Crónica de Manuel António Pina no “Jornal de Notícias” de ontem:
“Aquele que pediu "Quando eu morrer/ deixai a varanda aberta" foi assassinado por pistoleiros franquistas há 75 anos, a 17 de Agosto de 1936, exactamente um mês após a rebelião fascista contra a República que, com a cumplicidade activa da Igreja - "Benditos sejam os canhões", a proclamação do primaz de Madrid continua a ser uma das mais graves injúrias contra os Evangelhos alguma vez proferida por um bispo católico - afogou Espanha num mar de sangue e ignomínia.
Federico Garcia Lorca tinha regressado a Granada poucos dias antes. Os esquadrões da morte andavam pelas ruas e procurou refúgio em casa do poeta Luís Rosales, falangista e seu amigo. Foi aí que, no dia 16, militantes da Falange o prenderam. Nessa mesma noite foi levado para os campos de Viznar e, às 4 da madrugada, assassinado a tiro juntamente com um professor primário e dois bandarilheiros anarquistas.
A sua morte ("De la cueva salen/ largos sollozos") continua envolta em mistério. Não lhe eram conhecidas posições políticas, além de se assumir como republicano e de um dia ter dito: "Estou e estarei sempre do lado dos que têm fome". E, crime maior ainda para os seus algozes, era homossexual.
"Aqui fuzila-se como se desbastam árvores", escreveu Saint-Éxupery sobre a Guerra Civil. Lorca foi só mais uma árvore, frondosa e frágil: "O meu coração está aqui (...)/ funde o teu ceptro nele, Senhor./ É um fruto/ demasiado outonal/ e apodreceu".
Legenda: fotografia tirada das “Obras Completas” de Federico Garcia Lorca, Aguilar S.S., Madrid 1965
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