terça-feira, 16 de agosto de 2011

UMA TACHADA DE CARACÓIS NA MORTE DE ELVIS PRESLEY


Em 16 de Agosto de 1977 morreu Elvis Presley, o anjo branco do rock americano dos anos 50. Eu estava em espinho, um pouco de veraneio, em Verão azedo e frio à espera que o caso de “O Século” se resolvesse.

Um ano depois, regressado de Espinho, um Verão mais doce e quente, continuo à espera do meu posto de trabalho e dos carcanhóis, enquanto vou fazendo por aqui alguns biscates.

Mas falava do Elvis Presley. Continuo a falar, dizendo que guardava no bolso um recorte de jornal que contava a morte do ídolo. Estava ao balcão de um bar e sintonizei a conversa ao lado, entre ciganos da zona, que em Espinho há muitos.

Dos ciganos sempre me falavam com desconfiança, quando nas aldeias do Norte passavam ou montavam tenda debaixo dos castanheiros, nas curvas para a Balsa.
Contavam-me roubos, navalhas, bruxarias. Sempre me pareceu conversa exagerada e eu gostava das fogueiras que eles acendiam à noite, ou do zumbido das abelhas na luz dourada da tarde calmosa do acampamento, com burros, carroças coloridas, mulheres lindíssimas, o som desgarrado de uma viola. Assim: juro que sempre gostei dos ciganos.
Pois é: também eles falavam da morte do Elvis. À sua maneira lembravam o cabelo abrilhantinado, a roupa, as roupas de couro, as botas altas, os gritos histéricos ou a estranha vida do criador do “Love me Tender”.

Às tantas, rapei do recorte do jornal e meti-me ao barulho com conversa. “Está aqui tudo”, avanço eu. “Certo”, disse um dos ciganos, de seu nome Maia, “mas é que não sabemos ler: nunca andámos na escola; o que aprendemos foi na vida”. Vieram mais bebidas, falou-se de petiscos, recordei coxas de rã na brasa ou um ouriço cacheiro assado, comido no Alentejo, em tempo de tropa.

Foi então que o Maia atacou: “E caracóis”, um sorriso malandreco, pois é sabido que a gente do Norte de caracóis nem ouvir falar, quanto Mais provar. “Bom petisco!”, atalho eu, com a escola do Sul. “Com arroz?”, pergunta o cigano. “Nunca provei mas não deve ser nada mau, resposta pronta. “Então você gosta de comida de cigano pobre! Olhe: amanhã vamos comer esse arrozinho e sou eu, o Maia, quem o vai fazer!

Meu dito, meu feito. No dia seguinte, em tasca combinada, graças ao Elvis que se tinha finado na altura, o Maia apareceu com uma grande panela de arroz, com toucinho, tomate, cebola e caracóis lá dentro, com casca e tudo. Acompanhado com um tintol da zona, foi uma tachada que nem lhes conto! E venham-me depois falar mal dos ciganos!

Eduardo Guerra Carneiro em O Revolver do Repórter.

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