sábado, 27 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS


A Menina da Carreira de Manique

Eduardo Olímpio
Capa: H. Mourato
Edições Maria da Fonte, Lisboa, 1978

Vem no banco de trás. Um molho de livros, papéis, apontamentos. Uma mão cheia de amanhã. Tem os cabelos grandes e loiros como os cabelos das moiras de antigamente. Cabelos de fada, da princesa que esperava fechada num castelo.
E uns olhos tudo: olhos trigo, olhos horizonte, ternura, aconchego. E esperança, esperança: olhos mundo inteiro.
Quando a camioneta chega à minha paragem a menina da carreira de Manique já lá vem, sentada: mês se eu for para as outras paragens mãos antes, mais primeiro, ela também lá está pálida e morena, sentada no seu banco de todos os dias: menina do princípio do mundo, ao princípio da manhã está presente. Olho-a.
É o meu doce pequeno-almoço, olhar a menina da carreira de Manique, Menina só de olhar. Menina de semear suavidade nas arestas do dia que nos irá matar.
Entretanto o sol desgrenha-se, amarelado, da banda de lá do Tejo e os cabelos, o rosto, os olhos-tamanho-do-mundo da menina que já vem do princípio da madrugada inundam o autocarro duma luz que nos conforta. Penso: quando o céu se tornar numa impossível cúpula de ferro, quando as cigarras emigrarem para as sibérias do silêncio, quando o vento me despentear a fé, resta-me a menina da carreira de Manique para olhar.
E o mundo estará cheio de sol.

2 comentários:

Seve disse...

Este (livro e autor) é que desconhecia absoluta e totalmente.

Este blogue é uma maravilha!!!!

Sammy, o paquete disse...

Um tipo muito interessante. Durante muitos anos foi livreiro na «Anglo-Americana», uma livraria, ali ao Cais do Sodré, hoje é uma boutique de pão onde paravam escritores, contadores de histórias, meros gostadores de livros e de uma boa conversa.
Outros tempos...