Gosto de
livros que reúnem a correspondência entre personalidades da cultura.
Ajuda-nos,
para além dos livros, dos filmes, das exposições, a compreender melhor os
personagens.
Jorge de Sena
é o intelectual de que conheço mais correspondência publicada.
Devemos esse
trabalho a sua mulher Mécia de Sousa que, amorosa e ferreamente, se dedicou a
esse extraordinário trabalho.
«E está longe de ser tudo, mesmo sem infindável arca. Assim eu tenha vida, saúde e lucidez para realizar essa monstruosa tarefa»
(Carta de Mécia de Sousa a João Gaspar Simões.).
Por alturas
da Feira do Livro do ano passado o Luís Eme perguntava-me sobre a
Correspondência entre Jorge de Sena e João Gaspar Simões, se já tinha lido o livro.
Não tinha
lido nem comprado.
Entendia que,
apesar de amigos, acabaram por se desentender, e detestavam-se.
Não sabia que
raio de correspondência existiria entre os dois.
Falava-lhe
também de que os livros da «Guerra e Paz» atingiam preços algo pesados. As coisas
são o que são e os livros saem caros. Resta-nos fazer uma gestão do orçamento
mensal e por aí fora.
Mas a pergunta
do Luís deixara pozinhos a bailar por mim dentro.
Numa última
ida à Feira, acabei por comprar o livro.
Folheado em
casa, não me entusiasmou e acabou por ir para a secção de «Livros a Ler».
Em tempo de
pandemia, a obra foi lida.
Não é
daqueles livros imprescindíveis, mas não lamento o tempo que lhe dediquei.
Através da
introdução de Filipe Delfim Santos, das cartas trocadas entre Gaspar Simões e
Mécia de Sena, que a determinada altura, dado o grave ataque de coração que
Sena sofreu, passa a responder às cartas que são dirigidas ao marido, se fica a
perceber, um pouco mais, de como foram as relações, pessoais e de escrita,
entre Sena e Gaspar Simões.
Pessoalmente,
nunca apreciei o cidadão João Gaspar Simões, como crítico nada digo porque me
falta tudo, e mais alguma coisa, para poder dizer o que quer que seja.
Mas entre as
diversas referências que tenho sobre/de Gaspar Simões, apresento três, cada uma
a seu modo:
Uma de JoséGomes Ferreira, no IX volume dos seus Dias Comuns, realçando a
camaradagem de Gaspar Simões:
«2 de Julho de 1970
O João Gaspar Simões disse-me ontem pelo
telefone que se vira obrigado a emendar algumas palavras na minha última
crónica, para a gente de O Primeiro de Janeiro a deixar sair.
Que palavras?
Estas: tipa, macha, pernas, etc.
(Incrível), consideradas impróprias por um energúmeno velhorro da redacção que
as sublinhou com lápis vermelho.
Fiquei furioso. Duas censuras ( a
oficial e a do velhorro paralítico cerebral) parecem-me cadeias demais para
poder dançar!
Quanto à atitude de João Gaspar Simões –
seria uma covardia escrever aqui o que não ousei dizer-lhe por delicadeza…
Aliás, estou convencido de que da parte dele houve apenas camaradagem jornalística. Custava-lhe que
eu perdesse os 400 paus do artigo – como me confessou.
Agradeci-lhe a camaradagem.»
Outra é a
espantação de Mário-Henrique Leiria, numa carta à sua «querida menina», contando-lhe
que o Gaspar Simões dissera bem de um seu livro:
Sabes que o Gaspar Simões botou elogio
grosso aos CONTOS DO GIN-TÓNICO na página literária do “Diário de Notícias”?
Pois foi: Só tenho coisas que me ralem; só me faltava o Gaspar Simões a dizer
bem de mim. Ele há cada coisa!
Por fim, o passo de uma crítica de João Gaspar Simões ao livro As Solicitações e
Emboscadas de Mário Dionísio:
O que nos fica, finda a leitura deste
livro, não é a imagem de um homem fazendo gestos para que o vejam: é a imagem
de uma alma segredando aos outros qualquer coisa impossível de calar.
Não quero terminar este apontamento, sem referir uma frase de Adolfo Casais Monteiro que Filipe
Delfim Santos coloca a abrir a introdução sobre a Correspondência de Sena e GasparSimões:
«… é muito difícil fazer crítica a um
livro do Sena».
2 comentários:
Pois...
O João Gaspar Simões devia ter dificuldade em separar "as pessoas dos livros" (como a maior parte dos críticos, basta ler o "J. Letras" e percebe-os todos aqueles "arranjinhos", em que dizem bem dos livros uns dos outros...).
Ele era um excelente crítico, sim, dos autores que estavam a começar e não conhecia de parte alguma.
João Gaspar Simões fazia crítica literária, às quintas-feiras, no suplemento literário do «Diário de Notícias», dirigido pela Natércia Freire.
Jorge de Sena, nas suas diversas correspondências, tem amargas críticas da senhora que teimava em não publicar artigos e poemas de gente que estivesse fora da órbita do regime.
O meu jornal era o «Diário de Lisboa», o suplemento literário também se publicava à quinta-feira, e na crítica literária pontificvam o Álvaro Salema, o Mário Sacramento, o Eduardo Prado Coelho.
Os tempos eram difíceis e posso garantir que nunca li uma crítica do João Gaspar Simões porque os tostões não davam para comprar todos os jornais, porque, também às quintas-feiras o Diário Populat publicava o seu suplemento literário.
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