quinta-feira, 18 de agosto de 2011

IDÍLIO EM BICICLETA


“Os duzentos quilómetros que separam Uyuni de Tupiza, não desiludem nem surpreendem. São tão remotos quanto pode ser um deserto contínuo de areia, de pedra, de desolação, de secura, de abandono. A solidão é extrema e constante; a vastidão do espaço é esmagadora e, por vezes, assustadora; raramente passa um carro; raramente se vê uma habitação ou uma alma; não existe uma única árvore, ou arbusto; e os únicos seres vivos visíveis são escassas llamas, um ou outro par de vicuñas, e alguns burros, que aparentam espanto à minha passagem.
A estrada é praticamente plana e apenas alguns troços de areia mais solta me dificultam a marcha. Preciso chegar a Atocha, vila mineira no coração do vazio, onde espero encontrar alojamento e comida, mas antes o piso torna-se mais difícil e as energias do inesperado almoço, em Rio Saladao (assim o miúdo disse chamar-se a minúscula aldeia que tinha um comedoro), já definharam na dureza e distância do percurso.
Foi com alegria revitalizadora que vislumbrei uma raríssima placa de sinalização indicando 7 kms para Atocha!! E no fim da descida, já no lusco-fusco do longo dia, surgiu a desejada povoação, enfiada no buraco das montanhas e escalando um pouco a encosta lunar, numa visão monocromática, minimalista e baça, de vila mineira.
A jornada até Tupiza deveria ser bastante longa, demasiado longa, talvez, apesar de prometer uma “recta final” descendente. De qualquer modo deixei Atocha com a primeira luz da manhã, na expectativa, contida, de poder chegar a Tupiza ou, no mínimo, à vizinha Salo.”

 Texto e imagem de Idílio Freire

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