sábado, 20 de agosto de 2011

SARAMAGUEANDO



Data de 10 de Novembro de 1966, o primeiro recorte do longo “Dossier José Saramago” que aqui pela casa se passeia.

É uma entrevista ao “Jornal de Notícias”, feita por Serafim Ferreira, e a propósito da publicação de “Os Poemas Possíveis”.

Da introdução da entrevista:

“O poeta não tem idade; o poeta é a vida; o poeta fala pelos outros; comunica e enche de calor o mundo despovoado dos que não têm voz e não sabem cantar; o poeta enche o mundo; o poeta  é o cantor da Tempo superiormente entendido como entidade mítica que marca, de forma inexorável, a evolução da Humanidade, os passos dos homens nas suas paragens sem destino. O poeta aparece quando pode ou quando deve – o poeta, qualquer poeta, é sempre aquele homem que deseja comunicar aos outros homens o mundo da sua própria experiência.”

O jornalista pergunta a que se deve o facto de aparecer tão tarde com um livro de poemas. Saramago responde:

“Se escrevi este livro tão tarde foi porque o não podia ter escrito antes. O homem que nos meus poemas se exprime tem hoje qaurenta e três anos. Faz versos desde a  adolescência (o que não surpreenderá ninguém) e quase nada conserva do que fez. Amadureceu com os anos e com a experiência do que viu e do que observou – e nisto não se distingue dos mais homens. Podia ter assim continuado. Se necessidade sentia de exprimir-se, ela não era suficientemente forte, Mas, acontecimentos pessoais que, por pessoais, não interessa aqui referir, operaram em mim um súbito ajustamento de quanto de vago, disperso ou apenas esboçado me habitava. Esta é a explicação do nascimento e publicação deste livro.”

Serafim Ferreira fala a Saramago da necessidade de os escritores abordarem um conteúdo que reflicta as preocupações e ansiedades do nosso tempo, e  obtém a resposta:

“Cada um de nós vai cantando com a voz que tem… De resto afigura-se-me que, hoje, importa mais o que se diz do que a maneira como se diz. Daí terem o terem perdido audiência (e pelo caminho que o mundo leva, creio que para sempre) os poetas que fizeram da poesia mera prenda de salão ou de sociedade, como o tricô ou o tiro aos pombos.”

No findar da entrevista o jornalista pergunta quais os projectos a realizar no futuro.

“Os Poemas Possíveis não é o meu primeiro livro. Vai para vinte anos, publiquei um mau romance que acabou, sem glória, ao lado de muita coisa boa, nos tabuleiros. Ganhou assim uma difusão que doutra maneira não teria… É que o negócio dos arrematadores, para que fosse suficientemente rentável, uma “distribuição” tão eficiente que chegasse à mais escondida das nossas aldeias. Quero crer que não ficou um livro por vender.
Quanto a projectos não os tenho, pelo menos a curto prazo. Continuarei a escrever, ao sabor dos meus “choques”. Outros livros? É possível. Tudo é possível. E quem sabe se um segundo livro de poemas não virá a ter o “verlainiano" título de “Provavelmente?”

Foi o que veio a acontecer: “Provavelmente Alegria” seria o segundo livro de José saramago, publicado, pelos “Livros Horizonte”, em 1970, três anos e mais qualquer coisa, depois desta entrevista.

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