quinta-feira, 4 de abril de 2024

CONHEÇO O MUNDO DOS MORTOS

Conheço o mundo dos mortos. É frio, com terra

por cima, restos de tábuas, ossos desfeitos pelos invernos.

Os mortos vêem-nos: de onde estão, eles chamam pelos nomes

familiares, num murmúrio, e o vento dispersa-lhes os sopros

— música de ciprestes. Por isso, há quem anda entre as campas,

ao fim da tarde, com os ouvidos tapados; quem reze,

entre lábios, datas estéreis como as antigas pedras;

quem persiga a própria sombra, temendo que ela desapareça

sob a erva fresca. Memórias vagas e finais, atormentando-me

num secreto espelho — no canto de mim, absorto

e pálido, quem me diz o nome, em silêncio, sem olhos,

sem lábios, sem os cabelos que outrora toquei?


Nuno Júdice em Obra Poética

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