A Menina da Carreira de Manique
Eduardo Olímpio
Capa: H. Mourato
Edições Maria da
Fonte, Lisboa, 1978
Vem no banco de trás. Um molho de livros, papéis,
apontamentos. Uma mão cheia de amanhã. Tem os cabelos grandes e loiros como os
cabelos das moiras de antigamente. Cabelos de fada, da princesa que esperava
fechada num castelo.
E uns olhos tudo: olhos trigo, olhos horizonte,
ternura, aconchego. E esperança, esperança: olhos mundo inteiro.
Quando a camioneta chega à minha paragem a menina da
carreira de Manique já lá vem, sentada: mês se eu for para as outras paragens mãos
antes, mais primeiro, ela também lá está pálida e morena, sentada no seu banco
de todos os dias: menina do princípio do mundo, ao princípio da manhã está presente.
Olho-a.
É o meu doce pequeno-almoço, olhar a menina da
carreira de Manique, Menina só de olhar. Menina de semear suavidade nas arestas
do dia que nos irá matar.
Entretanto o sol desgrenha-se, amarelado, da banda de
lá do Tejo e os cabelos, o rosto, os olhos-tamanho-do-mundo da menina que já
vem do princípio da madrugada inundam o autocarro duma luz que nos conforta.
Penso: quando o céu se tornar numa impossível cúpula de ferro, quando as cigarras
emigrarem para as sibérias do silêncio, quando o vento me despentear a fé,
resta-me a menina da carreira de Manique para olhar.
E o mundo estará cheio de sol.
2 comentários:
Este (livro e autor) é que desconhecia absoluta e totalmente.
Este blogue é uma maravilha!!!!
Um tipo muito interessante. Durante muitos anos foi livreiro na «Anglo-Americana», uma livraria, ali ao Cais do Sodré, hoje é uma boutique de pão onde paravam escritores, contadores de histórias, meros gostadores de livros e de uma boa conversa.
Outros tempos...
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