga-me o fato,

as ondas molham-me a carne

e a ave pia misticamente no ar;

abro os olhos e não vejo,

já não ando, já não oiço

-- e fico, desgraçado de ficar!...

Manuel da Fonseca em Poemas Completos

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