sexta-feira, 12 de junho de 2015

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


O filme é “Some Like it Hot”, de Billy Wil­der. Marilyn cami­nha pela pla­ta­forma da esta­ção de com­boios em direc­ção a Tony Cur­tis e Jack Lem­mon. A visão dela, de frente, abre-lhes os olhos de espanto. Entre­tanto passa e já estão agora a vê-la dou­tra pers­pec­tiva. Quanto mais a câmara fecha no olhar deles, mais aque­les olhos se dila­tam em estar­re­cido assom­bro. Wil­der dá-nos a seguir, em con­tra­campo, o melhor plano ame­ri­cano, se assim lhe posso cha­mar, que já se viu, enqua­drando da cin­tura para baixo a mulher que cami­nha. Vai den­tro de um ves­tido preto que ondula como nunca ondu­lou ves­tido algum. Há uma esplên­dida massa cor­po­ral que balança, oscila e, ó lábil curva, redon­da­mente se salienta.

Per­ce­bendo que a pla­teia já tem a cal­deira a fer­ver, o pró­prio com­boio saúda a graça que passa, sol­tando dois asso­bi­a­dos sopros de vapor que envol­vem, não digo Marilyn, mas uma boa parte de Marilyn, na humi­dade de pouco diá­fana nuvem.


Vi esta cena uma boa cen­tena de vezes. As per­nas de Marilyn, con­tei, dão 12 pas­sos cur­tos, há um pen­du­lar movi­mento de subida e des­cida do corpo, das ancas, uma osci­la­ção este-oeste dos simé­tri­cos “ron­deurs” que rija e ame­a­ça­do­ra­mente esti­cam o ves­tido. O nosso atro­pe­lado olhar chora e ri, agra­de­cendo à Cri­a­ção o gosto lúdico a que se entre­gou quando, che­gada ao fim das cos­tas huma­nas, diva­gou filo­so­fi­ca­mente, sope­sando cada metade da solu­ção nos pra­tos da sua justa balança. Ou não fosse a sime­tria a divina regra de toda a beleza.


Manuel S. Fonseca no Expresso, 5 de Janeiro de 2013

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