segunda-feira, 18 de maio de 2020

OLHAR AS CAPAS


Último Correio Antes da Noite

Serge Reggiani
Tradução: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
Colecção Campo da Música nº 2
Campo das Letras, Porto, Fevereiro de 1996

Há seres tão próximos que não imaginamos escrever-lhes, como se as cartas estivessem reservadas para os ausentes. Não nos passa pela cabeça dizer-lhes quanto os admiramos ou quanto os amamos. Um dia, é demasiado tarde.
Toda a minha vida me cruzei com artistas de excepção. Toda a minha vida me rodeei de seres queridos. Os primeiros desapareceram quase todos, alguns dos segundos afastaram-se. Quis escrever a esses fantasmas e a essas sombras uma última palavra em jeito de post-scriptum a uma amizade, a uma paternidade, a uma admiração, a um amor…
Hoje, volto a pegar na caneta. Ponho o meu correio em dia. Eu sei: os meus correspondentes já não moram no endereço indicado. Muitos vivem agora naquela aldeia onde nada acontece. Pouco importa. Eu escrevo-lhes, e, se repente eles pudessem ler este correio, quero acreditar que se reconheceriam, que me reconheceriam.

Sem comentários: