terça-feira, 12 de maio de 2020

HERANÇA


Ouvir, ouvir de noite uma ambulância,
e desejar que estejas a morrer;
fechar a porta à minha própria infância;
amigos, conhecidos, nem os ver;

quebrar nas mãos o aro da esperança;
mas de mim para mim depois dizer:
«Calma! Quem nada espera tudo alcança...»;
e guardar o revólver; e beber,

a sós, o vinho que na taça baste
a recompor-te, viva, na distância:
isto foi, como herança, o que deixaste.

E ainda o mais que não te quis dizer:
ouvir, ouvir de noite uma ambulância,
e desejar ser eu quem vai morrer...

David-Mourão Ferreira de Infinito Pessoal em Obra Poética

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