terça-feira, 19 de maio de 2020

OLHAR AS CAPAS


O Centro do Mundo

Ana Cristina Leonardo
Capa: Rui Rodrigues
Quetzal Editores, Lisboa Junho de 2018

 Apesar da «nobre indiferença muçulmana pelo autoclismo, o esgoto, a árvore frondosa e a ânsia de ar das ruas novas» de que falava Aquilino dando razão a Boris, e da falta de pergaminhos que já em 1758 era notada pelo prior Sebastião de Sousa, Olhão mantém um lastro de glória. Industriais, pescadores e vates contrabandistas continuam a partilhar o desrespeito pela lei e o culto do Senhor dos Aflitos, numa vila pródiga em dândis e espanholas, estrangeiros e aventureiros, sardinhas e anarquistas, operários e fedor. Tresanda, resume Raul Brandão. Não exagera o simbolista. Ao peixe que apodrece sob o calor africano junta-se a matéria fecal que escorre a céu aberto, húmus pestilento que Captain Zorra nunca conseguiu olvidar, memória primeva que nos conduz, um pouco abruptamente, é certo, a Marilyn  Monroe, actriz que nunca veio a Olhão.
Monroe, que Billy Wilder foi dos poucos a levar a sério, garantindo a contracorrente que ela não precisava de lições de representação, apenas de se inscrever no colégio suíço Ómega, «onde são dados cursos de pontualidade superior», ainda não era nascida quando o olhanense Manuel Zorra, Captain ou Manny Zora nos States, troca as águas do Algarve pelas margens do rio Hudson. Era a segunda fuga. A primeira, a bordo de um barco de pesca que se dirigia a Gibraltar, acabou com o rapaz a ser mandado para casa, uma dúzia de anos apenas.

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