sábado, 30 de maio de 2020

ROSA QUE NÃO ÉS DO POVO


                                              (Depois de leres Carlos Drummond de Andrade)

Chegou a hora
De ir casa um
Direito à casa
De cada um

Chegou a hora
De calmamente
Por fora – e dentro
Mais rijo e louco
Do que um trovão
Pedir à hora
Que já chegou
Que deixe que
No seu regaço
De esposa pobre
Se deite e aqueça
O coração de cada um

De pois – o mais
Que acontecer
Tudo se passa
Nos desvendados
Balcões de sonho
Onde meditam
Chegada a hora
Ninhos e anjos
Pedras e vícios
Coisas formosas
E outras bem menos


Tudo se perde
Tudo se ganha
Quando aflita
A hora vem
Pé ante pé
Lembrar que o campo
Do coração
É sempre ou quse
Sempre mais móvel
E mais molhado
Do que outras praias
Outros vergéis
Outros clarins
Outros sinónimos
De claramente
Ir pressagiando
Que tudo isso
Milagre ou crime
No fim se escapa
E se mistura
Chegada a hora
Chegada a hora

A luz acesa
O mar defronte
A testa baixa
O corpo doído
O sonho às voltas
E às avessas
A vida aqui
Tão mastigada
E tão comprometida
Que a gente pode
Dizer que não
À vida
As magras mãos
Magras se estendem
E – regressadas
As mãos se cruzam

Estamos lúcidos
A hora passa.

Raul de Carvalho em Um e o Mesmo Livro

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