domingo, 10 de maio de 2020

CESÁRIO VERDE

É cavar fundo
absorver
a terra
com os poros
da alma.

Saborear
o chão
e mastigar
de leve
como se fosse
açúcar.

Ouvir
os engenheiros
urinar do alto
dizendo sons obscenos
e fazendo contas.

E ver
e ver depois
o sol dos piqueniques.

A arte
delicada
de chupar os ossos.

A sede
de lamber nos
dedos a gordura.

O espanto
de trinchar
o peito das galinhas.

E afastar
as álgidas fibras
da memória.

E contornar
delicada-
mente
a infância.

E cheirar
os lugares
macios.

E pegar nos seixos
que a solidão
cristalizou.

E apalpar
as carnes
carcomidas do tempo.


Armando Silva Carvalho em Os Ovos D’Oiro

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