“I never heard from Shelagh again. I tried to
call her around
that time, but the number was cutt off. She
just vanished.”
(Sandy Roberton,
Produtora B&C Records, Outubro 2004)
Em Agosto de 1970,
por altura do lançamento do seu primeiro álbum, a “Melody Maker” questionava-se
se não estaríamos na presença de uma nova Sandy Denny.
Era muito bela e
tinha uma imagem pessoal semelhante. A mesma simplicidade de processos, a
mesma voz de Anjo e aquele mesmo peculiar jeito de nos pegar pela mão e nos
levar de mansinho pelos bosques do silêncio.
Em 1971, no auge da
fama depois do aparição de um segundo álbum e já com um terceiro em
preparação, desapareceu.
Algum tempo se passou
sem que ninguém soubesse nada dela, mas, depois, começaram a achar
estranho esse silêncio e essa ausência
Bateram-lhe à
porta, e nada.
Os vizinhos não a
viam há já muito tempo e também não sabiam nada dela.
Tentaram encontrá-la
com insistência, até para lhe pagarem os “royalties” resultantes da venda dos
seus discos, mas sem sucesso...
Chegaram a pedir a
ajuda da Polícia.
Mas nada…
Alguns começaram a
dizer que teria desaparecido para sempre. …
Que se tinha devotado
a Deus e estaria enclausurada num convento…
Que teria emigrado
para o Canadá, onde escrevia livros para crianças...
Outros diziam que
tinha mudado de nome e agora andaria por aí incógnita num país longínquo,
tal como o Jack Nicholson no filme do Antonioni.
Outros ainda, mais
próximos dela, que se cansara, de vez, da mentira, da falsidade, da
inveja, da intriga, das falsas amizades do mundo do “showbiz”, mesmo sendo
este um meio muito restrito como é o da Folk .
Que se estava nas
tintas para o sucesso, para a fama, para o dinheiro e para os bens
materiais, e que o que mais lhe interessava era sentir-se bem consigo
própria.
Mas mandar assim tudo
às urtigas quando se começa a ter o mundo da Folk a nossos pés…?
Estará louca, de
certeza, pensaram eles.…
PS:
Escrevi este
curtíssimo texto há cerca de 12/13 anos, quando comprei este CD “Let no Man
Steal Your Thyme”, que aqui vos mostro, e para tudo quanto afirmei
baseei-me nas “notas” do opúsculo que acompanha o disco.
Na altura não o dei a
conhecer a ninguém porque entendi que não tinha qualquer interesse, e só o faço
agora, com este complemento, porque acho a história, no mínimo, curiosa.
Poderia, de facto,
ter sido uma bonita história de desprendimento e de devoção a um Ideal de vida
se mais de trinta anos depois Shelagh McDonald não tivesse deitado tudo a
perder ao voltar de entre os mortos, como a Madeleine de Vertigo…
Mas não nos
antecipemos à história e regressemos ao CD e ao contexto da sua publicação.
O CD reúne os dois
LP’s gravados por Shelagh McDonald (“The Shelagh McDonald Album”, de 1970, e
“Starzeger”, de 1971), a que se juntam algumas versões alternativas, bem como
outros “demos”, nomeadamente daquele que deveria ter sido o seu terceiro álbum.
E é bom que se diga,
desde já, que estes dois discos estiveram longe de ser gravações artesanais
relativamente “underground”, como tantas vezes sucedia na Música Folk
daqueles tempos. Longe disso… Shelagh McDonald tem a acompanhá-la a “nata” dos
músicos Folk da sua época, gente como Richard Thompson e Dave Mattacks, dos
Faiport Convention, Danny Thompson dos Pentangle ou Keith Tippet, dos King Crimson,
o que demonstra bem a confiança que a sua Editora depositava no seu sucesso.
Em 2005, quando estes
discos foram reeditados mais de trinta anos após a sua publicação original,
atravessa-se um novo “revival “ no interesse pela Música Folk, deste e do outro
lado do Atlântico.
Músicos como Devendra
Banhart, Andy Cabic (do grupo Vetiver, acerca o qual já escrevi), Conor Oberst
(dos “ Six Organs of Admittance”, “ Bright Eyes”, ...) ou Neil Halstead
(“Slowdive”, “Mojave 3”, …) sempre reconheceram ter uma dívida de gratidão para
com a Folk Britânica dos anos 60/70, sobretudo aquela corrente a que se
convencionou chamar “Psychedelic Folk”. E sempre procuraram
homenagear esses intérpretes, fazendo “covers” das suas canções, chamando-os
a participar nos seus próprios discos ou simplesmente enaltecendo a sua memória
nos escritos que faziam e nas entrevistas que concediam à imprensa da
especialidade.
Isto gerou uma onda
de interesse nas gerações mais novas, e muitos músicos que já tinham
caído num relativo esquecimento viram os seus velhos discos reeditados em
CD e voltaram a ser ouvidos com prazer e admiração.
É o caso de Bridget
St. John, Linda Perhacs ou de Vashti Bunyan, para só vos falar de vozes
femininas. Algumas, como Bunyan, gravaram novos originais e tiveram como que
direito a uma segunda carreira, com digressões por esse Mundo fora (vi-a “ao
vivo” no Maria Matos, há cinco anos atrás).
A reedição dos discos
de Shelagh McDonald insere-se, portanto, nessa onda revivalista que marcou essa
época, e suscitou muito interesse, nomeadamente na Escócia, seu país de origem.
Charles Donovan, no
jornal “The Independent”, terá sido o primeiro a falar dela, da sua
música e do seu súbito “desaparecimento”, num artigo apropriadamente intitulado
“Mystery Woman”.
Outros artigos se
seguiram, nomeadamente no “The Scotish Dayly Mail”.
E foi precisamente
esse artigo que Shelagh McDonald um dia leu e, surpreendentemente, resolveu
aparecer no jornal, sem aviso prévio, para contar a sua história.
Em 1972, com um
terceiro disco já em fase de gravação, Shelagh McDonald, então com 24 anos e a
atravessar uma relação amorosa problemática, sentia-se desnorteada e
insegura e o recurso às drogas era a solução mais à mão por esses tempos.
Numa noite de festa,
em Londres, uma dose cavalar de LSD deixou-a alucinada e sem controlo sobre si
própria, naquilo a que na gíria se chamava uma “bad trip”. As noites
seguiram-se umas atrás das outras e as alucinações também, cada uma pior
que a anterior… “Lost in a nightmare”, como mais tarde escreveria
Charles Donovan.
Até que um dia caiu
em si e percebeu que necessitava da ajuda de quem lhe quisesse bem.
Regressou a Glasgow à
casa paterna, e com a ajuda dos pais conseguiu ultrapassar a os efeitos da
droga.
Mas havia um problema
que parecia irreversível: a sua bela voz de anjo estava arruinada.
Os pais, que nunca
tinham visto com muito bons olhos a sua carreira de “folksinger”,
convenceram-na a abdicar da Música.
E ela assim fez.
Empregou-se numa loja e viveu uma vida pacata.
Mas tempos depois
conheceu um negociante de livros, Gordon Farguhar, com quem casou, e os dois
desapareceram da circulação e passaram a viver em perfeita vagabundagem,
vivendo da caridade alheia e saltando de lugar para lugar e de barraca para
barraca, quase sempre em comunhão com a natureza em ambientes rurais e durante
muitos anos com uma tenda as costas, ao verdadeiro estilo “hippie”.
Cortaram todas as
ligações que tinham com o passado, incluindo os laços familiares e de amizade,
e Shelagh nem ao funeral dos pais compareceu.
Mais de 30 anos assim
se passaram até que em 2005 deparou com o tal artigo do jornal que falava de si
como uma dama misteriosa.
Confessou ter-se
sentido comovida e agradecida por, tantos anos depois, os seus discos terem
sido reeditados e a nova geração ainda se interessar por ela e pela sua música.
Mas fez mais do que
simplesmente comover-se…
Foi reclamar os mais
de 30 anos de “royalties” em atraso, juntou-os aos do novo CD, abandonou
a vida de vagabundagem e em 2008 comprou um apartamentozinho na cidade, para
onde se mudou com o marido.
A sua voz não
melhorara de todo, mas alguma coisa deve ter melhorado porque há memória no
YouTube de algumas atuações em bares nos anos que se seguiram, e até há quem
garanta que gravou um novo CD chamado “Parnassos Revisited”, que não teve
distribuição comercial mas foi vendido de porta em porta…
Em 2012 dois
acontecimentos importantes ocorreram na sua vida: o marido morreu e a sua voz
melhorou substancialmente (desconheço se haverá alguma ligação psicológica
entre um facto e outro…).
Antes de falecer, o
marido havia-a incentivado a retomar o canto e Shelagh recorreu, então, aos
serviços de um professor para a ajudar a moldar de novo a sua voz e
declarou-se pronta a retomar as lides musicais.
Em 16 de Janeiro de
2013, mais de 40 anos depois do último, apareceu de novo num concerto público,
no “Green Note”, em Londres. Abriu com o seu grande sucesso “Let no Man
Your Thyme” e, segundo se disse, terá cantado muito material novo
Mais uma vez se falou
em nova gravação de disco, com nome e tudo (“Timescapes”) e terá sido por essa
altura que se associou a uma banda Folk chamada “Razorbills”, colaboração de
que existe alguma memória no YouTube.
A partir daí e
passados que foram 7 anos….., quase mais nada. O último registo “ao vivo”que
existe no Youtube é de 2014 e não há, em lado nenhum, sinais do tão badalado
terceiro disco.
Que Shelagh McDonald
recuperou o seu lugar entre os grandes da Folk Britânica, isso não resta
qualquer dúvida. A comprová-lo está a sua inclusão nesta muito completa
coletânea de 2008 que vos mostro, “The All New Electric Muse – The Story of
Folk into Rock”, na qual surge ao lado de todos os “monstros sagrados” da sua
época.
“A new Sandy Denny”…?
Aí já me permito
duvidar…
A sua voz é
belíssima, de facto, mas irregular. Tanto me faz lembrar Sandy como, por
vezes, Joni Mitchell, Judy Collins e, aqui e além, até um Nick
Drake de saias... Verdadeira “irmã gémea” da “Queen” só a sinto na belíssima versão
2 de “Dowie Dens of Yarrow”, que parece ter saído direitinha do primeiro
disco dos “Fotheringay”.
O que terá acontecido
a esta Senhora…?
Terá desaparecido, de
novo…?
Terá morrido…?
Mulher muito
misteriosa esta, de facto…
Mas, por mim, mais
valeria que tivesse ficado quieta.
Conviveria muito
melhor com a imagem de Shelagh, o Anjo desaparecido, do que com a de Mrs.
McDonald, a vagabunda arrependida...
Texto de Luís Miguel Mira
Texto de Luís Miguel Mira
1 comentário:
Que bela história para um grande livro.
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