segunda-feira, 11 de maio de 2020

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Gosto de livros que reúnem a correspondência entre personalidades da cultura.

Ajuda-nos, para além dos livros, dos filmes, das exposições, a compreender melhor os personagens.

Jorge de Sena é o intelectual de que conheço mais correspondência publicada.

Devemos esse trabalho a sua mulher Mécia de Sousa que, amorosa e ferreamente, se dedicou a esse extraordinário trabalho.

«E está longe de ser tudo, mesmo sem infindável arca. Assim eu tenha vida, saúde e lucidez para realizar essa monstruosa tarefa»

(Carta de Mécia de Sousa a João Gaspar Simões.).

Por alturas da Feira do Livro do ano passado o Luís Eme perguntava-me sobre a Correspondência entre Jorge de Sena e João Gaspar Simões, se já tinha lido o livro.

Não tinha lido nem comprado.

Entendia que, apesar de amigos, acabaram por se desentender, e detestavam-se.

Não sabia que raio de correspondência existiria entre os dois.

Falava-lhe também de que os livros da «Guerra e Paz» atingiam preços algo pesados. As coisas são o que são e os livros saem caros. Resta-nos fazer uma gestão do orçamento mensal e por aí fora.

Mas a pergunta do Luís deixara  pozinhos a bailar por mim dentro.

Numa última ida à Feira, acabei por comprar o livro.

Folheado em casa, não me entusiasmou e acabou por ir para a secção de «Livros a Ler».

Em tempo de pandemia, a obra foi lida.

Não é daqueles livros imprescindíveis, mas não lamento o tempo que lhe dediquei.

Através da introdução de Filipe Delfim Santos, das cartas trocadas entre Gaspar Simões e Mécia de Sena, que a determinada altura, dado o grave ataque de coração que Sena sofreu, passa a responder às cartas que são dirigidas ao marido, se fica a perceber, um pouco mais, de como foram as relações, pessoais e de escrita, entre Sena e Gaspar Simões.

Pessoalmente, nunca apreciei o cidadão João Gaspar Simões, como crítico nada digo porque me falta tudo, e mais alguma coisa, para poder dizer o que quer que seja.

Mas entre as diversas referências que tenho sobre/de Gaspar Simões, apresento três, cada uma a seu modo:

Uma de JoséGomes Ferreira, no IX volume dos seus Dias Comuns, realçando a camaradagem de Gaspar Simões:

«2 de Julho de 1970
O João Gaspar Simões disse-me ontem pelo telefone que se vira obrigado a emendar algumas palavras na minha última crónica, para a gente de O Primeiro de Janeiro a deixar sair.
Que palavras?
Estas: tipa, macha, pernas, etc. (Incrível), consideradas impróprias por um energúmeno velhorro da redacção que as sublinhou com lápis vermelho.
Fiquei furioso. Duas censuras ( a oficial e a do velhorro paralítico cerebral) parecem-me cadeias demais para poder dançar!
Quanto à atitude de João Gaspar Simões – seria uma covardia escrever aqui o que não ousei dizer-lhe por delicadeza… Aliás, estou convencido de que da parte dele houve apenas camaradagem jornalística. Custava-lhe que eu perdesse os 400 paus do artigo – como me confessou.
Agradeci-lhe a camaradagem.»

Outra é a espantação de Mário-Henrique Leiria, numa carta à sua «querida menina», contando-lhe que o Gaspar Simões dissera bem de um seu livro:

Sabes que o Gaspar Simões botou elogio grosso aos CONTOS DO GIN-TÓNICO na página literária do “Diário de Notícias”? Pois foi: Só tenho coisas que me ralem; só me faltava o Gaspar Simões a dizer bem de mim. Ele há cada coisa!

Por fim, o passo de uma crítica de João Gaspar Simões ao livro As Solicitações e Emboscadas  de Mário Dionísio:

O que nos fica, finda a leitura deste livro, não é a imagem de um homem fazendo gestos para que o vejam: é a imagem de uma alma segredando aos outros qualquer coisa impossível de calar.

Não quero terminar este apontamento, sem referir uma frase de Adolfo Casais Monteiro que Filipe Delfim Santos coloca a abrir a introdução sobre a Correspondência de Sena e GasparSimões:

«… é muito difícil fazer crítica a um livro do Sena».

2 comentários:

Luis Eme disse...

Pois...

O João Gaspar Simões devia ter dificuldade em separar "as pessoas dos livros" (como a maior parte dos críticos, basta ler o "J. Letras" e percebe-os todos aqueles "arranjinhos", em que dizem bem dos livros uns dos outros...).

Ele era um excelente crítico, sim, dos autores que estavam a começar e não conhecia de parte alguma.

Sammy, o paquete disse...

João Gaspar Simões fazia crítica literária, às quintas-feiras, no suplemento literário do «Diário de Notícias», dirigido pela Natércia Freire.
Jorge de Sena, nas suas diversas correspondências, tem amargas críticas da senhora que teimava em não publicar artigos e poemas de gente que estivesse fora da órbita do regime.
O meu jornal era o «Diário de Lisboa», o suplemento literário também se publicava à quinta-feira, e na crítica literária pontificvam o Álvaro Salema, o Mário Sacramento, o Eduardo Prado Coelho.
Os tempos eram difíceis e posso garantir que nunca li uma crítica do João Gaspar Simões porque os tostões não davam para comprar todos os jornais, porque, também às quintas-feiras o Diário Populat publicava o seu suplemento literário.