sábado, 16 de maio de 2020

PAPÉIS DATADOS


No dia 22 de Julho de 2005, ocorreram quatro atentados bombistas no metro de Londres.
A polícia não conseguiu matar ou prender todos os terroristas.
Um indício material, encontrado em mochilas dos terroristas, que não explodiram, levou os investigadores a um bloco de apartamentos de três andares em Scotia Road, Tulse Hill. A missão era encontrar alguém com aparência de somali ou etíope.
No dia seguinte, viram Jean Charles de Menezes, brasileiro, sair desse bloco de apartamentos que se dirigia para o seu trabalho diário como electricista, pois recebera uma chamada telefónica da empresa onde trabalhava, para ir reparar um alarme de incêndio em Kilburn.
Apanhou um autocarro e o metro na Stockwell Station. A polícia seguia-o.
Como vestia um blusão de cabedal, a polícia entendeu que poderia carregar explosivos. Um qualquer gesto do trabalhador brasileiro, levou a polícia a atirar sobre ele.
Cinco tiros na cabeça deram-lhe morte imediata.
A polícia britânica levou largo tempo a revelar que se tratara de uma precipitação dos perseguidores.
O chefe da Scotland Yard pediu desculpa e declarou que a polícia londrina aceitava total responsabilidade pelo sucedido e que a família iria ser indemnizada.
Ninguém disse ao senhor oficial da polícia londrina, que a luta contra o terrorismo é uma luta difícil, mas não pode valer tudo, muito menos a execução sumária de pessoas inocentes, apanhadas no local errado no momento errado.
Passagem por alguns dos versos de Daniel Filipe em A Invenção do Amor:

Depois das seis da tarde é proibido circular
Avisa-se a população de que as forças da ordem
atirarão sem prevenir sobre quem quer que seja
depois daquela hora Esta madrugada por exemplo
uma patrulha da Guarda matou no Cais da Areia
um marinheiro grego que regressava ao seu navio

Quando chegaram junto dele acenou aos soldados
disse qualquer coisa em voz baixa e fechou os olhos e morreu
Tinha trinta anos e uma família à espera numa aldeia do Peloponeso
O cônsul tomou conhecimento da ocorrência e aceitou as desculpas
do Governo pelo engano cometido
Afinal tratava-se apenas de um marinheiro qualquer
Todos compreenderam que não era caso para um protesto diplomático
e depois o homem e a mulher que a policia procura
representam um perigo para nós e para a Grécia
para todos os países do hemisfério ocidental
Valem bem o sacrifício de um marinheiro anónimo
que regressava ao seu navio depois da hora estabelecida
sujo insignificante e porventura bêbado.

Tal como Jean Charles de Menezes que, apenas, se dirigia de sua casa para o emprego e se terá assustado com os gritos da polícia londrina


18 de Agosto de 2005

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