O
filme é “Some Like it Hot”, de Billy Wilder. Marilyn caminha pela plataforma
da estação de comboios em direcção a Tony Curtis e Jack Lemmon. A visão
dela, de frente, abre-lhes os olhos de espanto. Entretanto passa e já estão
agora a vê-la doutra perspectiva. Quanto mais a câmara fecha no olhar deles,
mais aqueles olhos se dilatam em estarrecido assombro. Wilder dá-nos a
seguir, em contracampo, o melhor plano americano, se assim lhe posso chamar,
que já se viu, enquadrando da cintura para baixo a mulher que caminha. Vai
dentro de um vestido preto que ondula como nunca ondulou vestido algum. Há
uma esplêndida massa corporal que balança, oscila e, ó lábil curva, redondamente
se salienta.
Percebendo que a plateia já tem a caldeira a ferver,
o próprio comboio saúda a graça que passa, soltando dois assobiados
sopros de vapor que envolvem, não digo Marilyn, mas uma boa parte de Marilyn,
na humidade de pouco diáfana nuvem.
Vi esta cena uma boa centena de vezes. As pernas de
Marilyn, contei, dão 12 passos curtos, há um pendular movimento de subida
e descida do corpo, das ancas, uma oscilação este-oeste dos simétricos
“rondeurs” que rija e ameaçadoramente esticam o vestido. O nosso atropelado
olhar chora e ri, agradecendo à Criação o gosto lúdico a que se entregou
quando, chegada ao fim das costas humanas, divagou filosoficamente,
sopesando cada metade da solução nos pratos da sua justa balança. Ou não
fosse a simetria a divina regra de toda a beleza.
Manuel S.
Fonseca no Expresso, 5 de Janeiro de 2013
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