sábado, 27 de agosto de 2011

SARAMAGUEANDO


Em Julho de 1966 José Saramago publicou “Os Poemas Possíveis”.

Não está indicada a tiragem, mas deverá ter andado pelos 1.500 exemplares.

Vendeu-se com relativa facilidade e adquiriu o estatuto de “esgotado”.

Na sua coluna de “Crítica Literária”, publicada no “Diário de Notícias” de 8 de Dezembro de 1966, João Gaspar Simões, pouco dado a entusiasmos com gente mais nova do que ele, escreveu:

“E não nos detemos: continuaremos a aplaudir. Diante de nós está um homem passante dos quarenta anos que pela primeira vez vem ao proscénio da poesia e desde logo nos brinda com um livro que, embora se intitule de Os Poemas Possíveis – o que quer dizer que há poemas impossíveis -  nos persuade de que valeu a pena aproveitar a possibilidade de que beneficiou tão excepcional engenho poético. Sim, José Saramago, nem chega depois, nem chega antes: chega quando era mister que chegasse. (… ) E aqui está como um poeta quadragenário, num país de de líricos adolescentes, e numa hora em que o funambulismo já não tem mais saltos mortais para dar em cima do trapézio das palavras, avança até ao proscénio do teatro do mundo que é a poesia verdadeira e nos obriga de pé, gritar bravo! bravo! O que parecia morto não morreu. Ainda há poetas vivos, ainda há poetas homens. Este, pelo menos, pode proclamar alto e bom som:

“terrestre sou e deste amor terrestre.
homem me cumpro homem,
“oemas faço.”

Passados 16 anos sobre a sua publicação, José Saramago acedeu a que se fizesse uma 2ª edição do livro, e teve o cuidado de escrever no prefácio:
“Aparece esta edição de “Os Poemas Possíveis” dezasseis anos depois da primeira. Não é assim tanto comparando com os dezasseis séculos que sinto ter juntado à minha idade de então. (…) Poesia datada? Sem dúvida. Toda a criação cultural há-de ter logo a sua data, a que lhe é eimposta pelo tempo que a produz (…) Poesia do dia passado, da hora tardia, poesia não futurante. E contra isto não haveria remédio. Salvo tentar trazê-la até ao seu autor, hoje, por cima de dezasseis anos e dezasseis séculos. Assim foi feito, e esta edição aparece não só revista, mas emendada também. Quase tudo nela é dito de maneira diferente, diferente é muito do que por outra maneira se diz, e não faltaram ocasiões para contrariar o que radicalmente fora escrito. Mas nenhum poema foi retirado, nenhum acrescentado. É então outro livro? É ainda o mesmo? Eu diria (e com este remate me dou por explicado) que o romancista de hoje decidiu raspar com unha seca e irónica o poeta de ontem, lacrimal às vezes. Ou, para usar expressões menos metafóricas, procurou tornar “Os Poemas Possíveis” possíveis outra vez. Ao menos.”

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