Eis a costa do sangue. Aqui nasci, e ouvi cantar os
homens. Com eles aprendi a cantar e a sofrer, aprendi o amor e a justiça. Com
eles aprendi o verdadeiro nome de todas as coisas. Através deles, pude ver o
negro focinho do lobo tingido de sangue. E vi o falcão devorar as entranhas da
gaivota.
Era pequeno, lembro-me, e neste lugar o sangue rompia,
de súbito, por detrás de tudo, como uma violenta e rápida tempestade de Maio.
Então, os homens juntavam-se ou dispersavam, furiosos e ameaçadores, às vezes
tristemente calados, com uma doce coragem feita de resignação magoada.
Com estes homens, aqui, na costa do sangue, aprendi a
cantar. Depois vi-os morrer. E os seus nomes guardei-os.
Como um vinho. Uma lição.
Por isso o meu canto é um recado.
Por isso o meu nome é uma canção.
Joaquim Pessoa em Canções de Ex-Cravo e Malviver
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