“Estou exausto, o piso promete muita areia e mais de vinte quilómetros me separam de Tupiza. Um trio de rapazes, não miúdos, mas jovens de 18 ou mais anos, jogam ao berlinde na rua poeirenta. Paro e pergunto-lhes se há um alojamento onde possa ficar. Olham-se surpreendidos e dizem-me que não, que ali não há nada, mas incentivam-me a prosseguir para Tupiza, pois está perto e é sempre “bajada”. Estamos conversados sobre o que esta gente entende por “perto” e também por “pura bajada”, mas o certo é que não tenho alternativa – na verdade ainda não é tarde e posso pedalar mais duas horas antes que escureça.
Como sempre, a bajada está repleta de subidas, ainda que seja predominantemente a descer, é verdade, o piso é terrivelmente mau, oscilando a areia e a “chapa ondulada”. E já perto de Tupiza, há mais uma subida para a sossega, que me obriga a caminhar e empurrar a Dempster. Mas também desta vez, depois da tempestade há-de vir a bonança e Tupiza há-de surgir do nada. No hotel Mitru começam por me pedir 100 bolivianos por noite, mas consigo ficar por 50 e um duche quente, e a certeza de que ficarei um ou dois dias a descansar, fazem olhar para a jornada finda com um sorriso e não um esgar!!
Tupiza é o faroeste. Já ontem, de Salo para cá, me tinha surpreendido com a morfologia e as cores das estranhas formações arenosas que ladeavam o caminho e que, afinal, não passavam de uma pequena amostra daquilo que viria a admirar em redor do povoado. Mas Tupiza não é o faroeste apenas pelos canyons, gargantas, penhascos e montanhas de intensos coloridos, onde predomina o vermelho e onde se imaginam cowboys, pistoleiros, ladrões e sherifes. É o faroeste também porque cá se escreveu uma célebre estória de gansters e pistoleiros… foi pouco a norte do povoado que, em 1903, a dupla Butch Cassidy e Sundance Kid perpetraram o assalto a Carlos Peró, o gerente local da Aramayo Company, levando o dinheiro dos salários dos mineiros. E foi em San Vicente, escassa centena de quilómetros a norte, que ambos encontraram “o fim da estrada” e as balas que lhe deram a imortalidade…”
Texto e imagens de Idílio Freire
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