O Centro do Mundo
Ana Cristina
Leonardo
Capa: Rui
Rodrigues
Quetzal
Editores, Lisboa Junho de 2018
Apesar da «nobre indiferença
muçulmana pelo autoclismo, o esgoto, a árvore frondosa e a ânsia de ar das ruas
novas» de que falava Aquilino dando razão a Boris, e da falta de pergaminhos que
já em 1758 era notada pelo prior Sebastião de Sousa, Olhão mantém um lastro de
glória. Industriais, pescadores e vates contrabandistas continuam a partilhar o
desrespeito pela lei e o culto do Senhor dos Aflitos, numa vila pródiga em
dândis e espanholas, estrangeiros e aventureiros, sardinhas e anarquistas,
operários e fedor. Tresanda, resume Raul Brandão. Não exagera o simbolista. Ao
peixe que apodrece sob o calor africano junta-se a matéria fecal que escorre a
céu aberto, húmus pestilento que Captain Zorra nunca conseguiu olvidar, memória
primeva que nos conduz, um pouco abruptamente, é certo, a Marilyn Monroe,
actriz que nunca veio a Olhão.
Monroe, que Billy Wilder foi dos poucos
a levar a sério, garantindo a contracorrente que ela não precisava de lições de
representação, apenas de se inscrever no colégio suíço Ómega, «onde são dados
cursos de pontualidade superior», ainda não era nascida quando o olhanense
Manuel Zorra, Captain ou Manny Zora nos States, troca as águas do Algarve pelas
margens do rio Hudson. Era a segunda fuga. A primeira, a bordo de um barco de
pesca que se dirigia a Gibraltar, acabou com o rapaz a ser mandado para casa,
uma dúzia de anos apenas.
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