Avieiros
Alves Redol
Publicações
Europa-América, Lisboa, Setembro de 1976
- Já sabes cantar, Tóino? Se sabes cantar, canta…
- Podem ouvir no barracão.
- Então, vamos para longe. Encosta à margem; lá acima
atravessas para o outro lado.
- Queres ir à lenha comigo? – perguntou o Tóino,
resoluto.
Ela passou as pernas para dentro do barco, foi
sentar-se no banco de remar e ficou à espera. As sombras das árvores já não
manchavam o manto que cobria o Tejo.
De remos ao ombro ele, aproximou-se. Meteu-os nos
toletes e pediu-lhe que se deitasse à ré. Os moças da barca podiam vê-la;
quando passassem para a outra margem, ele sabia onde, deixava-a remar sozinha.
Com os pés nus fincados na estribeira, o rapaz puxou
os punhos dos remos para o peito e o saveiro galgou, rápido, como nunca soubera
navegar desde que o calafate o dera pronto para o rio. Tóino da vala deitava o
olhar sobre o corpo da companheira estendida no paneiro da popa. Já cantara uma
vez para outra rapariga e sabia onde havia um sítio para a levar.
Um pássaro voou na noite. Passou-lhe por cima da
cabeça, foi esconder-se num salgueiro, isolado, e trinou de lá uns gorjeios sem
sol.
- Canta, Tóino! – pediu a rapariga. – Canta a do
coração…
- Um homem só canta quando tem mulher…
- Podes cantar…
Tóino da Vala largou os remos ao acaso e foi deitar-se
ao pé dela.
Sem comentários:
Enviar um comentário